Uma empresa do porte da Vale traz benefícios para o Brasil de diversas maneiras. Mas, para que a mineradora possa ter lucros, o país também tem dado uma boa ajuda à empresa – a qual, por sinal, tem sido alvo de questionamentos. A empresa está envolvida em diversos processos judiciais e administrativos, envolvendo a cobrança de tributos e o questionamento em torno de isenções.
Os principais processos judiciais, em termos de valores, estão relacionados à cobrança do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A disputa com a Receita Federal envolve a cobrança de R$ 30,6 bilhões e gira em torno do pagamento de imposto sobre o lucro que empresas da Vale tenham tido no exterior, dentro da compreensão do Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-34/2001. Esse artigo afirma que, para determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, os lucros de empresas controladas ou coligadas no exterior “serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados”.
Antes mesmo de ser cobrada pela Receita Federal, em 2003, a Vale entrou com mandado de segurança na Justiça Federal, para questionar esse artigo da MP, inclusive considerando-o inconstitucional. Além desse mandado de segurança, a Vale responde por processo administrativo por quatro autos de infração, instaurados pela Receita Federal para cobrança do IRPJ e CSLL.
Todos esses processos encontram-se suspensos por medida cautelar, ajuizada pela Vale, no Supremo Tribunal Federal (STF), depois de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em maio de 2012, ter permitido à Fazenda cobrar os valores devidos pela empresa. No dia 9 de maio, o ministro Marco Aurélio Mello concedeu a liminar a favor da empresa, considerando que o STF precisa julgar em plenário a validade do citado artigo 74, questionado por diversas empresas, além da Vale. Segundo informações do site do STF, ainda não há data para esse julgamento.
Não é apenas no Brasil que a Vale contesta o pagamento de impostos sobre o lucro de suas parceiras no exterior. Desde 2006, a mineradora tem um escritório em Saint-Prex, Suíça, aberto sobre a alegação de auxiliar na participação em sociedades no exterior, comercializar seus produtos, manter relacionamento mais próximo com os clientes, prestar serviços financeiros, administrativos e legais a outras sociedades e empresas do grupo, entre outras atividades.
Para se instalar na região, a Vale fez um acordo com autoridades do Cantão de Vaud, região suíça onde fica Saint-Prex. Segundo informações da assessoria de comunicação da Vale, a empresa tem recebido, desde o ano de sua instalação, “isenção de 100% dos tributos cantonais e locais e exoneração de 80% dos tributos federais por um período de cinco anos, renováveis por mais cinco anos”. A referida disputa é justamente sobre a aplicação de isenção de imposto de renda corporativo, os 80% do tributo federal. Isso porque a isenção básica é de 60% mas, se certas condições forem cumpridas, pode chegar a 80%.
A Vale vem aplicando a isenção de 80% no imposto de renda corporativo, desde 2006, por entender que as condições impostas para isso (criação de empregos, construção do prédio em Saint-Prex e parcerias com universidades da região) estão sendo cumpridas. Mas não é esse o entendimento da Justiça Suíça. A Pública teve acesso à última sentença proferida pelo Tribunal Federal Suíço, em 28 de agosto de 2012, sobre recurso impetrado pela Vale contra uma decisão que revia e aumentava o valor de imposto devido, de 2007 a 2009.
Em dezembro de 2011, o Gabinete do Imposto sobre as Sociedades do Cantão de Vaud, Administração Cantonal, emitiu as decisões sobre o imposto devido pela empresa para esses três anos, e o Governo Suíço recorreu dessas três decisões. Por isso, em 22 de março de 2012, a Administração Cantonal emitiu três novas decisões, substituindo as de dezembro de 2011 e dobrando o valor cobrado, chegando a um total de US$ 226 milhões, alegando que as condições para a isenção de 80% no imposto não haviam sido cumpridas.
Em julho de 2012, a Vale interpôs recurso de direito público para a Justiça Federal da Suíça, alegando ter havido violação do direito de ser ouvida e que haveria ocorrido uma violação das regras do procedimento e uma aplicação arbitrária da lei. O recurso foi rejeitado em todas as suas alegações, e o tribunal cobrou da empresa o pagamento dos custos do processo, fixados em 60 mil francos suíços, em torno de R$ 130 mil.
