Por Gregory D. Johnsen
Ainda faltava uma hora para o sol nascer quando Nazih al-Ruqai entrou em sua SUV Hyundai preta for a, da mesquita ao norte de Tripoli, capital da Líbia, e girou a chave. O homem franzino de 49 anos tinha saído de casa 30 minutos antes para uma ida rápida à mesquita no sábado. Era 5 de outubro de 2013 e depois de duas décadas de exílio, ele tinha adotado uma rotina tranquila de rezas e devoção.
A volta pra casa nunca foi fácil. Ruqai, que é mais conhecido no mundo jihadista como Abu Anas al-Libi, ainda sentia os sintomas da hepatite C que havia contraído anos antes, quando cumpria pena numa prisão subterrânea no Irã. Sua mulher e filhos tinham voltado para a Líbia em 2010, após uma oferta do governo de Muammar al-Gaddafi. Mas Libi ficou fora, ressabiado com o homem que uma vez planejou matar. Ele voltou apenas quando os levantes líbios começaram, no início de 2011. Mas então já era tarde demais. Seu filho mais velho, Abd al-Rahman, o único de seus cinco filhos nascido na Líbia, fora morto enquanto lutava na capital.
Depois disso, as coisas se deram num vai e volta. Qaddafi foi morto semanas depois em outubro de 2011, e Libi finalmente se estabeleceu em Nufalayn, uma vizinhança de classe média arborizada no norte de Tripoli, junto com muitos membros de sua extensa família. A vida depois de Qaddafi era caótica e bagunçada – nada funcionava enquanto o novo governo pelejava em começar tudo de novo depois de 43 anos de ditadura, geralmente estando sob o jugo de milícias e tribos fortemente armadas que contribuíram com a queda de Qaddafi.
Libi era um homem caçado. Estivera na lista de mais procurados do FBI por mais de uma década, pelo seu suposto papel nos ataques da al-Qaeda às embaixadas americanas do Quênia e da Tanzânia em 1998. Junto com Libi, o indiciamento listava outros 20 indivíduos, incluindo Osama bin Laden e Ayman al-Zawahiri.
“Ele suspeitava que seria morto a qualquer momento”, disse seu filho ao New York Times. Mesmo assim, naquela manha de sábado, a maioria do perigo parecia ter passado. Havia aproximadamente um ano que Libi vivia em público, recebendo fiéis e resolvendo disputas locais; seu histórico como combatente e seu conhecimento do Corão fizeram dele um árbitro respeitável. Os vizinhos o chamavam simplesmente de “o shaykh”, um sinal de respeito nos meios conservadores por onde Libi ainda trafegava.
Libi também queria resolver seu passado. De acordo com um relatório, três semanas antes, em 15 de setembro, sentou-se com o procurad0r-geral da Líbia para discutir seu processo. (A embaixada líbia em Washington não respondeu aos repetidos pedidos de confirmação desta reunião). Mais que tudo, ele queria seguir com sua vida: havia se candidatado ao seu antigo emprego no Ministério de Óleo e Gás, e não parava de falar sobre como estava ansioso em ser avô pela primeira vez.
Porém, por volta das 6 horas da manhã, três carros encerraram com tudo isso.
Dentro do apartamento da família, a esposa de Libi ouviu a comoção na rua. Da janela, olhou para a rua onde vários homens tinham cercado seu marido, que ainda estava no banco do motorista. “Saia!”, os homens gritaram em árabe. “Saia!”, e quebraram o vidro. A maioria estava de máscara, mas ela pode ver alguns rostos. Eles pareciam líbios e soavam como líbios. Alguns tinham armas, outros não, mas todos se moveram muito rápido.
Na hora em que o resto da família chegou à rua, tudo que encontraram foi um pé de sandália e algumas gotas de sangue.
Mais cedo, naquela mesma manhã, a aproximadamente 3 mil milhas de distância, na orla da cidade de Baraawe, costa leste da Somália, um grupo de SEALs da Marinha americana se esgueirou pela escuridão rumo ao seu alvo, que um residente local mais tarde descreveria como um complexo murado a cerca de cem metros da costa. (Ali mesmo, quatro anos antes, em setembro de 2009, um contingente de SEALs emboscara um comboio de dois carros fora da cidade. Voando baixo em helicópteros militares, os SEALs rapidamente neutralizaram os carro e então pousaram para coletarem os corpos).
