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Em encontros com diplomatas americanos, o ex-deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh teria revelado bastidores do PT, detalhado o funcionamento de caixa dois e chamado o MST de “hipócrita”

Reportagem
5 de agosto de 2011
14:19
Este artigo tem mais de 13 ano

Dentre os cerca de 3 mil documentos referentes ao Brasil publicados pelo WikiLeaks há muitos que não receberam  a atenção devida, mas são importantes para compreender a visão americana sobre o país na última década.

É o caso de três documentos que narram encontros de membros do corpo diplomático americano com Luiz Eduardo Greenhalgh, que já foi deputado federal, vice-presidente da secretaria de relações internacionais do PT e vice-prefeito de São Paulo.

Greenhalgh teria recebido três representantes do consulado em São Paulo para um café da manhã em seu apartamento em abril de 2006 e mantido pelo menos mais um encontro em 2007, no qual foi visto pelos diplomatas como um “informante”, tradução livre para o termo “insider”, em inglês.

Procurado pela Pública, Greenhalgh, hoje de volta a seu escritório de advocacia, negou ter mantido reuniões com oficiais políticos do Consulado dos EUA em São Paulo “nem em 2007 nem em qualquer tempo” – e acusou o WikiLeaks de “propagar fofocas”: “Sempre que estive nas cercanias do Consulado ou da Embaixada dos Estados Unidos foi para participar de atos de protestos”.

Primeiro encontro

Um documento enviado a Washington em 28 de abril de 2006 narra um café da manhã no seu apartamento, no centro de São Paulo. O encontro, feito a seu convite, teria durado 90 minutos e contado com a presença da sua sócia, a freira católica americana e também advogada Michael Mary Nolan, além da sua assistente política Miraci Astun.

Greenhalgh estava, segundo o documento, “relaxado e falante”, tendo  rememorado episódios da ditadura – o que o então cônsul-geral  Christopher MacMullen classificou de “histórias de guerra”.

De acordo com o relatório, ao ser inquirido sobre mecanismos de financiamento de campanha, Greenhalgh respondeu que, na sua última candidatura para deputado, ele havia declarado formalmente despesas de R$ 600 mil.

Segundo o relato, ele teria dito então que muitos empresários estavam relutantes em aparecer nas listas de contribuições e faziam doações em espécie ou em serviços como transporte e impressão de flyers.

“Greenhalgh estima que suas verdadeiras despesas com campanha fossem próximas a R$ 720 mil. Quando ele declarou os R$ 600 mil, segundo disse, as pessoas comentaram como a quantia era alta, mas isso durou apenas um dia ou dois. E fazendo uma declaração assim plausível, ele se imunizou contra acusações de irregularidades no financiamento de campanha”, prossegue o relatório.

Ao Tribunal Superior Eleitoral, Greenhalg declarou valores que não condizem com o relato do consulado americano. Na campanha eleitoral de 2002, afirmou ter utilizado R$ 215.161,00. Na de 2006, que foi concluída após o encontro em questão, declarou ter gasto R$ 865.363,00.

No mesmo encontro, ele teria dito que “todo mundo pratica caixa dois” mas haveria “maneiras éticas e não éticas de fazer isso”. Por exemplo, alguns candidatos teriam declarado gastos de R$ 150 mil – o que “não daria para eleger nem um vereador em Itagui” –  quando arrecadaram três vezes este valor.

O texto diz ainda que Greenhalgh avaliava que a reeleição de Lula não estava garantida “de jeito nenhum”. Lula estaria decidido a fazer a elite “o engolir” – e haveria um sentimento mútuo de ódio. Para o advogado nem Lula nem o seu governo tinham novos programas ou ideias – ambos estariam paralisados desde o escândalo do mensalão.

Greenhalgh também via Lula cada vez mais isolado, já que muitos dos antigos amigos do partido haviam saído do governo. Por isso, o ex-presidente estaria se tornando “cativo da República do Rio Grande do Sul”, liderada por Dilma Rousseff e Tarso Genro, segundo o documento.

A conversa também chegou ao caso de Celso Daniel, prefeito petista de Santo André assassinado em 2002. Tanto Greenhalgh quanto Nolan afirmaram que se tratava de um crime comum e que a cobertura da imprensa estava errada. Para Greenhalgh, os seqüestradores entraram em pânico ao descobrir que se tratava de um “VIP”.

MacMullan descreve Greenhalgh como um político sério, mas que “não é admirado  universalmente”, relembrando acusações de corrupção durante seu mandato com vice-prefeito de Luiza Erundina e de tentar encobrir a morte de Celso Daniel. “Dito isso, suas observações sobre os problemas do partido e de Lula são especialmente penetrantes e relevantes”.

Segundo o documento, Greenhalgh falou também do MST, a quem seu escritório representava na época. Ele disse que costumava evitar críticas ao movimento, mas mudou de postura depois da ocupação de propriedade da Aracruz celulose em março de 2006, que causou danos estimados em cerca de 400 mil dólares à companhia.

Na época, o advogado criticou o movimento através de uma declaração pública.

