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A ascensão dos grupos conservadores nas redes sociais – da revolta “pop” ao uso de perfis fake e robôs importados da campanha eleitoral

Reportagem
22 de junho de 2015
19:55
Este artigo tem mais de 9 ano

Aos 37 anos, o carapicuibano André Ricardo de Paulo não sabe explicar com precisão qual sua tendência política. “Eu não sei me definir ainda. Posso dizer que sou conservador politicamente e liberal no sentido econômico”, diz. “Não tem como negar que estão ligados à direita.” Mas alguns anos atrás André sabia perfeitamente o que era: “Não tinha consciência política”. Em 2002, na campanha eleitoral que elegeu Luíz Inácio Lula da Silva, votou nulo simplesmente por não conhecer nada sobre o tema. Em 2006, votou pela reeleição do ex-presidente. “Nós achávamos o máximo o Lula no poder. O Lula é um fenômeno, sair de onde ele saiu e chegar aonde chegou.” Hoje em dia, depois de ter buscado se informar, André está seguro de que o Brasil vive uma “ditadura disfarçada” e de que “Lula e Dilma fazem parte do mesmo  projeto: espalhar o comunismo na América”, explica ele, na varanda da casa dos sogros, uma coleção de puxadinhos de concreto em Carapicuíba, cidade da grande São Paulo, onde mora com a família da esposa – os pais e os cunhados –, além dos dois filhos. Na rua, crianças empinam pipa, um boteco atende aos moradores, e do outro lado as casas sem reboco enfileiram-se vermelhas. “Não é uma favela, é uma periferia. É a visão do Marrocos”, diz, colocando em seguida em cima da mesa um livro grosso, orgulhoso, “O mínimo que você tem que saber para não ser um idiota”, de Olavo de Carvalho. Explica: “Não tive tempo ainda para ler isso. Precisa de uma dedicação, né?”.

Até cerca de sete anos atrás, André nunca tivera tempo de pensar em política. Trabalha desde os 14 anos. Foi office-boy, operador de telemarketing, assistente administrativo. Hoje tem sua pequena empresa que fornece serviços de telefonia. “Trabalhei praticamente todos os fins de semana, desde cedo”, diz. Tudo mudou quando um primo indicou-lhe a leitura da página do filósofo e polemista Olavo de Carvalho no Facebook. “Logo nas primeiras coisas que eu vi do Olavo já percebi que eu tava errado. É tão claro.” Desde então, André visita a página todos os dias, além de seguir outros colunistas como Felipe Moura Brasil e Rodrigo Constantino, da Veja. Faz eco às bandeiras abraçadas por seus autores preferidos: defende o Estado mínimo, é a favor da redução da maioridade penal, ataca o que chama de “gayzismo” – a imposição do modo de vida homossexual sobre a sociedade – e acha que políticas como Bolsa Família e cotas “deixam as pessoas acomodadas”.

Como centenas de milhares de brasileiros, o “despertar” político de André tem tudo a ver com a sua crescente intimidade com a internet. Hoje ele usa sua página no Faceook para compartilhar notícias de interesse, propagando informação para seu círculo. “Já tive posts de cem comentários, até uns 150 likes. Isso aí vai pra tanto lugar que você não imagina”, orgulha-se. “Não confio em mídia nenhuma a não ser nas alternativas”, explica, citando os sites Mídia sem Máscara, de Olavo de Carvalho, e Folha Política.

Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, realizada pelo Ibope, a internet é de longe o meio de informação que mais cresce entre os brasileiros. Metade da população já usa internet. Desde o ano anterior, aumentou de 26% para 37% o número daqueles que a utilizam todos os dias. Sessenta e cinco por cento dos jovens na faixa de 16 a 25 anos se conectam todos os dias durante mais de cinco horas, em média. Entre os internautas, 92% estão conectados por meio de redes sociais, sendo as mais utilizadas o Facebook (83%), o WhatsApp (58%) e o YouTube (17%). Apenas 7% leem jornais diariamente. A TV continua sendo o meio mais usado: 73% disseram assistir diariamente.

“A internet é hoje em dia um campo de batalha entre a velha ordem repressora e os projetos de liberação das jovens gerações. Todos esses projetos sociais estão presentes na internet, e é por ela que se chega às mentes das pessoas”, analisa o sociólogo catalão Manuel Castells, professor da Universidade do Sul da Califórnia (USC, na sigla em inglês), que estuda o impacto da tecnologia na cultura e na política. “É o verdadeiro lugar do poder.”

Quem influencia a rede?

No dia 2 de junho o ídolo de André, o filósofo Olavo de Carvalho, participou de um hangout no YouTube de quase duas horas com um time de “estrelas” da nova direita online. Fábio Ostermann, fundador do Movimento Brasil Livre, o cantor Lobão, Beatriz Kicis, procuradora do Distrito Federal e membro do Revoltados Online, além do ativista Dalmo Accorsini, discutiam qual seriam “os próximos passos contra o PT”. Foi apenas mais um de dezenas de hangouts parecidos que, a cada 15 dias, reúnem “influenciadores” da rede conservadora. Uma semana depois, na última terça-feira, os principais perfis compartilhavam freneticamente imagens e slogans exigindo que o TCU rejeitasse as contas do governo Dilma por ter segurado repasses de cerca de R$ 40 bilhões, aparentando um melhor equilíbrio nas contas. Os e-mails dos juízes do TCU foram compartilhados nas redes e receberam centenas de mensagens. Um deles chegou a receber mais de 800 e-mails na manhã do dia 17. Deu resultado. “Já tivemos contas muito piores, mas o momento é outro. O país cobra mais fiscalização, e a presidente é impopular. Essa decisão não seria tomada contra Lula no auge da popularidade”, teria dito um deles, segundo a Folha de S.Paulo.

terça LivreEm comum, os diversos canais online de direita apostam em um discurso agressivo contra todas as “causas” que combatem, uma violenta oposição ao atual governo e a descrença generalizada na mídia e nos jornalistas (com exceção de Veja) cuja cobertura consideram governista. “Os panelaços foram chamados pelos articulistas da Veja, que se engajam politicamente, são articuladores do processo, atores políticos. Mas também surgiram novas lideranças e microlideranças de opinião”, diz o sociólogo e ativista digital Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC.