Desta vez o alvo era estacionário – Abd al-Qadir Muhammad Abd al-Qadir, um jovem queniano de origem somaliana melhor conhecido como Ikrima. Os SEALs iriam agarrá-lo. A análise anterior ao ataque sugeria que o complexo abrigava majoritariamente militants, e haviam poucos civis, ou nenhum. A apenas 130 milhas ao sul da capital, Baraawe estava sob o controle do al-Shabaab, um grupo militante fragmentado, desde 2009. Guerrilheiros iam e vinham livremente enquanto a al-Shabaab implantava sua própria visão estreita da lei islâmica na cidade.
Movendo-se sobre a praia dentro de território inimigo, os SEALs usariam do elemento surpresa. Além das árvores e da restinga a frente deles, a cidade estava escura. Baraawe tinha apenas algumas horas de eletricidade diárias, geralmente entre a reza noturna e a meia noite. Mas os membros da al-Shabaab viviam separadamente e, como os habitantes mais ricos da cidade, contornavam a escassez por meio de geradores privados. O plano daquela noite levava isso em conta, e os SEALs sabotaram sinais de internet, aparentemente numa tentativa de cortar a comunicação assim que o assalto começasse. Mas isso se mostraria um engano.
Dentro do complexo, alguns guerrilheiros do al-Shabaab estavam acordados e conectados. De acordo com reportagem do Toronto Star, quando a internet repentinamente caiu no meio da noite, eles procuraram a origem do problema. Pelo menos um guerrilheiro saiu, e enquanto andava na escuridão avistou alguns SEALs.
O plano de derrubar a internet e isolar os guerrilheiros saiu pela culatra, e ssoou como um aviso ao al-Shabaab; nos dias após o ataque, o al-Shaabab prendeu um punhado de homens locais que sabidamente visitavam sites ocidentais, acusando-os de espionar e ajudar os americanos.
A troca de fogo durou muitos minutos, e membro do al-Shabaab descarregaram suas armas na escuridão durante horas depois dos americanos baterem em retirada de mãos vazias.
No espaço de poucas horas, os Estados Unidos lançaram dois ataques – um exitoso, outro não – separados por 3 mil milhas, em nações com as quais não está em guerra. Pouquíssimos notaram isso.
A origem
Doze anos depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, é assim que se dá a guerra dos Estados Unidos: com ataques silenciosos e assaltos sombrios. O Congressional Research Service, um ramo analítico da Biblioteca do Congresso americana, recentemente relatou ter localizado pelo menos 30 ocorrências similares, embora o número de ações encobertas provavelmente seja muitas vezes maior, incluindo ataques por drones (veículos aéreos não tripulados) e outras operações secretas. Assim, o extraordinário tornou-se comum.
A Casa Branca declarou que ambas as operações, da Líbia e da Somália, seguiam a autoridade que lhes é conferida pela Autorização para Uso de Força Militar, uma peça de legislação de 12 anos de idade que foi rascunhada nas primeiras horas após os ataques do 11 de setembro. No cerne da autorização está uma única frase de 60 palavras, que estabeleceu a base legal para quase toda operação contraterrorista que os EUA conduziram desde o 11 de setembro.
Da Baía de Guantanamo e ataques com drones até rendições secretas e assaltos dos SEALs; tudo se baseia nessas 60 palavras.
Sem limites de tempo ou de espaço, a frase tem sido comprimida e expandida ao longo da última década, permitindo novos significados e interpretações. Dois governos sucessivos pretendem se manter atentos a uma ameaça em evolução enquanto simultaneamente buscam a segurança nacional. No processo, uma frase que inicialmente foi pensada para autorizar o uso da força contra a al-Qaeda e o Talibã no Afeganistão agora é usada para justificar operações em vários países por vários continentes e, pelo menos teoricamente, pode permitir o presidente – qualquer presidente – ataque qualquer lugar a qualquer momento.
O que foi escrito em alguns dias de medo, agora comanda anos de ações.
Como a maioria das histórias modernas da América em guerra, esta história começa sob a sombra do 11 de setembro, com um advogado e um documento de Word.
O advogado e seu assessor
Cerca de 24 horas depois do voo 175 da United se chocar contra a torre sul do World Trade Center, às 9:03 da manhã de 11 de Setembro, Alberto Gonzalez, o conselheiro da Casa Branca, chamou um de seus assessores em seu escritório.
Os EUA não sabiam com certeza o que estava por trás dos ataques ou quantas pessoas haviam morrido. A CIA cogitava ser a rede da al-Qaeda, de Osama bin Laden, e um relatório estimava o número de mortos em mais de 5 mil. Apenas uma dessas hipóteses era verdade. Mas, naquele primeiro dia, a única coisa que todo mundo sabia com certeza era que os EUA tinham sido atacados. E tinham que responder.
