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Bastidores da investigação – porque fazer esse podcast?

Saiba os bastidores da produção do podcast sobre o esquema de exploração sexual envolvendo Samuel Klein

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Bastidores da investigação – porque fazer esse podcast?

29 de outubro de 2024 · Saiba os bastidores da produção do podcast sobre o esquema de exploração sexual envolvendo Samuel Klein

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Há quatro anos, em dezembro de 2020, uma denúncia sobre crimes sexuais chegou à Agência Pública. O diretor e chefe da sucursal de Brasília, Thiago Domenici, convocou uma equipe para investigar essa história, que envolvia meninas e adolescentes e um grande empresário brasileiro: Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, falecido em 2014, aos 91 anos. Conhecido como o “rei do varejo”, Klein ficou famoso por criar o sistema de crediário no Brasil, um tipo de financiamento que permite ao consumidor fazer compras parceladas diretamente com a loja.

O que foi silenciado ao longo de décadas em sua biografia é que ele teria criado e mantido um esquema de abuso e exploração sexual que contou com a estrutura da Casas Bahia, sem nunca ter sido incomodado pela polícia, imprensa e pela Justiça. Toda a investigação, conduzida por Thiago Domenici, juntamente com Andrea Dip, Ciro Barros, Clarissa Levy, Mariama Correia e Rute Pina, resultou, no ano seguinte, em uma série de reportagens para o Especial Caso K. Os repórteres consultaram mais de 5 mil páginas de processos judiciais, ouviram ex-funcionários da Casas Bahia, jornalistas, advogados e, principalmente, as vítimas, que além dos depoimentos, apresentaram registros que evidenciam os abusos que sofreram na infância e adolescência.

Apesar do escândalo, as matérias não tiveram a repercussão esperada, principalmente na chamada grande mídia. Em 2023, a Pública lançou uma campanha de arrecadação financeira para que os leitores e pessoas aliadas pudessem colaborar com uma nova divulgação da história. Com isso, a ideia era não apenas continuar investigando o caso, mas também fazer com que, literalmente, mais pessoas ouvissem os relatos das vítimas. Foi assim que surgiu a ideia de transformar o Caso K no podcast CASO K – A História Oculta do Fundador da Casas Bahia.

Você já pode escutar o episódio zero desta produção em áudio, que contará com um total de 4 episódios nesta primeira temporada. Neste episódio zero, Clarissa Levy, Mariama Correia e Thiago Domenici revelam os bastidores da descoberta da história e os desafios de iniciar e seguir com as investigações que resultaram no podcast. “Eu acho que essa foi uma investigação muito difícil. A gente tinha a sensação de que as vítimas estavam elaborando, percebendo o que tinha acontecido [com elas] nas nossas conversas. Essas mulheres foram julgadas, mesmo sendo crianças e adolescentes”, afirma Clarissa Levy.

Confira abaixo o roteiro do episódio na íntegra:

[Thiago Domenici]
Sabe quando uma história não sai da tua cabeça? E que por mais que você tente parar de pensar naquilo, ela fica ali te acompanhando e martelando, dia e noite? Pois é, foi o que aconteceu comigo desde o momento em que recebi aquela mensagem no Whatsapp, há quatro anos. Era um amigo jornalista me chamando pra falar urgente sobre uma história. Pelo tom dele, eu logo imaginei que o negócio era sério, mas eu não tinha ideia do que vinha pela frente. 

[Depoimento vítima]
O Samu, pai, ele gostava de menininha.

[Thiago Domenici]
Meu amigo tinha descoberto uma história sobre um suposto esquema de abuso e exploração sexual de meninas e adolescentes que envolvia o dono das Casas Bahia, Samuel Klein. Mas, o que ele tinha nas mãos era só uma pequena parte da história. Gente, era um caso grave que envolvia um dos maiores empresários do Brasil. Só que a reportagem acabou sendo barrada pela chefia do veículo onde esse meu amigo trabalhava. 

[Ricardo Moscovich]
Ó, nós não podemos fazer. A matéria é boa, mas não podemos fazer o que você quer. 

[Thiago Domenici]
A desculpa para não falar do escândalo era que a Casas Bahia era um dos principais anunciantes daquele veículo de imprensa e que eles não teriam condições de mexer naquele vespeiro. E foi por isso que meu amigo me procurou. Ele sabe que a Pública é um veículo independente e que aqui a gente não ia ter nenhum tipo de amarra para investigar essa história a fundo.

[Natália Viana]
Como uma jornalista mulher, a gente ouve uma história dessa e até arrepia na pele. É uma coisa que eu sempre penso, como a maioria das redação brasileiras são dirigidas por homens, o impacto por esse tipo de história neles, não é o mesmo.

[Thiago Domenici]
Essa é a Natália Viana, minha colega diretora da Agência Pública. Quando contei pra ela o que tinha em mãos, ela não teve dúvidas de que esse era um caso que a gente tinha que investigar a fundo.