Embora tenha raízes nas manifestações em junho de 2013, o novo ativismo digital de direita teve seu papel ampliado e consolidado durante a campanha eleitoral do ano passado, quando diferentes grupos se uniram em torno da candidatura oposicionista de Aécio Neves. Depois de uma campanha agressiva, marcada pelo uso de robôs, perfis fake e fabricação indiscriminada de boatos por todos os lados, o debate que hoje domina as redes segue o mesmo padrão virulento, chegando até, por vezes, ao discurso do ódio. “O crescimento dessas redes produziu uma crise dentro da internet brasileira. Discursos como o do deputado Jair Bolsonaro, com grande repercussão, esse discurso de ódio, de apologia à repressão, tem um grande impacto, por exemplo, sobre a situação das mulheres na rede – um tema que eu estou estudando”, analisa o professor Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos de Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo.

Malini estuda há um ano a atividade de 411 páginas de direita no Facebook, avaliando sua influência. Até junho, aquela com maior número de seguidores era a do comediante oposicionista Danilo Gentili (10,9 milhões), seguida pela TV Revolta (3,5 milhões) – canal que ganhou fama pelo YouTube – e por Felipe Neto, também celebridade no YouTube (2,6 milhões). O deputado federal Marco Feliciano (2,6 milhões) é o quarto mais popular entre os listados pela equipe do Labic, um dos dois políticos a entrar na lista dos mais populares, além de Jair Bolsonaro. Na quinta posição está a página assumidamente machista Orgulho de ser Hétero (1,9 milhão). Se considerada a popularidade das páginas – quantos perfis estão “falando sobre elas” –, outros nomes que promovem conteúdos viralizantes entram em cena. Na primeria semana de junho, a página abertamente machista Orgulho de Ser Hétero teve maior alcance, de 665 mil, seguido por Revoltados Online (557 mil), pela página de Bolsonaro (532 mil) e por Danilo Gentili (467 mil). “Passar a retuitar continuamente um agregado de sujeitos/perfis, passar a dar like continuamente em páginas nunca antes conhecida expressam novas ações político-afetivas que precisam ser levadas mais a sério pela ciência política contemporânea”, explica Malini.

Explore abaixo o grafo interativo das principais páginas de direita, produzido pelo Labic para esta reportagem (se estiver lento, acesse o mapa diretamente aqui).

Malini conseguiu identificar cada uma das agrupações por afinidades políticas, no que ele chama de “perspectiva”. No grupo vermelho, encontram-se as páginas mais populares. “São páginas de miscelâneas noticiosas contra o governo do PT, em defesa dos principais valores do conservadorismo (família heteronormativa, trabalho e Deus). O tema principal dessa perspectiva relacional é uma cruzada antipetista, mas é um agrupamento irradiador e acompanhador de notícias”, explica. O grupo verde inclui páginas que se autodenominam de direita e conservadoras. “A temática nacionalista – a defesa da pátria, a valorização da essência da nação – aparece como elemento central das páginas que formam essa perspectiva. É um “não aos comunas” como um não a qualquer transformação social nos valores do conservadorismo. Faz todo sentido que as páginas “faca na caveira” estejam em associação com as de ‘direita’. Porque a repressão passa, no imaginário ainda autoritário brasileiro, pelo uso da força policial, como se esta fosse a produtora exclusiva da ordem.

A perspectiva lilás representa aqueles grupos identificados religiosamente, como o de Marco Feliciano. “É menor em número, mas muito forte do ponto de vista político”, explica Malini. Finalmente, o grupo azul aparece mais isolado. Trata-se de páginas mais jovens, ligadas ao Movimento Brasil Livre e seguidores, cuja pauta principal é o impeachment da presidente. “É curioso que as páginas mais ao centro ainda não estejam mais ligadas a eles. Essa perspectiva possui, em seus conteúdos, uma prioridade de articular internet e rua, difundindo relatos e convocações de atos e manifestações do movimento. São mais anti-Dilma do que anti-PT.”

Outras descobertas interessantes sobre “quem pauta a rede” de direita vêm da empresa de monitoramento e intervenção digital Interagentes, capitaneada por Sérgio Amadeu. A equipe monitorou através do Twitter dois eventos importantes: o panelaço contra o discurso de Dilma Rousseff no dia 8 de março e a repercussão nas redes da marcha de 12 de abril. Os levantamentos mostram que as “autoridades” – atores que conseguem obter maior adesão ao discurso que disseminam na rede – variam de um dia para o outro. Aparecem nomes como Danilo Gentili, o senador Ronaldo Caiado, Lobão, Blog do Noblat e Veja, mas também contas de autoria desconhecida como @coroneldoblog, @marisascruz, @edmilsonpapo10 e @MirandaSa. Como no Facebook, os ataques violentos comandam o tom. Veículos mais tradicionais, como o G1, acabaram sendo usados apenas para corroborar o ativismo conservador. No dia 8, o tuíte mais retuitado foi o de uma cobertura do site em 2008, que anunciava que a presidente chegava a um evento: “Dilma chega”. Teve mais de 18 mil retuítes. No auge do protesto virtual, entre as 21h e 22h, houve 78.793 menções ao assunto do panelaço, ou 22 tuítes por segundo.

