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Moradores de uma comunidade carioca vivem pesadelo ao receber documento que dizia que suas casas seriam derrubadas em 30 dias

Reportagem
3 de agosto de 2012
12:00
Este artigo tem mais de 12 ano

O e-mail estava escrito em letras vermelhas, em caixa alta: “Venho através deste pedir ajuda! Somos uma comunidade do Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, situada na estrada do Pontal do número 3015 ao 4051, com mais de 200 famílias. No dia 15/06/2012 foram colocadas notificações nas nossas caixas de correio, dizendo que tínhamos 30 dias para sair pois nossas casas seriam demolidas!” Anexada ao e-mail, uma cópia do documento colocado em 46 casas da comunidade, e um pedido final: “Nosso temor está aumentando a cada dia que passa. Noites intranquilas, sem saber se pela manhã eu, meu filho e minha esposa seremos acordados com um trator na nossa porta. Peço encarecidamente uma ajuda em nome de todos nós”.

Pesadelo 

A visita da kombi da prefeitura do Rio de Janeiro naquela manhã do dia 15 de junho transformou a vida dos moradores da comunidade conhecida como Caeté, onde moram mais de 400 pessoas, na sua maioria em casas de alvenaria cercada por árvores e animais, à beira da Estrada do Pontal, em um pesadelo.

As notificações determinavam que os imóveis fossem desocupados no prazo de 30 dias para a demolição “das construções erguidas irregularmente” e fazia referência ao ofício n° 032/2011, de 28/01/2011, do MPERJ; Inquérito Civil MA 4567, e processo n° 26/000.516/2011 da SC/SUBEC/CGC.

Roberto (o nome é fictício), autor do e-mail recebido pelo Copa Pública, conta que com as notificações em mãos, senhoras idosas tiveram de ser levadas às pressas ao hospital enquanto outros moradores se reuniam na pequena igreja local para pensar o que fazer. O Delegado de Polícia Civil Eduardo Athayde, que mora no local há 15 anos com a família,  também lembra dos momentos de tensão: “Aquilo foi puro terrorismo. Até porque eles fizeram isso durante a Rio+20 em um ponto facultativo então não tinha o que a gente fazer na hora. Há pessoas que moram há mais de 50 anos ali, imagina o desespero”.

Mistério 

Com todos os documentos que puderam reunir em mãos, os moradores foram até o Ministério Público falar com o promotor do inquérito citado na notificação, Marcus Cavalcante Pereira Leal, da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Meio Ambiente. “Quando chegamos lá, o dr. Marcus se mostrou bastante surpreso, já que o processo dizia respeito a apenas um endereço, com quatro casas que estão em situação irregular por terem ocupado uma área pública”, lembra Eduardo.

Em entrevista ao Copa Pública, o promotor Marcus confirmou que apenas um endereço consta do inquérito: “Existem quatro construções, em um mesmo endereço, que estão em área pública. Estes constam do inquérito. O resto dos endereços notificados pela prefeitura não”.

Diante de tal “mistério”, o Copa Pública ligou para a Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (Seconserva) e foi informado por meio de sua assessoria de imprensa de que tudo não passou de um “engano”. “As intimações foram canceladas e os moradores avisados”. Por telefone, a assessoria informou ainda que o aviso teria sido feito em uma reunião com os moradores. Roberto nega: “Não existiu essa reunião. Nós ficamos sabendo do cancelamento através de uma matéria que saiu em um jornal daqui”.

O Copa Pública enviou mais alguns e-mails à Seconserva pedindo mais detalhes sobre este engano, que notificou 46 ao invés de 4 casas, como por exemplo: Este engano está sendo apurado? De quem é a responsabilidade? Os moradores serão indenizados pelo transtrorno causado? As respostas se repetiram: “As intimações foram canceladas e os moradores avisados”.

De fato, alguns moradores tiveram acesso ao documento, que comunica “suspensão dos efeitos das notificações por mandato inibitório, até julgamento final da lide”, que significa que os moradores estariam seguros teoricamente até o fim do processo. Porém, nem todos receberam o papel em sua caixa de correio, como da outra vez. Roberto mesmo, só ficou sabendo do assunto no dia do fechamento dessa reportagem e mesmo assim continuava cheio de incertezas: “Mas o que significa julgamento final da lide? Quer dizer que ainda podemos ficar sem casa?”, indagava.

A comunidade 

O terreno onde fica a comunidade Caeté, explica Eduardo, que está pesquisando a história do local, foi doado pela Companhia Litorânea, responsável pela construção do condomínio de luxo Maramar, nos anos 70: “Eles precisavam fazer as obras e havia famílias morando ali. Então eles deram a posse deste pedaço, que seria uma sobra do terreno, para os moradores, e assim nasceu a comunidade”. Na estrada do Pontal, Caeté fica espremida entre alguns condomínios de luxo, em uma área extremamente valorizada pelo mercado imobiliário.

Recentemente, os moradores se assustaram com a chegada de um trator que levou água para um condomínio de alto padrão, que está sendo construído em uma grande área verde vizinha. “Ficamos com medo de que fosse derrubar as casas. Nós nunca tínhamos visto esse trator porque não temos água encanada” diz Roberto.

“Os canos passam por um condomínio, pulam nosso pedaço e chegam ao outro condomínio. Usamos água de poço.” Ele conta que a comunidade também não conta com tubulação de esgoto. “Mas isso quase não tem mesmo aqui no Recreio. Mesmo os condomínios de luxo têm apenas sumidouro”.

Para ele, a notificação da prefeitura não foi um mero engano: “A área ali é muito valorizada. Com estes sustos, os moradores ficam mais vulneráveis e podem acabar vendendo os imóveis a qualquer preço. Foi um engano, mas se a gente não tivesse corrido atrás… Isso está acontecendo no Rio de Janeiro todo. E depois que está no chão, você faz o que, né?”

Conheça a história de Elisângela, que viu sua casa ser derrubada

 

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