Segundo encontro

A missão americana no Brasil acompanha de perto das ações do MST, como mostrou uma série de documentos publicados pelo WikiLeaks desde dezembro do ano passado.

No abril vermelho de 2007, por exemplo, a embaixada avaliou que houve “muito teatro e pouca substância”, com o uso de “retórica estridente mas pouca destruição de propriedade no ano passado”.

“Os líderes do MST tomaram uma decisão consciente de aumentar o tom dos seus ataques contra o presidente Lula, que era considerado, se não exatamente um deles, pelo menos um simpatizante e protetor do movimento”, avalia documento de 5 de maio daquele ano.

Nele, Greenhalgh é chamado de “informante”, tradução livre para “insider” e mencionado como uma fonte que deve ser protegida.

Segundo o relato, em reunião no dia 20 de abril com oficiais políticos do consulado de São Paulo, Greenhlagh afirmou que o MST estava sendo hipócrita ao manter um tom elogioso com o governo em privado em busca de apoio e financiamento, mas ao mesmo tempo confrontar o governo com retórica agressiva em público.

Citando de maneira indireta o conteúdo da conversa, o documento, também assinado por Christopher McMullen, hoje embaixador em Angola, diz que o ex-deputado teria participado de reuniões entre o MST e o governo Lula durante o primeiro ano de mandato, nas quais os dois lados teriam negociado um “modus vivendi”.

O governo teria, segundo a avaliação de Greenhalgh, mantido sua parte do acordo – garantindo financiamento a ONGs que apóiam ao MST, ou ao próprio movimento, além de realizar novos assentamentos – mas o movimento manteve uma postura de confronto e retórica agressiva.

Por isso Greenhalgh teria decidido se afastar do MST, fator que é citado como um dos motivos para a sua derrota na disputa para a reeleição à Câmara em 2006.

Além disso, segundo o documento, houve impacto no aumento da influência da ex-senadora e atual vereadora de Maceió Heloísa Helena e do partido PSOL sobre os sem-terra.

Procurado pela Pública, o ex-deputado disse que seu nome foi usado “indevidamente” pela comunicação diplomática para “dar mais peso à idéia da direita de criminalizar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra”.

“Sou um militante permanente no combate às tentativas de criminalização dos movimentos sociais. Portanto, o e-mail diz exatamente o contrário do que eu penso”, afirmou.

Terceiro documento

Um terceiro documento, de 5 de junho de 2007, volta ao tema da derrota eleitoral de Greenhalgh, apontando outros fatores.

O documento não deixa claro se houve um novo encontro entre o pessoal do consulado e o ex-deputado, mas descreve que ele teria creditado sua derrota eleitoral também ao seu apoio à reforma da previdência, que desagradou aos aposentados, e ao escândalo do mensalão.

Diz o relato que Greenhalgh afirmou ter sido convidado a assumir o cargo de ministro na Secretaria Nacional de Direitos Humanos, mas não aceitou porque Paulo Vanucchi, que ocupava a pasta, não abriria mão de ficar pelo menos mais seis meses.

Mais uma vez, à Pública, Greenhalgh negou ter dito isso. “Apoiei o ministro Paulo Vanucchi abertamente, em todas suas propostas, especialmente, àquela de criar a Comissão da Memória e da Verdade”.

O documento continua com uma longa análise sobre o ex-presidente Lula. Greenhalgh diz que até a campanha de 2006, Lula sempre havia sido o “talento” ou a “estrela” do PT, tendo sempre alguém nas sombras que era o gerente, ou operador político – seja José Genoíno, José Dirceu ou Antônio Palocci.

Porém, ao ser forçado a praticamente coordenar a própria campanha, Lula teria começado a “dirigir a orquestra e ao mesmo tempo cantar no papel da ópera”. Enquanto Berzoini, de volta ao PT era visto como um líder fraco e aquiescente e Dilma Rousseff como mais técnica que política, Lula estaria fazendo seus próprios acordos políticos – e se distanciando do PT.

Segundo o documento, para Greenhlagh Lula estaria se distanciando do PT e pensando em apoiar um candidato não-petista em 2010.

Perguntado sobre um possível retorno de Lula em 2014, Greenhalgh explicou que a troca de Luiz Marinho por Carlos Lupi no Ministério do Trabalho, teria aproximado o ministério da Força Sindical, em detrimento da aliada histórica, CUT. Essa alienação da base aliada seria uma prova de que Lula não tinha planos para um futuro na política.

No comentário final sobre o encontro com Greenhalgh, MacMullen comenta que a sua avaliação parece acertada em muitos aspectos, mas que às vezes ele “dá a Lula mais crédito do que ele merece”. “A única grande iniciativa política que surgiu nos primeiros cinco meses do segundo mandato foi o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”.

À Pública, Greenhalgh afirmou: “em 2007, eu já não era deputado federal, já tinha retornado às minhas atividades como advogado, em São Paulo, e já tinha me afastado de reuniões políticas”. Clique aqui para ler a resposta na íntegra.

Todos os documentos da embaixada americana e consulados no Brasil foram publicados pelo WikiLeaks em 11 de julho, estando à disposição de pesquisadores, jornalistas e internautas no site www.wikileaks.org.

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