Um mês depois, um grupo igualmente articulado partiu em defesa do governo, como mostra o grafo relativo à manifestação do dia 12 de abril. Diante do número de manifestantes, inferior aos protestos de março, conseguiram levar a hashtag #AceitaDilmaVez aos trending topics do Twitter, ganhando repercussão na imprensa tradicional. Em seguida, perfis opositores como DaniloGentili, SenadorCaiado, Lobão fizeram campanha para subir a hashtag #SaiDilmaVez, conseguindo ultrapassar por um período a frase governista, que teveno final 101.140 ocorrências contra 41.813 da tag #SaiDilmaVez. “A lógica de disputa entre hashtags é similar à lógica panfletária: cada lado usa os recursos que tem a fim de ocupar mais espaço. Ela é, no entanto, uma amostra da disposição dos militantes de disputar o espaço das redes”, diz a análise da Interagentes.

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Grafo da Interagentes mostra a polarização dos tuítes contra e a favor do governo

No mito e no grito

Ainda há poucas pesquisas sobre o comportamento das pessoas que têm se articulado em torno de pautas conservadoras. Uma delas, realizada pelos professores Pablo Ortellado (USP) e Esther Solano (Unifesp) na avenida Paulista naquele mesmo 12 de abril, é bastante reveladora. Entre os 571  entrevistados, apenas 15,4% tinham entre 16 e 25 anos – exatamente o mesmo tanto de pessoas entre 56 e 65 anos. O grupo mais representativo, com 21,1%, tinha entre 46 e 55.

Concordancia com frasesSessenta e quatro porcento afirmaram concordar com a frase “O PT quer implantar um regime comunista no Brasil”. Para 56%, o Foro de São Paulo – organização que reúne partidos de esquerda latino-americanos – quer criar uma ditadura bolivariana no país. Outras frases como “O PT trouxe 50 mil haitianos para votar na Dilma nas últimas eleições” e “Fabio Luis Lula da Silva, o Lulinha, é sócio da Friboi” também são tidas como verdadeiras por mais de metade dos entrevistados. Trata-se de mentiras puras e simples, mas que podem ser encontradas em dezenas de sites, blogs, páginas do Facebook construídas pelos novos círculos de direita. “A minha hipótese é que a descrença nas instituições que se vê na pesquisa – os manifestantes não confiam em ninguém, nem nos partidos, nem nos movimentos, nem nas ONGs, nem na imprensa – resulta numa espécie de revolta antipolítica, um pouco niilista”, analisa Pablo Oretalldo. “Há uma explicação antipolítica para o funcionamento do mundo: são pessoas juntando as coisas de uma maneira excessivamente simples, tentando explicar fenômenos complexos. Só que fazendo isso com descrença e sem apoio na imprensa, por exemplo, o que significa sem apoio nos mecanismos da imprensa que são a verificação dos fatos, a apuração do contraditório.”

Para ele, os novos meios digitais criaram as condições para dispensar os meios tradicionais – para o bem e para o mal. “É como se a utopia do faça você mesmo, do seja você mesmo a mídia dos movimentos de comunicação alternativa tivesse se convertido no seu oposto, num pesadelo no qual as pessoas se informam para reforçar ideias preconcebidas, sem verificar os fatos, sem escutar o outro lado e, sobretudo, sem refletir.” Entre os entrevistados, 26,6% dos manifestantes disseram confiar “muito” nos conteúdos compartilhados via WhatsApp. O índice de confiança sobe para 47,3% quando a rede social é o Facebook.

“Outro elemento é a forma do ódio que se expressa na contundência da análise. Chamou muito a atenção que o Paulo Henrique Amorim, por exemplo, seja tão popular entre eles – não é o conteúdo, não é a posição política, mas a forma contundente de expressão que casa com essa disposição antipolítica desses novos movimentos conservadores.”

Olavo foi um dos primeiros a entender a rede

Olavo-de-CarvalhoFundado em 2002 por Olavo de Carvalho, o site Mídia sem Máscara representou um passo importante – e uma grande sacada – na carreira daquele que seria o grande precursor da nova geração de direita na rede. Desde 1998, ele passou a juntar no site olavodecarvalho.org todos os textos de sua autoria, na época publicados por grandes veículos como Jornal da Tarde, Bravo!, Primeira Leitura, O Globo, Época, Zero Hora, Jornal do Brasil. Aos poucos, passou também a publicar na íntegra todas as entrevistas que dava e a usar seu blog como meio de “denúncia” de que seus textos eram “censurados” pelos jornais – ou seja, rejeitados pelos editores. Afinal, com o Mídia sem Máscara, abriu mão dos jornais e revistas e passou a denunciar o que chama de “esquerdismo” da cobertura tradicional e atacar a mídia incansavelmente.

Com 17 livros publicados, escritor contumaz com uma produção gigantesca de artigos, ensaios, entrevistas, palestras, Olavo de Carvalho construiu um memorial online de si mesmo e, muito antes do fenômeno dos haters da internet ser detectado, já havia arregimentado – e insuflado – o que chama de “antiolavismo”. Ao longo de seu percurso, contou com apoios de peso como o financiamento do Independent Republican Institute (IRI), ao site Mídia sem Máscara. Ligado ao partido republicano dos EUA, o IRI é conhecido pelo apoio a movimentos oposicionistas no continente. Foi o IRI, por exemplo, que ministrou “cursos de treinamento político” para 600 líderes da oposição haitiana antes do golpe contra Jean-Baptiste Aristide em 2004. Também foi palestrante da Atlas Foundation, em Washington, elogiado pelo presidente da entidade Alejandro Chafuen pelas “mais valiosas realizações que ele já tinha visto no campo da ciência política”, segundo o próprio, e fez palestras em diversas edições do Fórum da Liberdade entre 2000 e 2005. (leia mais sobre as mais influentes organizações libertaristas na reportagem “A nova roupa da direita”)