Gonzales então delegou uma parte fundamental da tarefa a Timothy Flanigan, um advogado grisalho e um pouco barrigudo de 48 anos com antecedentes no direito empresarial. Ele queria que seu assessor rascunhasse a resolução parlamentar que autorizaria o presidente a perseguir os responsáveis.
Flanigan ouviu às instruções, mas sentiu-se alheio. Ele havia assessorado Warren Burger nos últimos anos do ministro da Corte Suprema, entre 1985 e 1986, mas a maioria dos casos se focavam em leis anti-truste e regulação de livrarias, não em segurança nacional ou guerra. No entanto, ele pelo menos sabia por onde começar, afinal o Congresso já tinha uma longa história de autorização do uso da força. O que ele precisava era de um precedente.
Depois de uma rápida procura na rede, Flanigan descobriu quando o Congresso dera autorização para o presidente atacar militarmente pela última vez: a Autorização para Uso de Força Militar contra o Iraque, em 1991. Então, segundo o livro “500 days”, de Kurt Eichenwald, ele copiou e colou o texto daquela resolução em um novo documento.
Depois, Flanigan chamou David Addington, um homem reservado e ranzinza do escritório do vice-presidente Dick Cheney. Addington começara sua carreira como advogado na CIA e tinha um tato melhor para os problemas em questão. Outro oficial mais apropriado para o caso era John Yoo, um professor de Direito de Berkeley de 34 anos que assegurara um posto na Casa Branca de Bush por causa de seus criativos argumentos legais no caso Bush vs Gore, um ano antes. Juntos, os três forjaram um primeiro projeto da resolução, que enviaram aos líderes do congress, por fax, naquela mesma noite.
Quase ninguém gostou da oferta inicial de Flanigan. Todos estavam sobrecarregados, e caças ainda patrulhavam os céus de Washington, mas o Congresso não estava pronto para dar ao presidente George W. Bush um cheque em branco para perseguir um inimigo indefinido.
Assim, em uma reunião dos democratas no Capitólio, muitos partidários reclamaram que o vocabulário era amplo demais. Os republicanos tinham a mesma preocupação: um trecho do texto de Flanigan autorizava o presidente a “usar toda força necessária e apropriada” tanto nos Estados Unidos quando no exterior. “O que exatamente isso significa?”, oficiais perguntaram. “O presidente Bush poderia usar o exército nacionalmente? E a CIA?”. Ninguém parecia saber.
Flaingan e Yoo passaram, então, boa parte da quinta-feira, 13 de setembro, levando o curto texto para membros do Congresso assustados e privados de sono. Em um dos encontros, no Salão Roosevelt, os ânimos se exaltaram enquanto Flanigan e Yoo tentavam defender sua proposta. No dia anterior, o líder da maiora no senado, Tom Daschle, alertou o presidente Bush a ser cuidadoso com sua retórica, particularmente com o uso da palavra “guerra”. Sua equipe passou então a pedir que a resolução tivesse o mesmo linguajar da Resolução de Poderes de Guerra, aprovada pelo Congresso na véspera da Guerra do Vietnã como uma forma de checar os poderes ao presidente de declarar guerra unilateralmente.
Apertados em volta de uma longa mesa de madeira diante de com um retrato de Theodore Roosevelt com o uniforme da Primeira Cavalaria durante a Guerra Hispano-Estadunidense, os dois lados partiram para o trabalho. No meio da reunião, uma dos assessores do senador Patrick Leahy retornou à linguagem da Resolução de Poderes de Guerra, que já havia sido debatida à mesa diversas vezes. Aquele era um entrave.
Nada estava acertado, e a frustração em volta da mesa crescia. Finalmente, Scott Palmer, chefe de gabinete do presidente da Câmara, Dennis Hastert, falou: “Não temos tempo para isso!”.
Palmer, um homem de 50 anos, via seu papel na reunião como um mediador e um incentivador. Seu chefe era o segundo na ordem de sucessão presidencial, e ele estava convencido de que os EUA seriam atingidos de novo. A discussão no salão Roosevelt estava travada por burocracia legislative, quando o país necessitava de ação.