[Natália Viana] 
Quando eu soube dessa história, imediatamente, eu sabia que a gente tinha que investigar. Todo mundo tinha que ter, pelo menos, o direito de ouvir essas mulheres. Por isso que a gente está aqui contando tudo isso. É nosso compromisso como agência de jornalismo investigativo, liderado por mulheres.

[Thiago Domenici]
Naquele momento, eu não sabia exatamente o que ia encontrar, mas a Natália e eu sabíamos que não era uma história para deixar na mão de uma pessoa só. Então a gente decidiu criar um núcleo de investigação. Além de mim, que coordenou essa investigação, participaram os jornalistas Mariama Correia, Clarissa Levy, Ciro Barros, Rute Pina e Andrea Dip. A gente tinha que dar conta de ler mais de 5000 páginas de processos e ir atrás de testemunhas e vítimas. Muitas testemunhas e muitas vítimas. E era um assunto delicado demais. 

[Depoimento vítima]
Elas falaram pra mim: olha, tem um lugar que a pessoa dá umas coisas pra gente. Mas dá o que? Ah, você vai ganhar um walkman. E eu fui conhecer.

[Clarissa Levy]
Oi, eu sou a Clarissa Levy, repórter na Agência Pública.

[Mariama Correia]
Eu sou Mariama Correia, editora aqui na Pública. Junto com Clarisse e com Thiago Dominicci, que você já ouviu aqui, eu quero te contar como foi fazer esse podcast. Por isso, esse episódio zero, pra gente falar dos bastidores dessa produção e como foi o começo de tudo.

[Clarissa Levy]
A gente não podia comentar sobre essa investigação com ninguém, era super sigiloso. Inclusive, até os outros colegas da Pública que não estavam na investigação não sabiam que a gente estava trabalhando nesse caso.

[Mariama Correia]
Além disso, tinha uma preocupação e também uma dúvida: será que a gente vai conseguir contar essa história? 

[Clarissa Levy]
O ceticismo vinha um pouco daí, sabe? Era um pouco de como é que foi possível que tudo isso acontecesse por tantos anos sendo que nada veio a público e também se isso aconteceu por tantos anos e nada veio a público. Por que que agora a gente vai conseguir? Como é que agora a gente vai conseguir contar isso? Será que tem jeito?

[Depoimento vítima]
São coisas tão.. Eu não sei se falo absurdas, loucas ou inacreditáveis, as que eu vivi,eu nunca consegui falar porque eu não sei como a pessoa vai me tratar depois.

[Clarissa Levy]
E essa autorização demorou para chegar, esses sim demoraram para aparecer. Muitas das primeiras mulheres que a gente tentou conversar nos disseram não, não toparam. Voltar na história, conceder relatos, conceder entrevistas. Às vezes não era nenhum não direto, do tipo não, não vou falar com você. Era só um sumiço, era só uma não resposta no WhatsApp ou uma resposta do tipo, beleza, depois eu te respondo. E aí nunca mais responde. 

[Mariama Correia]
E a gente tinha uma outra barreira. Muitas vítimas tentaram falar com jornalistas anos antes, chegaram a dar entrevistas, a contar o que tinha acontecido e as matérias não foram publicadas.

[Clarissa Levy]
Numa conversa direta com uma vítima em que eu lembro assim, ela tinha uma pasta com vários documentos com os processos judiciais com fotos relatos de próprio punho uma pasta das questões judiciais dela, várias dessas questões envolvendo Samuel Klein. E aí nessa pasta, junto com os documentos ali sobre os abusos sofridos, os processos que ela tinha entrado na justiça. Junto nessa pilha de documentos tinha um cartão de um produtor da maior emissora do país. Aí ela contou que anos atrás tinha conversado com esse produtor. tinha contado a história e ele nunca mais tinha retornado e é isso também foi uma coisa que me marcou muito. Eu falei, gente não é possível.

[Depoimento vítima]
Lá dentro mesmo na sala dele, no quarto andar, tinha a sala dele e ao lado tinha uma porta, que era tipo drywall, hoje, que todo mundo pensava que era uma parede abria aquela porta tinha um quarto, uma cama. E era isso que acontecia lá.

[Thiago Domenici]
Depois de meses de investigação, a gente descobriu como funcionava a rede de exploração sexual de meninas e adolescentes. Samuel Klein teria mantido esse esquema sem jamais ser incomodado nem pela polícia, nem pela justiça, e nem pela imprensa. Ninguém nunca falou nada contra ele.

[Depoimento vítima]
Funcionava assim, você ia pra São Caetano, se ele gostasse, ele te convidava pra ir pra Angra, tá? as agenciadoras já sabiam de quem ele ia gostar, então a gente já sempre ia com uma mala pronta.

[Mariama Correia]
A gente contou esses detalhes todos em 2021, numa série de reportagens mostrando, com provas, documentos, que o empresário Samuel Klein utilizou a estrutura da Casas Bahia para o seu esquema de exploração sexual. E o que a gente menos esperava era o silêncio, mas foi o que aconteceu. 