De filósofo erudito que atacava a obra de Marilena Chaui pelo seu estilo “elíptico” até autor de posts coléricos no Facebook como “Que pensar de pessoas que querem ensinar os meninos de escola a dar os cuzinhos e chupar picas desde a mais tenra idade, mas enrubescem, escandalizadas, e quase desmaiam de indignação tão logo ouvem um palavrão ou uma piadinha anti-PT?”, Olavo de Carvalho adaptou-se ao debate na rede e arregimentou seguidores influentes. Hoje, aos 67 anos, responde pessoalmente aos comentários na sua página de Facebook, que tem 150 mil seguidores, tem 6 mil seguidores no seu canal de YouTube, participa quinzenalmente de hangouts. Alguns dos principais “influenciadores” da internet hoje em dia, como Felipe Moura Brasil, orgulham-se de serem chamados de seus alunos. Olavo resume: “Minha esperança é que os meus alunos, com o tempo, consolidem um genuíno estilo brasileiro de alta cultura: inseparavelmente popular e erudito, engraçado até ao ponto de matar de rir, com clarões de lucidez escandalosa que parecem loucura à primeira vista. Sem folclorismos veados. Profundamente cristão sob uma aparência enganosamente obscena. Aristóteles no programa do Alborghetti. Cogito ergo Mussum. Isso há de acontecer, se Deus quiser”.

O papel de junho de 2013

Para o sociólogo Manuel Castells, há elementos semelhantes entre os protestos de rua que ocorreram em 2015 e aqueles de 2013. “Ambos são movimentos em rede, espontâneos (ainda que haja intervenção de políticos), representativos dos novos tipos de movimentos sociais na sociedade de rede. Os dois concentram sua crítica na corrupção política de todo o sistema político. Mas são muito distintos. Pela composição de classe, popular em 2013 e de classe média-alta em 2015. Pela sua idade, muito mais jovem em 2013. Pela sua ideologia: crítica e antissistema em 2013, neoliberal, com, alguma tendência golpista em 2015. E pelo seu objetivo: a mudança social em 2013. A diminuição da presidente e ataque à esquerda e ao PT, com apoio do PSDB, em 2015. Ideologicamente, portanto, são muito distintos.”

Porém, a análise do buzz na rede durante aqueles dias aponta no sentido contrário. Foi em junho de 2013 que “autoridades” de direita surgiram pela primeira vez como mobilizadoras na internet. “A partir do dia 17, que foi quando rolou aquela pancadaria, junho já estava em disputa. A análise da rede deles mostra que quem estava chamando era gente na raiz dessa direita”, explica Sérgio Amadeu. Entre as páginas que conseguiram atrair grande repercussão em seus posts, estudadas pela Interagentes, já aparecem nomes como A Verdade Nua e Crua, o Movimento Contra a Corrupção (MCC) e Quero o Fim da Corrupção – além do Anonymous Brasil, grupo que, diferentemente do movimento internacional, no Brasil propaga bandeiras de direita. “O discurso da direita manteve-se estável desde então”, diz Amadeu. “A direita gostou da rua”, complementa Tiago Pimentel, também da Interagentes. Páginas que propagam a luta contra a corrupção, como o MCC, cresceram exponencialmente durante os protestos. Aberta no começo de 2010, a fanpage do MCC no Facebook tinha angariado alguns milhares de fãs até o início de 2013. Hoje, ela tem mais de 1,4 milhão. Em maio, um post propondo “Joaquim Barbosa para presidente em 2108” obteve mais de 124 mil compartilhamentos.

Hoje, a página do MCC no Facebook é um dos perfis mais influentes da rede conservadora, assim como o site Folha Política, ao qual é ligada. O site, que se diz de “jornalismo independente”, é especialista em usar o sensacionalismo como arma para fabricar “fatos” que, de tanto serem repetidos, passa a ser vistos como verdade. “Ministro de Dilma confessa a jornalista da Veja que PT quer promover guerra civil no país”, diz um vídeo postado no site. “Lula comemora e debocha da demissão de centenas de trabalhadores, revoltando internautas” é o título de outro vídeo, proveniente do canal de YouTube Ficha Social – o mesmo que tornou famoso Kim Kataguiri, a “cara pública” do Movimento Brasil Livre.

Tanto o site do MMC, (contracorrucao.org), quanto o Folha Política foram abertos pelo bacharel em direito pela USP Ernani Fernandes Barbosa Neto, segundo revela uma pesquisa avançada de DNS. É impossível descobrir quem registrou ou sites através de uma pesquisa simples de domínio (Whois), porque todos pagam para ter os dados do fundador mantido em privacidade. Porém, o email de Ernani Fernandes aparece como administrador do servidor principal de todos esses sites em pesquisas feitas com ferramentas como a “dig”, que pode ser consultada no site digwabinterface. (veja aqui e aqui).

Ernani também aparece como administrador de outros sites antigovernistas que foram criados entre o começo de 2013 e o final de 2014, como Política na Rede (criado em 6 de agosto de 2013, tem quase 400 mil fãs no Facebook), Folha do Povo (criado em 26 de dezembro de 2013, tem mais de 93 mil mil seguidores no Facebook),  Humor 13 (Criado em 30 de janeiro de 2014, conta com mais de 364 mil curtidas na fanpage) e Correio do Poder (Criado em 7 de setembro de 2014, tem mais de 55 mil seguidores).

Ainda em 2013, ele começou uma parceria com João Almeida Vitor Lima, o “João Revolta”, segundo uma entrevista dada por este ao canal Youpix. Procurado por email pela reportagem, Ernani não respondeu à mensagem.

