O recém-lançado documentário “O dia que durou 21 anos” deixa claro o apoio definitivo do governo americano ao golpe militar no Brasil no dia 1º de abril de 1964, que estabeleceu uma das mais longas ditaduras do mundo.
Influenciado fortemente pelos relatos do embaixador americano Lincoln Gordon, o governo dos Estados Unidos conspirou para derrubar João Goulart, organizando e fortalecendo militares e civis alinhados aos interesses dos EUA. O motivo de Lincoln Gordon era claro: o governo Jango, que seria infiltrado por comunistas, era uma ameaça ao continente.
Quase doze anos depois, em 1976, era o Brasil que personificava a “paranoia” anticomunista aos olhos americanos. Em telegrama secreto enviado de Brasília, em 30 de janeiro, pelo então embaixador, John Hugh Crimmins, o governo brasileiro é retratado como “controlado e apoiado por militares conservadores que são fortemente anticomunistas – às vezes até paranoicos –” e aliado a “uma elite temerosa da massa e de seus representantes”.
“Em sua maioria, os militares estão convencidos de que o Brasil tem sido e continua sendo um dos alvos principais do que é chamado, com as letras iniciais em maiúsculas, Movimento Internacional Comunista”, ironiza Crimmins.
O objetivo do telegrama era responder a uma averiguação, movida pelo Departamento do Estado, sobre eventuais estragos na imagem dos Estados Unidos entre os brasileiros, diante da derrota americana no Vietnã, do escândalo Watergate e, em especial, das investigações, no Senado dos EUA, sobre a participação da CIA no golpe de 1973 do Chile, conhecidas como Church Report.
Crimmins constatou que, de fato, para alguns membros do governo e dos setores conservadores, os Estados Unidos estavam perdendo sua potência e capacidade de defesa do Ocidente, principalmente por influência do próprio Congresso americano. Para os militares brasileiros, o sistema político ideal seria um governo concentrado no poder executivo.
“O governo brasileiro, e brasileiros informados em geral, tem tido pelo menos algum contato com as regras básicas e mecanismos do processo político dos EUA, e eles estão cientes da existência, por exemplo, do papel do Congresso no processo de tomada de decisão nacional nos EUA, de grupos de pressão, do princípio da igualdade dos poderes em um sistema de freios e contrapesos, e da liberdade de imprensa. O que muitas vezes eles não conseguem entender totalmente são as implicações desses elementos para uma sociedade verdadeiramente liberal e pluralista. Inclinados a julgar a estrutura política dos EUA baseados em sua própria experiência, esses brasileiros estão dispostos a interpretá-lo como um governo que é, ou que pelo menos deveria ser, dominado pela vontade do poder executivo em assuntos vitais”, analisa Crimmins.
O embaixador aponta ainda a tendência de ver a “a assertividade do Congresso e as exposições agressivas da imprensa sobre casos como o Watergate e da CIA, como comportamento destrutivo e indisciplinado, fomentado por influência comunista na imprensa e encorajado pela fraqueza do que deveria ser ‘a autoridade máxima’, o poder executivo”.
O caso do Vietnã também havia afetado a visão brasileira em relação à capacidade e disposição dos Estados Unidos em aceitar envolvimentos internacionais. Por isso, ainda que o Brasil mantivesse a preferência de lidar bilateralmente com os Estados Unidos, havia um senso de solidariedade com os vizinhos latinos que poderia ser útil para pressionar os EUA em questões de interesse direto do Brasil.
A conclusão, porém é otimista. Segundo Crimmins, à época, figuras importantes do governo brasileiro sustentavam que “o destino do Brasil era melhor ao lado dos poucos ricos e poderosos do que da maioria pobre e fraca”.
FROUXIDÃO FINANCEIRA
A revelação do Watergate e a exposição da atuação da CIA não tiveram grande impacto no Brasil, segundo escreveu Crimmins. Por aqui, não se entendia qual era a grande indignação do povo americano em relação a esses casos.
Para o embaixador, o que realmente preocupava os conservadores brasileiros eram as “altas taxas de divórcio, crime, pornografia e drogas”, vistas como “expressões de decadência que contribuem para o mal-estar político dos EUA”.
“Curiosamente”, escreveu o embaixador, “essa atitude puritana contra a ‘permissividade’, que também é ampla e fortemente mantida dentro do Exército brasileiro, não é levada para o campo administrativo, onde a ‘corrupção’ é qualificada mais como frouxidão financeira do que torpeza moral”.
No caso de Watergate, os círculos conservadores consideraram a revelação dos grampos republicanos no escritório democrata como desnecessária e autodestrutiva, “com elementos de lesa-majestade”. Já nos círculos liberais, prevalecia opinião de que essa era “uma demonstração inspiradora de fidelidade ao princípio e à resiliência das instituições democráticas”.
As revelações da participação da CIA no golpe de 1973 do Chile também dividiram as opiniões, mas nesse caso por uma margem mais “estreita, enevoada pela perplexidade geral, por não entender qual era o grande problema”. Segundo o embaixador, o público, em geral, não achou as revelações excepcionais porque estava “condicionado a uma forte presença de forças de segurança na sua própria vida diária”.
Para ler o documento na íntegra, em português, clique aqui.
Para ler o original, em inglês, clique aqui.