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Desde março do ano passado companhia suspendeu obrigações, mas manteve descontos para empresas que usam muita água; apesar da crise, 42 contratos de demanda firme foram assinados em 2014

Reportagem
3 de março de 2015
14:22
Este artigo tem mais de 9 ano

O volume de água garantido a empresas que assinaram contratos de demanda firme com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) aumentou 92 vezes em dez anos. Segundo dados revelados a partir do pedido de acesso à informação feito pela Pública, em 2005 foram reservados 266 milhões de litros para oito clientes. Em 2014 foram 24 bilhões de litros, destinados a 526 grandes consumidores. Os contratos estabelecem uma tarifa reduzida para aqueles que se comprometerem a pagar por um determinado volume mensal mínimo.

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Os 24 bilhões de litros que a Sabesp reservou para empresas no ano passado são equivalentes ao consumo de 404.040 pessoas em um ano, ou 101 mil famílias. O cálculo leva em conta o consumo médio de 166,3 litros por dia de cada brasileiro, identificado em 2013 pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades. É uma população um pouco maior do que a da cidade de Jundiaí (397.965 habitantes), de acordo com a estimativa populacional para 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  Outros grandes clientes, que assinaram seus contratos antes de 2005, estão fora dessa estimativa por não constarem na tabela.

Leia também: Sabesp desobedece Corregedor e não entrega contratos de demanda firme

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A quantidade de empresas que assinaram contratos de demanda firme com a Sabesp aumentou rapidamente a partir de 2007. Entre 2005 e 2007, a companhia conseguiu 23 clientes. Na época, era necessário pagar por pelo menos 5 milhões de litros mensais. Com o objetivo de aumentar o número de consumidores, esse limite foi baixado para 3 milhões de litros mensais em 2007. A medida resultou em 40 assinaturas de contrato só em 2008, quase o dobro da soma dos três anos anteriores.

Em 2010, a Sabesp baixou o volume mínimo para 500 mil litros, com a anuência da Arsesp, a Agência Reguladora do Saneamento e Energia do Estado de São Paulo. Isso levou o número de novos contratos a disparar em 2011 e 2012, com 106 e 129 assinaturas, respectivamente. Houve retração em 2013 (69 clientes), mas os contratos continuaram a ser renovados.

Consequência da política adotada, uma característica do sistema é a concentração do uso. Em 2014, as 10 empresas que mais consumiram água foram responsáveis por uma demanda de 5 bilhões de litros. Juntas, essas 10 empresas consumiram mais que outras 367 empresas com menor consumo.  Esses dados revelam uma concentração no consumo de água. O gasto de 1% das empresas mais consumidoras é equivalente ao gasto de 60% das empresas que menos consomem.

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Mesmo com crise, 30 contratos foram assinados desde março de 2014

Ainda se sabe muito pouco sobre os controversos contratos de demanda firme, que estão no centro do debate sobre a gestão da Sabesp sobre os recursos hídricos do estado. A companhia se nega a dar detalhes, chegando a descumprir uma determinação do Corregedor Geral da Administração Gustavo Ungaro para que divulgasse a íntegra dos contratos (saiba mais).

Porém, os dados parciais obtidos pela Pública após a decisão de Ungaro são eloquentes. Revelam, por exemplo, que a Sabesp não deixou de assinar tais contratos no ano passado, como informou ao jornal Estado de S Paulo. Foram 42 contratos assinados em 2014, 30 deles a partir de março. Juntos, eles se referem ao consumo de 1,8 bilhão de litros de água e foram os maiores responsáveis pelo aumento de 5,4% no consumo anual de água reservado a empresas com desconto nos preços.

 

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Em março, quando a crise no abastecimento de água já era uma realidade, a Sabesp suspendeu duas condicionantes importantes desse tipo de contrato: a exigência de que as empresas consumam um volume mínimo de água por mês (elas eram obrigadas a pagar por esse mínimo, usassem ou não a água) e de que se “fidelizassem” ao sistema Sabesp, abandonando o investimento em reuso ou em fontes alternativas de água. “Acreditamos que este esquema de tarifas ajudará a impedir que nossos clientes comerciais e industriais optem por passar a recorrer ao uso de poços privados”, explicou a companhia no último relatório a investidores.

Todos os contratos assinados a partir de março, porém, mantiveram os descontos que resultaram em tarifas menores do que as cobradas de clientes comerciais e industriais que não possuem esses acordos. Entre eles, dois contratos com vigência de 5 anos para fornecimento de 20 milhões de litros mensais: assinados em 30 de abril e em 11 de agosto. Em novembro, quando a presidente da Sabesp já havia reconhecido a severidade da crise no abastecimento de água em depoimento à CPI da Câmara Municipal de São Paulo, foram assinados três novos contratos. O maior deles, para o fornecimento de 3,8 milhões de litros de água por mês, com vigência de 5 anos, foi assinado logo no dia primeiro de novembro. O valor do contrato é de R$ 4,4 milhões. Outro contrato, de R$ 145 mil para o fornecimento de 1 milhão e 100 mil litros de água, foi assinado no dia 5/11; e o último foi no dia 11/11, para o fornecimento de 500 mil litros de água, no valor de R$ 140 mil.