Vergonha do Jo

 

Formado em Rádio pela Faculdade de Belas Artes, João Revolta credita à parceria com Ernani Fernandes o crescimento do seu canal do Youtube, que hoje conta com mais de 38 mil inscritos, 3,5 milhões de seguidores no Facebook e uma produção para lá de intensa – e cara. Ernani dirigiu e fez o roteiro de uma série de vídeos do TV Revolta, enquanto dirigia também vídeos do canal Confronto Entrevistas no Youtube, uma espécie de “talk show” que tinha João Almeida como apresentador. Boa parte da produção conjunta, no entanto, não pode ser mais acessada, pois o canal original TV Revolta foi suspenso do Youtube em março de 2014 depois de diversas denúncias de usuários. Pouco depois, estava no ar o Canal TV Revolta. Durante as eleições, João aumentou significativamente as postagens no seu site tvrevolta.com.br: em vez de 2 ou 3 posts, como costuma fazer, ele conseguiu postar 20 novos posts a cada mês, sempre com base em vídeos – a grande maioria produzidos pelo canal Ficha Social. Seu último vídeo próprio, criticando a entrevista de Dilma a Jô Soares em 12 de junho deste ano, foi assistido por mais de 500 mil pessoas.

Para alcançar tamanha popularidade, a página da TV Revolta no Facebook apela aos temas que viralizam. Um post com diversas fotos de cachorros em que estava escrito “vira-latas não são lindos, feio é o seu preconceito” chegou a ter 21 mil compartilhamentos e 77 mil curtidas. Além dos ataques pessoais centrados em Dilma e Lula, posts satíricos contra a Copa, críticas à TV Globo, imagens de autoajuda, citações filosóficas e campanhas pelo direito dos animais também estão entre as postagens que fizeram dela um fenômeno nas redes. “A filosofia de João Revolta é usar a linguagem informal para atrair o telespectador. Para representar a raiva, João Revolta usa uma mesa e diferentes artefatos, usados para quebrar objetos durante a gravação dos vídeos”, explicou João Almeida na entrevista ao Youpix. “O objetivo do canal TV Revolta e da página TV Revolta no Facebook sempre foi e sempre será dar voz ao povo ignorado pelas mídias tradicionais.”

Como muitas “sub-redes” ou clusters, as páginas ligadas a João Almeida e Ernani Fernandes ganharam proeminência ainda maior durante a eleição, tendo sido fundamentais nos movimentos pós-eleição. A Pública entrevistou jornalistas que trabalharam nas três campanhas e especialistas em marketing digital, além dos coordenadores das três principais campanhas à Presidência, para ouvir sua avaliação daquela que ficou conhecida como a campanha mais agressiva nas redes.

Um exército de robôs

Xico Graziano. Foto: Reprodução/PSDB - PA
Xico Graziano. Foto: Reprodução/PSDB – PA

Ex-secretário de Meio Ambiente de São Paulo, o tucano Xico Graziano, responsável pela coordenação das redes de apoio e mobilização online da campanha de Aécio Neves, observou de perto o crescimento dos grupos conservadores durante a campanha eleitoral. Tanto que credita a eles boa parte do que ele considera ter sido uma vitória de Aécio na internet. “Cá entre nós, hoje em dia nenhum partido político tem prestígio entre os jovens. Nenhum. Então, não tínhamos ilusão, nem tive nunca ilusão sobre isso”, explica. “Nós contamos com grupos muito importantes que faziam apoio no segundo turno à candidatura do Aécio e que eram muito articulados em rede, que estão aí até hoje. Era um pessoal contra o PT, obviamente eles ajudaram muito na campanha e nós fomos capazes de nos articular a esses grupos. Não fomos só nós, houve uma conjunção de forças contra o status quo, contra o PT, que a campanha do Aécio capitalizou.” Xico Graziano vê com bons olhos o crescimento da organização de direita na internet. “Esses grupos conseguiram articular uma direita que existe no Brasil. Isso é muito bom. Do ponto de vista democrático, é importante as coisas estarem mais claras. E aí você vê a predominância do Bolsonaro, do Caiado, como representantes políticos desses grupos. Mas ao mesmo tempo esses grupos acabaram diminuindo um pouco de tamanho. Porque eles se caracterizaram como grupos de direita e, na campanha, cresceram mais do que isso porque eram contra o PT. Ser contra o PT aglutina mais gente do que ser de direita e defender teses de direita radical.” (Leia a entrevista na íntegra aqui)

Já Leandro Fortes, que coordenou as páginas sociais de Dilma Rousseff e do PT, ataca fortemente o crescimento desses grupos, a quem atribui, ao lado da campanha de Aécio, uma série de boatos contra a atual presidente. “O grau de virulência contra Dilma também se explica por outro elemento, velho em si, mas que só agora também começou a aparecer sem disfarces nas eleições: o machismo”, diz. “Com a ajuda da mídia e sem pudor algum, montou-se uma estrutura de assassinato de reputação, difamação e calúnia em torno da  candidatura de Aécio Neves para detonar Dilma e o PT nas redes.” (Leia a entrevista na íntegra aqui)

Por seu lado, a campanha de Dilma é tida por Caio Túlio Costa e Stephanie Jorge, coordenadores da campanha de Marina Silva, como a mais agressiva nas redes. “A determinação do PT em ‘desidratar’ ou ‘desconstruir’ a candidata Marina se fez na própria internet, dada a facilidade do uso do anonimato, pseudônimos e robotização nas redes. Marina foi vítima da mais sórdida campanha de boatos que se pode fazer online, na televisão e no boca a boca. Esse discurso mais agressivo – e muitas vezes de ódio – está presente na rede, nas manifestações de rua, nas manifestações sindicais, nas manifestações dos movimentos sociais. Virou uma questão político-cultural, e, acreditamos, sua existência está nas lides do PT – talvez em reação ideológica a um contradiscurso que, já em si, também tinha os germes deste ódio.” (Leia a entrevista na íntegra aqui)