Uma das suspeitas de problemas com a Vale é que ela esteja transferindo de forma irregular lucros de todas suas atividades pelo mundo para a Suíça, exatamente por se beneficiar dessa isenção de impostos. Dessa forma, estaria quebrando o compromisso firmado para ter acesso ao benefício fiscal. Segundo o Conselho da Prefeitura de Lausanne, que fica no Cantão de Vaud, a Vale pagou R$ 612 milhões em impostos de 2006 a 2010. De acordo com o formulário de referência de 2012, a Vale Internacional S.A., com sede na Suíça, tem um valor contábil de R$ 43,8 bilhões, muito superior ao de outras controladas no exterior, como as da Áustria ou do Canadá, por exemplo, que valem R$ 7,85 bi e R$ 9,74 bi respectivamente.
Outra questão que se coloca é que a Vale Internacional começou a incorporar diversas filiais anteriormente instaladas em paraísos fiscais e passou a registrá-las na Suíça, como mostra documento da Junta Comercial de Vaud. São as empresas: RDIF Overseas LTD, que veio das Bahamas; CVRD Overseas AS, das Ilhas Cayman; Brasamerican Limited, de Bermudas. A própria Vale International S.A. era uma empresa que tinha razão social registrada como Itabira Rio Doce Company Limited, com base em Nassau, Bahamas, tendo sido inscrita pela primeira vez em dezembro de 1996, meses antes da privatização da então Companhia Vale do Rio Doce.
Sobre a briga judicial na Suíça, a Vale afirmou, por meio de sua assessoria: “Os processos que tratam do mérito não estão concluídos e, portanto, não há decisão final sobre o pagamento de qualquer valor extra”. A empresa ainda cita uma afirmação creditada ao chefe da Administração de Impostos de Vaud, Philippe Mailard: “Por enquanto, tratamos da questão de procedimento. Agora que o Tribunal Federal se pronunciou, vamos continuar para definir a questão de fundo”. A empresa diz ainda que “cumpriu todos os compromissos assumidos com a Suíça” e que “permanece disposta a fornecer as explicações solicitadas, a dialogar com o Governo para encontrar uma solução conjunta caso seja necessário e a buscar na Justiça o cumprimento dos acordos que a levaram a estabelecer-se no país”.
Lei Kandir
A Vale, como tantas outras empresas, é isenta de diversos impostos para exportação. Para a mineradora, essa é uma vantagem enorme, mas nem tanto para o país e para os estados de origem da extração mineral, que deixam de ganhar muito dinheiro. No caso dos impostos estaduais, desde 1996, com a aprovação da chamada Lei Kandir (Lei Complementar n°87), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal fonte de arrecadação dos Estados, deixa de valer para as exportações de alguns produtos, dentre eles os minerais. Os tributos federais dos quais esses produtos são isentos são: Imposto sobre Exportação (IE), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI ), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF, que pode ter alíquota zero ou ser compensado quando o exportador contratar operações com derivativos) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e PIS/Pasep, que podem ser ressarcidos.
São tantas isenções que é difícil calcular quanto o Brasil deixa de arrecadar no total. Mas, podemos saber o quanto a Vale recebeu no último ano com a exportação dos chamados bulks materials, o carro-chefe da mineradora: minério de ferro, pelotas, manganês, ferroligas e carvão. A receita operacional com as exportações destes produtos foi de US$ 39,6 bilhões em 2011, cerca de 65% da receita total da mineradora. No mesmo período, a empresa pagou US$ 1,39 bilhão de impostos sobre vendas e serviços, em todo o mundo.
Por causa das isenções nas exportações, o Brasil é considerado um país altamente rentável para a mineração, conforme revelou um estudo de Brian Mackenzie, geólogo da Universidade de Queen´s, em Ontario, Canadá. Segundo ele, o Brasil tem uma das cargas tributárias mais baixas do mundo para o setor, em torno de 39%, sendo que, na maior parte dos países produtores, Canadá, Austrália, América do Sul, a carga é de 50% ou mais.
Entre os impostos que não são eliminados, estão os encargos trabalhistas, além de, teoricamente, já que nem todas as prefeituras as cobram, taxas municipais. Já o IRPJ e a CSLL, a Vale paga, mas contesta os valores cobrados na Justiça, como se viu.