Além dos novos contratos, a Sabesp renovou todos os cerca de 500 contratos que já existiam – a maioria deles tem vigência de um ano. São tão vantajosos para as empresas que, segundo os dados obtidos, apenas uma delas suspendeu o contrato desde 2005. A quantidade de água usada, no geral, por esses consumidores desde 2005 jamais deixou de aumentar.

Consumo em alta

Apesar da falta de água nas casas dos paulistas, 41% das 526 empresas com contratos de demanda firme tiveram o mês de mais alto consumo registrado em 2014. A empresa recordista no ano passado gastou 126 milhões de litros em abril, o triplo do volume mínimo requerido pela Sabesp.

O maior contrato de demanda firme assinado pela Sabesp entre 2005 e 2014 é de R$ 40,3 milhões, pelo fornecimento de 54 milhões de litros mensais. O documento foi firmado em 1º de junho de 2011 e cobre um período de dez anos, ou seja, vai até 2021. Já o contrato com maior quantidade de água reservada para uma empresa, 59,5 milhões de litros mensais, com vigência anual, tem valor de R$ 2,4 milhões. Foi assinado em 18 de dezembro de 2006. Nenhum dos dois foi descontinuado.

Dentre os contratos assinados nos últimos dez anos, as dez maiores consumidoras, juntas, usaram 25,2 bilhões de litros de água. A maior parte dos contratos foi assinada a partir de 2008, e a tendência foi de aumento de consumo a cada ano, como se vê no gráfico abaixo. Em 2014, seis das dez empresas reduziram seu consumo de água após a suspensão da obrigatoriedade de consumir uma quantidade mínima de água – prova que a “demanda firme” de fato alavancava o consumo.

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Considerando o valor do contrato dividido pela água disponibilizada por mês, as tarifas dos dez maiores consumidores vão de R$ 3,43 a R$ 10,35. Mas nem sempre é possível descobrir a tarifa aplicada a cada empresa. Isso ocorre porque o preço do metro cúbico é calculado a partir de uma fórmula matemática, que leva em conta a média consumida nos doze meses anteriores pelo cliente – dado que só está disponível nos contratos, que não foram fornecidos pela companhia. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Sabesp afirmou apenas que “cada contrato tem sua característica própria” e “as informações são confidenciais”.

Segundo reportagem do El País, entre os maiores consumidores da capital paulista estão empresas como os shoppings Eldorado, Pátio Higienópolis e Villa Lobos, a TV Globo e os clubes Pinheiros e Hebraica, que recebem um desconto de 55% no valor pago por cada mil litros de água (R$ 6,27), enquanto o clientes comerciais pagam R$ 13,97 a cada mil litros.

Não foi possível, ainda, descobrir a identidade das empresas que mantêm esses contratos a partir de uma comparação com a tabela publicada pelo jornal espanhol. Os volumes de demanda firme contratados por mês são completamente diferentes em cada um dos documentos. Há também uma diferença no número de consumidores com contratos assinados a partir de 23 de junho de 2010. Na tabela do El País, são 294. Na que foi enviada para a Pública, 404 contratos.

Os dados usados nesta reportagem – baixe a tabela completa aqui –  foram obtidos através de um pedido feito pela Lei de Acesso à Informação em dezembro do ano passado. Falta, ainda, a divulgação dos contratos segundo decisão do Corregedor Geral da Administração Gustavo Ungaro. Agora, a Agência Pública vai recorrer à Comissão Estadual de Acesso à Informação.

 Como é um contrato de demanda firme

Em vez de divulgar os contratos assinados com empresas, a Sabesp enviou à reportagem um modelo de contrato de demanda firme. Uma rápida leitura permite ver como esses contratos impulsionaram o consumo de água tratada da Sabesp nos últimos anos.

Uma das cláusulas deixa claro que as empresas teriam que abandonar qualquer busca por fontes alternativas ou complementares de água, se quisessem obter os descontos dados pela Sabesp: “Os imóveis que são abastecidos por fontes alternativas não se beneficiarão das condições deste contrato”.

A conta é cobrada da seguinte maneira: a água utilizada é faturada através de medidor. Essa fatura é enviada à empresa, que paga o valor. Porém, explica o contrato “Quando o volume medido for inferior ao contratado, será faturada a demanda contratada”. Isso é feito através de uma “conta mensal complementar”, paga no mês seguinte.

O contrato determina ainda uma sanção para quem usar menos água do que o previsto. “A unidade usuária que apresentar consumo de água e/ou coleta mensal inferior a 500m³/mês, por três meses consecutivos, será excluída do contrato”, diz o documento.

Assim, usando ou não o valor mínimo de água acordado, a empresa pagava por esse volume. Isso, até março do ano passado, quando essa exigência foi suspensa pela Sabesp.

No caso do esgoto, o contrato estabelece que “onde o esgoto for caracterizado como não doméstico, incidirá a cobrança de carga poluidora, com aplicação de fator K, sobre a tarifa contratada de esgotos”.

 

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