Xico Graziano assume que a campanha do PSDB também usou fakes e robôs, um expediente que, segundo ele, é amplamente utilizado na publicidade e foi importado para a campanha de 2014. “Todas elas usaram esses artifícios”, diz. “Eu fiquei meio decepcionado. Na campanha de todo mundo, você tinha muito disso, era robô retuitando. De repente você tinha um tuíte, você tinha mil retuítes, tava na cara que aquilo lá era falso. Era robotizado pra você entrar nos trending topics. Aí você tuitava os trending topics, aí todo mundo, uau!, soltava foguete, comemorava o sucesso, e não servia para nada”, diz. Ele nega ter usado essas estratégias na sua equipe, que, segundo diz, focou o trabalho também no engajamento offline. “Hoje o que a gente percebe são dois movimentos que o meu grupo criticou na campanha. O publicitário vê a internet como meio de propagar mensagem. Então, quase usando como televisão, daqui pra lá, só. E os ‘experts de redes’ acham que importante é você criar audiência. Então você bota robô, bota um monte de coisa pra dizer ‘ah, meu Twitter tem 50 mil, tem 20 mil’, com fake, com tudo, mas não traz engajamento. Você traz potência. Coisa que as empresas gostam de pagar. E pagam caro por isso.”

De fato, robôs que ajudam na indexação do Google, fábrica de likes e perfis fake são hoje de uso comum na promoção digital de empresas, segundo conta Cassio Politi, diretor da Tracto, uma agência de “content marketing” – o que ele considera uma “má prática” do mercado. “Você pode pagar para ter 1 milhão de views no YouTube. Você paga US$ 50 para um carinha que tem milhares de perfis fake no YouTube, Twitter e Facebook ver seus vídeos. E o Facebook, hoje, é uma grande loja de likes. Se você tem um número grande de visualizações, depende 20% da qualidade do conteúdo e 80% do quanto você pagou para o Facebook para promover o conteúdo”, diz. Algumas agências, conta, criam perfis de “reserva” nas redes, para serem acionados quando há uma novidade sobre a marca. “A técnica é fazer os comentários positivos logo de cara, porque eles entendem que os primeiros vão dar o tom do discurso dos demais.”

A Pública conversou com integrantes das três campanhas, que produziram conteúdos, fizeram monitoramento e denúncia de boatos e administraram páginas anônimas para entender os bastidores da batalha suja que tomou conta das redes sociais – e que ecoa até hoje. Todos pediram anonimato e serão aqui apresentados sem indicação de cargo ou local.

“Foi a eleição do marketing do robô. Era uma quantidade absurda dos dois lados”, diz uma jornalista que já trabalhou em diversas campanhas petistas e esteve envolvida em uma campanha para governador. “Foram milhares de perfis falsos, usados para retuitar posts da campanha oficial, dando a impressão de popularidade.”

Ela afirma que a “intervenção” a partir de perfis fake no Facebook começa com o monitoramento. “O monitoramento detecta que tem muita gente metendo o pau no candidato na parte de comentários de um site ou pelo Twitter. Daí pensamos: que pessoa daria credibilidade para essa discussão? Porque não pode ser qualquer um. Por exemplo: uma professora de 30 anos que faça um discurso equilibrado. Ela sempre pondera os dois lados, mas depois defende no discurso o nosso lado. Ou, então, pondera para depois mudar de lado ao longo da campanha.” Ela diz que, para conseguir uma foto para o perfil, a equipe costuma buscar imagens na internet. “Umas fotos antigas, que não se pareça mais com a pessoa. E um Photoshop resolve isso.” É também importante pensar nas demais características que correspondam ao personagem ou “persona”, outro jargão do mercado. “Ela tem que ter o conjunto completo do perfil: a profissão, que livros leu. Aí você vai curtindo coisas ali pra ela. Você, em duas horas, cria um perfil de uma pessoa”, diz ela. Em uma campanha, as equipes dedicadas a isso chegam a ter 20 pessoas. O intuito desses perfis é chamar atenção para um argumento a favor do candidato ou partido. “Você faz barulho, faz volume.”

Segundo ela, uma mesma pessoa consegue administrar cerca de seis perfis ao mesmo tempo e, muitas vezes, o conteúdo é preparado por uma equipe de comunicação. “O saco é que você tem que trabalhar em vários browsers ao mesmo tempo.”

Um membro da equipe digital de Aécio Neves revela que um dos grandes métodos dessa campanha foi o “aluguel” de perfis já famosos no Twitter – alguns com mais de 1 milhão de seguidores – que receberam dinheiro para passar a fazer comentários positivos sobre determinado candidato. O expediente é amplamente usado também pelas agências de publicidade que compram posts pagos, por exemplo, em blogs de determinado nicho – como o de moda ou culinária – ou em contas de Twitter dos famosos. “O pessoal veio oferecer perfis para mim. Ofereceram uma lista com vários, cem perfis, eram pessoas que já tinham perfis bombando.” Ele nega que tenha aceitado a oferta. Segundo ele, Aécio Neves – que manteve a própria equipe durante a campanha, encabeçada pelo mineiro Pedro Guadalupe (uma rápida pesquisa revela que ele possui domínios como dilmamente.com.br, dilmabolada.com.br, brasilpoder.com.br, dilmavez.com.br e mudamesmo.com.br) – possui uma série de perfis fake próprios, que funcionam há alguns anos.

No Facebook, explica ele, o objetivo de criar perfis fake não é o mesmo dos robôs de Twitter. “Não são para disseminar histórias, mas para interagir. Isso funciona. Não é muito complexo elaborar esse perfil. Ele é feito muito mais para intimidar quem escreve do que para gerar votos. Ele tem um efeito psicológico forte em quem escreveu.”

