Por Chris Woods e Emma Slater
Uma investigação do Bureau of Investigative Journalism, parceiro da Pública, revelou que pelo menos 27 ataques envolvendo mísseis cruzadores, aeronaves, aviões não tripulados ou bombardeios navais aconteceram na volátil nação do Golfo Pérsico até agora, matando centenas de supostos militantes ligados à facção regional da Al-Qaeda. A reportagem descobriu também que pelo menos 55 civis foram mortos nesses ataques.
Em 30 de março dois ataques de aviões sem tripulação – controlados remotamente – atingiram um veículo e uma casa em Azan, na província de Shabwa, na região central do país. Cerca de cinco supostos militantes morreram. Um segundo veículo, que passava ao lado, também foi atingido, matando um civil e ferindo pelo menos cinco, segundo oficiais, médicos e testemunhas.
Pelo menos seis ataques americanos – alguns envolvendo mais de um alvo – ocorreram no Iêmen apenas em março de 2012, em apoio à ofensiva contra alguns militantes em regiões específicas. Em comparação, as áreas tribais do Paquistão (que é o epicentro da controversa guerra de aviões controlados remotamente da CIA) sofreram quatro ataques em março.
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A recente onda de ataques parece relacionada à nomeação do novo presidente, Abed Rabbo Mansour Hadi. Em seu discurso de posse, ele prometeu a “continuidade da guerra contra a Al-Qaeda como um dever religioso e civil”.
Apesar de vários relatos confirmados de ação militar americana no Iêmen, os EUA raramente reconhecem sua guerra secreta. Um porta-voz do Departamento de Estado, falando nos bastidores, disse apenas: “Eu indico você ao governo do Iêmen para mais informações sobre seus esforços no contraterrorismo”.
Centenas de mortos
Uma detalhada observação da atividade militar americana no Iêmen ao longo de nove anos revela que a maioria dos ataques – por volta de 35 – aconteceram depois de maio de 2011, ao mesmo tempo em que aumentaram os protestos relacionados à Primavera Árabe no país. Os protestos no país tiveram início quase ao mesmo tempo do que no Egito. Depois de meses de confrontos, o presidente Ali Abdullah Saleh, que governou o Iêmen por 33 anos, deixou o poder em fevereiro deste ano, após um acordo que lhe garantiu imunidade contra processos futuros. Antes de deixar o poder, ele recebeu tratamento médico nos Estados Unidos.
Total de ataques americanos: de 27 a 45 (alguns dele com mais de um alvo). Desses, cerca de 35 desde maio de 2011
Total de mortos: de 280 a 522
Supostamente civis: 55 a 105
Dentre todos estes ataques, apenas um ocorreu antes do governo Obama, que desenvolveu um interesse pessoal na campanha do Iêmen. Quando assumiu, a Al-Qaeda na Península Arábe (AQAP) cresceu a ponto de se tornar, nas palavras dele, “uma rede de violência e terror” que atraiu de cidadãos americanos para a sua causa, incluindo o clérigo radical Anwar AL-Awlaki. A AQAP começou a publicar revistas ideológicas online em inglês e estaria por trás de tentativas de ataques terroristas contra os EUA, o Reino Unido e seus aliados.
Com a CIA profundamente envolvida no Iraque e Paquistão, o trabalho de desmantelamento da AQAP foi transferido à Joint Special Operations Command (JSOC), a elite do Pentágono – mesma unidade que capturou Saddam Hussein e matou Osama bin Laden.
Mas, desde o começo, a controvérsia reina nas operações da JSOC.
Um massacre a ser esquecido
Em 17 de dezembro de 2009, tendo como base a informação de que um encontro da AQAP aconteceria no sul do deserto do Iêmen, a JSOC lançou pelo menos um míssil cruzador com bombas alojadas. Uma comissão parlamentar iemenita descobriu mais tarde que 14 supostos militantes morreram no ataque. Mas também 44 civis.
Uma cópia do relatório da comissão obtida pelo Bureau identifica por nome todos os civis mortos, que inclui cinco mulheres grávidas e 22 crianças, sendo a mais jovem de apenas um ano de idade. A comissão descobriu que oito famílias foram efetivamente eliminadas, embora não atribua a culpa nem às forças americanas nem iemenitas.
Dois anos depois, os EUA não confirmem nem negam investigações sobre estas mortes, ou se alguma compensação foi dada aos familiares das vítimas. O Pentágono, o Comendo Central do Exército dos EUA (Centcom), o Departamento de Estado e o Comitê de Forças Armadas do Senado americano se negaram a comentar o assunto.