A empresa também tem que pagar a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), os royalties da mineração, com uma alíquota que varia de acordo com o mineral e que é distribuída entre União (12%), Estado (23%) e município de origem da extração (65%). Essa compensação financeira foi instituída pela Constituição de 1988, sobre os chamados “bens da União”. Uma lei posterior, de 1990, definiu que o cálculo da alíquota da CFEM deve ser feito sobre o total das receitas de vendas, excluídos os tributos sobre comercialização, despesas com transporte e seguro. Mas, até hoje, a Vale e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) não chegaram a um acordo sobre os valores a serem pagos. Entre os processos envolvendo tributos, a CFEM é a que envolve o maior número de disputas em que a Vale está envolvida: são 52 ações judiciais e 145 processos administrativos.
“Maximixar valor”
Nascida em 1942, a partir da nacionalização de uma companhia inglesa que atuava em Minas Gerais e do compromisso de fornecer ferro na 2ª Guerra Mundial, a Vale, hoje, é uma gigante global. Apenas em 2011, teve uma receita líquida de R$ 103,2 bilhões. É a segunda maior empresa de metais e mineração do mundo, e a principal produtora mundial de minério de ferro. Além do ferro, explora manganês, níquel, cobre, alumínio, cobalto, ouro, prata. Trabalha, ainda, com fertilizantes e energia (hidrelétricas, óleo e gás natural). Além disso, desde há várias décadas, mantém uma rede logística enorme, que atualmente conta com ferrovias, portos e terminais marítimos.
Além do Brasil, a Vale explora minas em 27 países e está presente, ao todo, em 37 nações, com escritórios, joint ventures (associações em projetos), pesquisa e prospecção. De acordo com o relatório anual da Vale de 2011, no ano passado a China respondeu por 32,4% da receita operacional bruta da empresa, ou seja, US$ 20 bilhões.
“Nosso principal objetivo é maximizar valor para os acionistas”. A frase está no FactSheet da Vale, uma espécie de resumo dos valores da empresa e de seus resultados. Ali também ficamos sabendo que, segundo o Boston Consulting Group, consultoria que é líder mundial em estratégia de negócios, a mineradora foi escolhida como uma das “25 maiores geradoras de valor sustentável aos acionistas no mundo”.
E a empresa tem cumprido bem o objetivo a que se propõe. Nas palavras de Pedro Galdi, analista da investimento da Corretora SLW, “a Vale vale”. “A mineradora tem uma das melhores políticas de distribuição de rendas do mercado. Eles distribuem metade do lucro líquido e ainda pagam dividendos adicionais em alguns anos”, comenta ele.
Os cerca de 400 mil acionistas, cujos nomes ou perfis a empresa não divulga, estão em todos os continentes, já que a Vale tem ações negociadas em lugares tão diversos como as bolsas de São Paulo, Nova York e Hong Kong. Segundo dados da própria empresa, em 2011 houve um retorno recorde aos acionistas de US$ 9 bilhões, de um lucro líquido total de US$ 22,6 bilhões. Este ano, o desempenho da empresa diminuiu, com a queda do preço do minério de ferro, seu principal produto. Em 2012 foram pagos US$ 6 bilhões aos acionistas.
A empresa se tornou privada em 1997, depois de um leilão até hoje questionado na Justiça. Atualmente, a estrutura acionária dela é composta da seguinte maneira, para os acionistas com direito a votos em assembleia: a Valepar detêm 52,7% das ações ordinárias; a BNDESPAR, subsidiária do BNDES, tem 6,7%; o Aberdeen Asset Managers Limited (grupo global de gestão de investimentos, baseado na Escócia) tem pouco menos de 1% das ações ordinárias, e os diretores e executivos da Vale, como um grupo, também possuem pouco menos de 1 % das ações ordinárias. Assim, a Valepar é a controladora da empresa.
Os principais acionistas da Valepar são os fundos de pensão do Banco do Brasil (Previ), Petros, Funcef, Fundação Cesp, reunidos na Litel Participações S.A., que detêm 49% das suas ações ordinárias. Além da Litel, também são acionistas da Valepar e, portanto, controladores da Vale, a Bradespar, companhia de investimentos do grupo Bradesco, com 21,21% das ações ordinárias, Mitsui, empresa de origem japonesa, com 18,24%, Eletron S.A., uma empresa do grupo Opportunity, da família Dantas, com 0,03%, e o BNDESPAR, que também tem ações da Valepar, 11,51%.