Um integrante da campanha de Dilma Rousseff conta que administrava páginas populares no Facebook que traziam mensagens de apoio à candidata. “Todas essas páginas querem parecer que são feitas pela militância. Só que ninguém se dedica tanto de graça”. Ele trabalhava até dez horas por dia, em parceria com um designer, para produzir posts que ressaltavam notícias positivas sobre a candidata, ou negativas sobre os oponentes. “Vinham orientações gerais da campanha sobre o que se devia atacar ou ironizar em cada um dos oponentes”, explica. “O lance é: você não fala o tempo todo daquilo que você quer falar; você cria coisas que fazem sucesso para depois colocar o que você quer.” Para mascararem a origem das postagens, esses funcionários das campanhas usam o VPN, um serviço pago que dificulta a identificação do IP da conexão de rede. Enquanto  seviço não é oferecido pela empresa, geralmente uma agência de publicidade ou assessoria de imprensa, eles têm que buscar locais onde possam acessar a internet sem ser identificados. “Eu cheguei a fazer postagens petistas de um café evangélico”, afirma. O entrevistado diz que se decepcionou com a presidente – em quem votou – pelas ações tomadas quando eleita. Mas sua decepção vai além: apesar de “ter se divertido” ao criar conteúdo viral na campanha, acredita que o seu trabalho ajudou a empobrecer o debate. “Eu criei críticas muito vazias para ganhar audiência. Você usa clichês muito idiotas. Por exemplo, usar o termo ‘coxinha’. Acho muito ruim.”

Para o professor Fábio Malini, “o efeito dos bots no Brasil foi aumentar a temperatura do debate eleitoral”. Ele explica que a motivação emocional se dá em rede em torno da velocidade da publicação de muitas mensagens. “Quando a velocidade aumenta, mil tuítes a cada minuto, isso só vai aumentando o nível de ansiedade em torno daquele tema. Isso provoca no usuário essa movimentação toda na timeline, cria um efeito imediato, provado em estudos do próprio Facebook, de criar um engajamento maior”. Para ele, os perfis fake tiveram na última campanha o papel de “gerar emoção” na política. “A gente está vivendo uma experiência política que é nova na nossa experiência moderna: a emoção na pauta política.” Porém, ele alerta que o Facebook de 2015 não é o mesmo de 2013 “Antes a organicidade era muito grande. A Mídia Ninja por exemplo se irradiava a muitos usuários. No final de 2014, o Facebook decidiu que só vai ter mídia orgânica quem paga. Logo o Facebook se tornou uma máquina na qual quem tem grana consegue propagar sua informação pra mais gente. Criou-se o abuso de poder econômico”.

O uso de fakes durante as eleições é ainda mais cercado de tabu porque é proibido fazer propaganda eleitoral paga na internet. O que deixa de fora do debate atual esse importante elemento, um dos grandes legados da eleição: a robotização da disputa política. “Isso é muito danoso à democracia. É o poder do mais forte, aquele que tem dinheiro para gerar a detratação do oponente, para criar campanha e tendência”, diz Malini. “A nossa hipótese, no Labic, infelizmente se realizou: hoje bots servem tanto para a direita quanto para a esquerda, e são usados em diversas causas também fora da campanha eleitoral.”

Foram estruturas como essas que trouxeram à tona boatos contra candidatos e até outros membros das campanhas, tendo um impacto que vai além dos votos. Muitos dos boatos seguem online e são reativados de tempos em tempos, mobilizam os seguidores de esquerda e de direita e são tidos como verdade, como comprovou o levantamento de Pablo Ortellado.

Um dos boatos mais marcantes da campanha de 2014 dizia que o doleiro Alberto Yousseff, um dos principais delatores da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, teria sido envenenado pelo PT. O boato surgiu após Yousseff ter sido internado no hospital, no dia 25 de outubro, véspera do segundo turno. A primeira menção a envenenamento, às 18h45, veio em um perfil de Twitter que até hoje é usado sistematicamente para retuitar menções contra o governo. A seguir, os perfis que apoiavam a eleição de Aécio passaram a repercutir o boato – incluindo desde perfis menos conhecidos como @esperancaetica até o Twitter do Lobão. Um tuíte que teve repercussão foi o do Dr. Angelo Carbone, um advogado de São Paulo que se dedica a fazer campanha anti-governo no Twitter.

Angelo carbone

A campanha de Marina Silva encontrou uma boataria orquestrada dizendo que ela iria acabar com o Bolsa Família quando eleita. Dilma chegou a mencionar em um discurso em São Paulo que o Bolsa Família poderia acabar “se eles forem eleitos”. A campanha oficial na TV criticou a ligação com Neca Setúbal, herdeira do Banco Itaú e coordenadora da campanha de Marina Silva, afirmando que a candidata pretendia entregar o poder aos banqueiros. “Os banqueiros assumem um poder que é do presidente e do Congresso”, dizia o vídeo.

Já o portal Brasil 29 – que hoje traz notícias como “Venezuela: câmeras filmam interior do ônibus e mostra cagaço tucano” – foi criado em outubro do ano passado. Em plena corrida eleitoral, no dia 10 de outubro, postou um texto falando do aeroporto de Cláudio, que pertence ao tio de Aécio Neves. Só voltou a postar em novembro.

O ativista e estudioso da cultura digital Marcelo Branco, que já foi ele mesmo alvo de boatos em 2010, quando coordenou as redes sociais da então candidata Dilma Rousseff, critica a campanha de 2014. “As redes sempre foram espaço de divergência, de posições totalmente antagônicas, mas no final o objetivo era fazer uma síntese disso. Hoje em dia, é todo mundo se xingando o tempo inteiro. As campanhas eleitorais são hoje um momento da despolitização da política.” Um boato que segue recorrente utilizou o nome WikiLeaks para atacá-lo: dizia que ele, com hackers famosos e o Lula, planejaram desde 2005 uma fraude nas urnas eletrônicas. Foi publicado no site falso do WikiLeaks em 2010 e neste ano foi republicado na página do Facebook Revoltados Online. “Uma calúnia ‘investigativa’  inacreditável. Mas o pior é que a maioria que lê aquilo acredita.” Ainda hoje, a hipótese de que houve fraude nas urnas eletrônicas mobiliza as redes de direita. Marcelo Branco foi ainda alvo de boatos pessoais envolvendo sua falecida esposa em 2010. “Foi uma coisa que me fez nunca mais querer fazer campanha política”, diz.