[Thiago Domenici]
É um grande empresário, de uma da rede de várias mais popular do Brasil, você publica essa história e ninguém repercute? Ninguém eu digo, principalmente as televisões brasileiras não repercutem essa história? Tem alguma coisa muito errada no modo de noticiar informação no Brasil. O que é então, para essa galera, informação de interesse público?

[Depoimento vítima]
Todo mundo em Santos conhece essa história. Não sei como não vazou antes. 

[Mariama Correia]
A gente ficou com essa história entalada na garganta por um bom tempo.

[Clarissa Levy]
Então a gente percebeu que era preciso dobrar a aposta. Não só continuar investigando o caso, mas desta vez, literalmente tentar fazer com que todo mundo ouvisse as histórias que a gente tinha escutado da boca das vítimas. E foi assim que surgiu a ideia de transformar o Caso K num podcast. 

[Depoimento vítima]
Me lembro de uma vez que entrei e tinha muitas crianças sentadas esperando. Eu morava na minha vó.

[Thiago Domenici]
Você tinha quantos anos quando aconteceu isso?

[Depoimento vítima]
Doze.

[Thiago Domenici]
Só que pra manter vivo o núcleo investigativo que criamos lá no começo, a gente ia precisar de ajuda. 

[Marina Dias]
Olá, sou Marina Dias, sou diretora de comunicação da Agência Pública. Depois de dar com a cara na porta muitas vezes, para contar essa história do caso K, nós decidimos que a gente ia fazer esse podcast de qualquer jeito. Resolvemos pedir ajuda pro nossos aliados, entre aliados, que são as pessoas que apoiam a gente com doações mensais, recorrentes e pix, nós arrecadamos noventa mil reais. Foi muito incrível, assim, a gente ver as pessoas abraçando essa história mesmo e estamos aqui, com o apoio dos mais de mil e setecentos aliados. Pessoas que colocaram a mão no bolso e falaram, essa história precisa ser mais investigada, precisa ser contada de novo e chegar em mais gente.

[Thiago Domenici]
Era hora de arregaçar as mangas outra vez e ir atrás de mais histórias. 

[Depoimento vítima]
Era um clone do crediário que ele fez pras meninas. Um primo do crediário.

[Clarissa Levy]
Eu acho que essa foi uma investigação muito difícil, porque em vários momentos, em conversas com as vítimas, tanto eu como os outros repórteres, a gente tinha a sensação de que as vítimas estavam elaborando, percebendo realizando o que tinha acontecido e entendendo o que tinha acontecido ali nessa conversa com a gente.

[Depoimento vítima]
Foi a primeira vez que eu lembro que eu estava em um quarto. Um quarto muito grande. Uma cama muito grande também. E aquele dia ele escolheu pra ficar comigo. O tempo inteiro. Então eu fiquei com ele bastante tempo, dentro daquele quarto e aconteceu. 

[Mariama Correia]
E a gente se perguntava o tempo todo. Por que esse caso foi silenciado durante décadas? Qual o papel da imprensa e da justiça em empurrar essa história pra debaixo do tapete? Quem são as vítimas? 

[Thiago Domenici]
Vem com a gente entender toda essa história nessa primeira temporada do Caso K – a história oculta do fundador da Casas Bahia. Serão quatro episódios, um por semana. E o que podemos garantir é que temos muitas coisas para revelar. São histórias contadas pelas vítimas e por testemunhas desse esquema. 

[Clarissa Levy]
E se você quiser, você pode nos ajudar a romper esse silêncio. No nosso site, apublica.org você vai encontrar mais detalhes dessa investigação e também informações do que a gente está planejando fazer na rua, muito para além aqui das paredes da redação. Para ajudar ainda mais, você pode entrar para nossa base aliada, é só acessar apoie.apublica.org e ver lá as opções. Com uma contribuição mensal, você ajuda que essa história chegue a mais gente, que a gente continue trabalhando por aqui e você ganha acesso aos episódios do podcast, com exclusividade, antes deles irem ao ar. A partir do dia 05, a cada terça feira, em cada semana, você pode ouvir um novo episódio do Caso K – a história oculta do fundador da Casas Bahia. Esse podcast é uma produção original da Agência Pública de Jornalismo Investigativo.

Equipe

Investigação: Andrea Dip, Ciro Barros, Clarissa Levy, Mariama Correia, Rute Pina e Thiago Domenici.
Desenvolvimento: Luana Rocha.
Roteiro: Clarissa Levy, Luana Rocha, Mariama Correia, Stela Diogo e Thiago Domenici.
Produção: Stela Diogo.
Pesquisa de arquivo: Thiago Domenici.
Revisão de roteiros: Claudia Jardim.
Tratamento de sonoras das entrevistadas: Ricardo Terto.
Design de som, edição e finalização: Pedro Pastoriz.
Artes: João Ito. 
Estratégia de divulgação e programa de Aliados da Agência Pública: Marina Dias, Letícia Gouveia, Renata Cons e Bruno Penteado.
Redes sociais: Lorena Morgana, Ethieny Karen, Raquel Okamura, Fernanda Diniz. 
Coordenação de podcasts da Agência Pública: Claudia Jardim.
Direção geral de Caso K: Thiago Domenici.

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