Portanto, o Estado brasileiro está presente no controle da Vale S.A., por meio do BNDESPAR, que tem ações ordinárias da Vale e da própria Valepar, assim participando do lucro distribuído aos acionistas. O governo brasileiro possui 12 ações de classe especial, as chamadas golden share. Segundo relatório da Vale, de 2011, as golden share são ações preferenciais que, além de darem direito a voto e prioridade no recebimento de dividendos, permitem o veto a questões como mudança do nome e localização da empresa; no objeto social, no que se refere à exploração mineral; liquidação da sociedade; venda ou encerramento de atividades ligadas ao minério de ferro, como minas, jazidas, ferrovias, portos e terminais marítimos. No caso da Vale, essas ações golden share foram criadas durante o processo de privatização da empresa, em 1997.
Funcionalismo estatal
Em outubro, o Conselho Administrativo da Vale ganhou novo presidente, Dan Conrado. Funcionário de carreira do Banco do Brasil, advogado, começou na empresa como menor aprendiz em 1980 e hoje é o presidente da Previ, o maior fundo de pensão da América Latina.
Como a Previ é o maior acionista da Litel S.A., e consequentemente da Valepar, em geral seu presidente é indicado para o conselho administrativo da mineradora. Dan Conrado vem para substituir Ricardo Flores, presidente da Previ até maio que, em setembro, assumiu o comando da Brasilprev, empresa de previdência complementar controlada pelo Banco do Brasil. Tentamos marcar uma entrevista com Dan Conrado, mas, segundo a assessoria de imprensa da Previ, ele ainda não se pronunciou como presidente do conselho da Vale e, enquanto não o fizer, não dará entrevistas.
Segundo a Vale, ao todo são 11 membros do conselho eleitos na assembleia geral dos acionistas. Há representantes dos trabalhadores da empresa, da Mitsui, da Valepar, Bradespar/Bradesco. Além de Dan Conrado, um segundo membro do conselho, José Ricardo Sasseron, também é da Previ, onde atua como diretor de Previdência Social.
Já representantes do setor público são três: Robson Rocha, vice-presidente de gestão de pessoas e desenvolvimento sustentável do Banco do Brasil; Nelson Henrique Barbosa Filho, secretário executivo do Ministério da Fazenda; Luciano Coutinho, atual presidente do BNDES, maior financiador da Vale.
A Vale conta com diversas linhas de crédito e financiamento em todo o mundo, mas o maior crédito, de uma única instituição, foi dado pelo BNDES. O empréstimo, de R$ 7,3 bilhões , foi assinado em abril de 2008, meses depois de Luciano Coutinho, presidente do banco, assumir um posto no Conselho de Administração da Vale. Na época, Coutinho chegou a declarar, segundo os jornais: “Trata-se da maior linha já disponibilizada pelo BNDES para uma empresa só”. Uma das condições do empréstimo é que esse valor só poderia ser investido no Brasil, por cinco anos (prazo que termina agora em 2012).
A maior parte desse dinheiro está sendo investida no aumento da capacidade de extração de minério de ferro na região de Carajás, projetos Carajás 40 MTPA e Serra Sul S11D, que pretendem mais do que dobrar a produção local. E também na duplicação da Estrada de Ferro Carajás. Todos projetos que têm como objetivo final a exportação de minério de ferro.
O BNDES tem como uma das principais fontes de recurso o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A arrecadação do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) de todos os trabalhadores foi destinada a esse fundo. A lógica nessa vinculação é que esse dinheiro sirva para apoiar projetos que gerem empregos, criando novas oportunidades para os trabalhadores.
“A cada emprego na extração mineral, quatro a cinco empregos diretos são gerados nas cadeias de transformação mineral a jusante. A exportação de minérios em forma bruta gera, proporcionalmente, menos emprego e renda, deixando o País mais vulnerável às flutuações dos preços internacionais. A consequência mais direta é a exportação de empregos e oportunidades em potencial para outros países”, diz o texto do Plano Nacional da Mineração 2030, documento do Ministério de Minas e Energia que traça as perspectivas para esse setor da economia para as próximas duas décadas. Baseando-se em dados de 2008, o plano chega ao seguinte resultado: as exportações brasileiras de minério de ferro bruto resultam em 680 mil empregos exportados.