Um porta-voz do Sheikh Himir Al-Ahmar, presidente da comissão e porta-voz adjunto do Iêmen, disse ao Bureau: “As famílias das vítimas estão de fato tendo ressarcimento apropriado (de acordo com os padrões de indenizações concedidas a vítimas no Iêmen). As autoridades americanas não se envolveram no processo de qualquer modo”.
Em contrapartida, famílias atingidas pela matança realizada por um soldado americano no Afeganistão receberam 50 mil dólares por cada vítima.
A recusa americana em reconhecer o ataque deu-se depois de um telegrama diplomático secreto divulgado pelo WikiLeaks revelar que o então chefe do Centcom, general David Petraeus – agora diretor da CIA – e o presidente do Iêmen e primeiro-ministro na época, Ali Abdullah Saleh procuraram esconder o papel dos EUA no incidente.
De acordo com o despacho secreto, “[Presidente] Saleh lamentou o uso de mísseis cruzadores ‘que não são muito precisos’” e deu boas vindas ao uso de aeronaves equipadas com bombas de precisão em substituição a eles. “Nós vamos continuar a dizer que as bombas são nossas, não suas’, disse Saleh, sugerindo que o vice-premier Alimi teria feito piada quando ele ‘mentiu’ ao dizer ao parlamento que as bombas em Arhab, Abyan e Shebwa eram fabricadas nos EUA, mas lançadas pela ROYG”.
A Anistia Internacional, que realiza sua própria investigação sobre o ataque de dezembro de 2009, considerou que os EUA falharam em investigar relatórios confiáveis de mortes de civis. “Com um aumento em tais operações em lugares como o Iêmen, a menos que alguém busque investigar quem foi morto, o porquê, e quais precauções foram tomadas para proteger civis, tais enganos podem ser repetidos no futuro”, disse Philip Luther, diretor do programa do Oriente Médio da Anistia.
Houve outros erros, também, do Pentágono. Quando suas Forças Especiais de elite atingiram um suposto comboio de militantes em maio de 2010, mataram na verdade o vice-governador popular da região, Jaber AL-Shabwani. Este erro levou a uma pausa de um ano nos ataques americanos, diante de fortes protestos das comunidades locais.
Foi necessária a agitação da Primavera Árabe para que os EUA voltassem ao ataque. Enquanto o povo do Iêmen revoltava-se contra o presidente Saleh e seus aliados, a JSOC e os aviões por controle remoto da CIA, com equipamentos da marinha e aeronáutica americana, tomaram os céus. Desde então, o presidente Obama tem lutado uma guerra praticamente desconhecida no Iêmen.
A força aérea sucateada do Iêmen
Pelo menos 21 ataques americanos ocorreram no Iêmen desde maio de 2011, segundo apurou o Bureau, estima-se em 35 o total. Mas os relatórios são frequentemente confusos, e os governos americano e iemenita não se mostram muito dispostos a esclarecer os eventos.
Existem alegações de que a Força Aérea do Iêmen realizou alguns ataques cirúrgicos. Mas uma investigação da capacidade iemenita revela que está sucateada, com equipamentos de baixa tecnologia, e desmantelada pela recente agitação política. Provavelmente oss EUA estão por trás dos ataques cirúrgicos do Iêmen.
Alan Warnes, correspondente da publicação militar AirForces Monthly, diz que a força aérea iemenita é incapaz de realizar ataques de precisão ou noturnos: “A única aeronave que eles têm capaz de voar à noite são caças bastante antiquados. Eu acho que são os americanos que estão fazendo isso em vez dos iemenitas”.
A recente cooperação conjunta entre a CIA e a JSOC parece estar valendo a pena para Obama. Segundo relatos, alguns dos 24 militantes declarados da Al-Qaeda na região morreram desde a última primavera. O grupo está praticamente sob ataque constante. Mortes de civis são pouco relatadas – embora tenha havido alguns “erros”.
Para Obama, seu maior sucesso no Iêmen veio em 30 de setembro do ano passado, quando dois cidadãos americanos, entre os quatro militantes mais valiosos da Al Qaeda, foram mortos. Anwar Al Awlaki, o clérigo radical, morreu com Samir Khan, editor da revista Inspire, uma publicação ideológica em inglês da AQAP.
Dias depois, um ataque em sequência matou outros militantes – e também o filho de 16 anos de Awlaki e seu sobrinho de 17 anos. A AQAP também perdeu quase completamente sua possibilidade de se comunicar com o público em língua inglesa. Mas essas mortes de cidadãos americanos continuam a gerar muita controvérsia nos Estados Unidos.
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Com pesquisa adicional de David Pegg e Jack Serle. Clique aqui para ler o texto original, em inglês. Tradução de Marcus V F Lacerda.