Após a batalha final,  restam os robôs

Acabada a disputa eleitoral – “campanha é guerra”, disse um membro da campanha petista à Pública –, sobram os destroços. Sites como Plantão Brasil, Portal Metrópole, Brasil 29,  Correio do Poder, Folha Política, Alerta Total e páginas no Facebook como O Exército das Estrelas, Pô, Serra! e Soldadinho de Chumbo, continuam ativos, produzindo muito conteúdo duvidoso. “A partir de novembro, as redes sociais pró-­Dilma foram murchando até serem quase extintas. Principal vetor de propagação do projeto dilmista nas redes, o site Muda Mais acabou. Os robôs que atuaram na campanha foram desligados e a movimentação dos candidatos do PT foi encerrada”, avaliou o ex-ministro da Comunicação Thomas Traumann, em relatório interno que foi vazado para a imprensa. “A tática do PSDB foi exatamente a oposta. Cerca de 50 robôs usados na campanha de Aécio continuaram a operar mesmo depois da derrota de outubro. Isso significou um fluxo contínuo de material anti­Dilma, alimentando os aecistas e insistindo na tese do maior escândalo de corrupção da história, do envolvimento pessoal de Dilma e Lula com a corrupção na Petrobras e na tese do estelionato eleitoral. Tudo com suporte avassalador da mídia tradicional. Simultaneamente, a partir do final de janeiro, as páginas mais radicais contra o governo passaram a trabalhar com invejável profissionalismo, com uso de robôs e redes de Whatsapp”.

A Pública conseguiu localizar alguns robôs e fakes de Twitter usados na campanha eleitoral que seguem bastante ativos. Alguns perfis fake ganharam notoriedade e fazem parte dos círculos de direita, como @Protest_A, que possui um blog com apenas duas postagens e uma página de Facebook que não existe. Outros são absolutamente automatizados, apenas retuitando links a partir de palavras-chave, como @brasil_levanta, criada em maio de 2013, e @BR45IL100PT. A @br45ilnocorrupt, conta ligada à ONG Brazil no Corrupt-Mãos Limpas, que criou a campanha “Viva Bolsonaro” e agora capitaneia a campanha “Marcha do Panelaço – 7 de setembro”, tem uma óbvia automatização das postagens, que se repetem e reproduzem tuítes de um determinado número de perfis de direita como o de Lobão.

Levanta Brasil

Outros perfis mudaram de tema. Contas como @LaraFreittas_, @IvonePeixoto_, @BrunaSteffs e @Edenmoraes_, que compartilharam notícias favoráveis a Aécio Neves e seus aliados em estados como Espírito Santo e ajudaram a propagar hashtags #aecio45, #aecionaglobo #aecionarecord, #aeciopramudar, #corrupcaonapetrobras e #viradadoaecio, passaram a elogiar desbragadamente os novos lançamentos da Friboi, marca do grupo JBS, entre outras empresas. A foto fake de Lara Freitas foi retirada deste perfil no Badoo, enquanto a de Bruna Sheffs foi retirada desta notícia, a de Ivone Peixoto desta entrevista e a de Eden Moraes deste perfil.

Perfis de grande impacto no debate atual carregam ainda a marca de terem sido “inflados” para passar a impressão de autoridade na rede. Assim, o perfil @Dilmabr, criado para a eleição, possui mais de 2,3 milhões de seguidores falsos – 63% do total –segundo uma autoria feita através do site Twitter Audit. Do mesmo modo, o perfil de Danilo Gentili, um dos mais importantes “influenciadores” de direita, possui mais de 6 milhões de seguidores falsos, 58% do total de 10,5 milhões. Cada auditoria do site recolhe uma amostra de 5 mil seguidores e verifica a quantidade de tuítes, a data do último tuíte e a relação de seguidores com interações. Não se trata de uma auditoria oficial do Twitter, mas a métrica dá um bom indício de contas que podem ter aumentado seus seguidores de maneira artificial.

“A internet evolui tecnologicamente e organizativamente”, analisa o sociólogo Manuel Castells. “Hoje em dia, tudo o que ocorre na sociedade se expressa na internet, a liberação e o terrorismo, o feminismo e o pornô, comércio de tudo e culturas alternativas. Tudo se expressa na internet e é decisivo para qualquer projeto, negócio ou atividade. Portanto, é normal que haja fortes campanhas de direita, financiadas por grupos internacionais conservadores como as Indústrias Koch, presentes no Brasil; que isso ocupe espaços na internet e que, como tem mais dinheiro, tenha mais atividade”, diz o sociólogo. (Saiba mais sobre os Koch na reportagem A Nova Roupa da Direita). “Além disso, o surgimento de robôs é uma mudança fundamental. Mas há uma diferença. Os grupos poderosos têm dinheiro e poder institucional e têm tudo, televisão, jornais, internet e qualquer meio de comunicação de massa. Mas os movimentos críticos somente têm a internet, com algumas exceções. Por isso, a defesa da liberdade na internet e a utilização da internet são essenciais para os movimentos críticos ao sistema.”

Castells conclui: “O que é certo é que a comunicação dos jovens passa pelas redes sociais, e por isso os partidos e movimentos de todo tipo intervêm nas redes sociais, porque a única coisa segura sobre o futuro é que são os jovens de hoje que o farão. Quem mais influenciar a mente dos jovens no espaço da comunicação construirá as bases do poder – conservador, reformista ou revolucionário – no Brasil”.

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