Em uma nota da própria assessoria de imprensa do BNDES, em 2008, o banco dizia que, com os recursos que a Vale planejava investir, a empresa deveria aumentar o número de postos de trabalho em 62 mil novos empregos. Naquele ano, segundo o BNDES, a Vale tinha cerca de 152 mil empregados, entre diretos e indiretos. Hoje, cinco anos depois, a Vale tem 139 mil trabalhadores, segundo informa seu site.
Os projetos de siderurgia, considerados os grandes geradores de emprego na cadeia produtiva da mineração, quase não aparecem nos planos da Vale. Segundo informou a assessoria de imprensa da mineradora, apenas uma siderúrgica, a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), no Ceará, foi aprovada pelo Conselho de Administração e recebeu investimentos em 2012. Outras grandes promessas estão paradas ou foram canceladas, como é o caso da Aços Laminados do Pará (Alpa), que seria construída em Marabá (PA). Já a Companhia Siderúrgica Ubu (CSU), no Espírito Santo, aguarda a definição de um sócio.
Investimento na mineração
O governo brasileiro trabalha com a expectativa de crescimento para a mineração. O Ministério de Minas e Energia publicou no ano passado o Plano Nacional de Mineração (PNM), um documento de quase duzentas páginas, em que descreve as perspectivas para o setor até 2030. O trabalho serviu como base para o projeto de lei que deve definir um novo Marco Legal para a Mineração.
Atualmente, o texto está em avaliação dentro do governo, e o Ministério de Minas e Energia e a Casa Civil não têm divulgado o documento. Enquanto o novo marco não se torna público, podemos ter uma ideia do planejamento do governo para a mineração por meio do PNM 2030. E esses planos interessam à Vale, como a maior mineradora do Brasil e da América Latina.
A previsão do MME é a de que aumentará de três a cinco vezes a produção mineral no país, de acordo com o crescimento da demanda pelos recursos minerais, tanto no Brasil como no exterior. O governo pretende contribuir com esse aumento com a ampliação do conhecimento geológico nacional. Aparentemente, o setor mineral como um todo não tem grande presença na economia brasileira: representa 4,1% do PIB brasileiro, ficando à frente apenas de dois outros setores, dentre os 14 que compõem o indicador. O perfil é outro se observamos a participação do setor na geração de saldo comercial: nesse quesito, a mineração vem em primeiro lugar.
Como incentivar um setor exportador de matéria-prima a investir dentro do país? O Secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, Carlos Nogueira, do MME, admite o problema: “Há preocupação do governo em incentivar e propiciar cada vez mais a verticalização da produção e não ficar dependente da exportação de recursos naturais primários. As ações do poder público irão diminuir essa dependência quanto às commodities e propiciarão a exportação de produtos semiacabados e acabados”.
O que não está claro é se serão mantidas as isenções fiscais, que hoje incentivam empresas como a Vale a exportar empregos, como se viu. Segundo o secretário, para que seja possível a mudança no perfil do setor, o governo “irá manter o apoio a projetos de infraestrutura, buscará aprovação de uma nova legislação, menos burocrática e mais justa, bem como manterá os diversos programas de incentivo ao desenvolvimento do setor”.
“O governo aposta na expansão da atividade mineral, mas sem consultar a população”, diz Rodrigo Salles Santos, sociólogo da Universidade Federal de Juiz de Fora, especializado em mineração. O problema, para Santos, é que o local onde existe extração mineral não recebe outros incentivos. “A mineração drena recursos que estariam em outros setores, como o turismo, por exemplo. O dinheiro é usado para a infra-estrutura da mineração, sem construir alternativas. E quando a mina se encerra, tem uma economia dependente dessa fonte que acabou e não tem alternativa”.
O governo diz estimular “ações, através de políticas públicas, de modo que, tão logo cessem as atividades de mineração, permaneça um legado duradouro de atividades econômicas diversificadas, como educação, desenvolvimento de habilidades voltadas às necessidades das comunidades envolvidas, saúde pública e áreas reabilitadas. Desse modo, a mineração converte o valor intrínseco de um mineral no subsolo em recursos e na capacidade que permita à própria comunidade se estabelecer conforme os seus desejos”.