“Vamos fazer um seminário no próximo mês”, Palmer sugeriu. O tom de sua voz se devia à crença de que fora exatamente esse tipo de pensamento estreito que levou à muralha de inteligência nos anos anetriores ao ataque (Nota do tradutor: o autor fala sobre a falta de compartilhamento de informações entre as diversas agências de segurança e defesa americanas. A maior expressão disso é a investigação do FBI sobre Osama bin Laden quando a CIA já sabia que a al-Qaeda estava presente em solo americano).
Mas naquele momento a missão não era atacar erros passados, e sim dar ao presidente a abertura que ele necessitava para ir em busca dos responsáveis.
O rompante de Palmer deu fôlego à reunião. Quando o encontro acabou, um oficial da Casa Branca disse. “Obrigado por isso. Poderíamos ter ficado aqui a noite toda”.
Os congressistas
Mais tarde, naquela mesma noite, a Casa Branca e o Congresso tinham uma espécie de projeto em andamento. Eles inclusive acharam um consenso para uma das frases mais vergonhosas, que daria ao presidente a autoridade “de dissuadir e antecipar-se a qualquer ato futuro de terrorismo e agressão contra os Estados Unidos”.
Juristas do Congresso apontaram que a cláusula daria poderes sem precedentes ao presidente, permitindo que ele atacasse qualquer um, em qualquer lugar do mundo, a qualquer hora. Um deles inclusive argumentou que dadas as atividades em potencial que circundariam a palavra “agressão”, o presidente talvez nunca mais teria que pedir autorização ao Congresso para combater o terrorismo. Poderia simplesmente apontar alguém que considerasse uma ameaça e dizer que estava se antecipando aos terroristas. O Congresso realmente queria permitir um poder tão indeterminado e amplo?
Flaning e Yoo concordaram em remover a cláusula, mas sob a condição que eles colocariam algo similar na sessão de casuísmos da resolução. Convencidos de que aquilo era o máximo que conseguiriam, e confortados pelo fato de a sessão de casuísmo não carregar tanto peso legal – ela existia apenas para dar contexto para a resolução –os negociadores democratas concordaram.
Então levaram o projeto revisado – cinco cláusulas de casuísmos, o corpo de 60 palavras, e a seção de Poderes de Guerra – de volta para o porão do Capitólio, para uma segunda conferência democrata do dia. Horas antes, uma ameaça de bomba forçou o Capitólio a ser fechado por 45 minutos, enquanto a segurança vasculhava o prédio. Amontoados no gramado do lado de fora, em sapatos e ternos desenhados para corredores e escritórios, os congressistas tentavam manter a compostura. Mas, como o resto do país, eles queriam revidar.
“Que bombardeiem eles até o inferno”, dissera o senador democrata pela Georgia, Zell Miller, ao The New York Times um dia antes. “Se houver um dano colateral, que seja. Eles certamente acharam nossos civis dispensáveis”.
Mas nem todo mundo tinha tanta certeza. Barbara Lee, uma congressista de cabelo curto preto e a voz rouca de toda uma vida de ativismo, ficou em silêncio durante a primeira conferência. Já tinha gente suficiente falando e ela, enquanto congressista pelo segundo mandato da liberal São Francisco, na Califórnia, era relativamente novata. Mas então, enquanto o apoio à resolução parecia ganhar força, ela decidiu falar.
Lee sabia que sua posição seria impopular, mas ela já tinha sido impopular antes. Quando criança em El Paso, no Texas, durante os anos 1950, sua mãe a mandou para uma escola católica. Mais tarde, quando era estudante colegial, quebrou as barreiras raciais tornando-se a primeira cheerleader negra da escola.
“Isso ainda é um cheque em branco”, ela disse. Os rostos que a olhavam de volta pareciam carrancudos e reflexivos, mas Lee podia sentir a torrente de raiva correndo a sala. “Vamos dar um passo atrás”, ela clamou. “Não sabemos quais serão as implicações de nossas ações”.
Alguma cabeças começaram a menear enquanto ela falava, e logo que ela sentou vários outros membros levantaram suas preocupações sobre os perigos inerentes a tal resolução.
Mas, no final da reunião, estava claro qual seria o teor da resolução –uma única frase de 60 palavras:
“Que o Presidente está autorizado a usar toda força necessária e apropriada contra aquelas nações, organizações ou pessoas que ele determinar ter planejado, autorizado, engajado ou ajudado nos ataques terroristas que ocorreram em 11 de setembro de 2001, ou que tenham abrigado tais organizações ou pessoas, com fim de prevenir futuros atos de terrorismo internacional por tais nações, organizações ou pessoas.”
Assim foi. Depois de um dia de negociações entre a Casa Branca e o Congresso, republicanos e democratas, isto foi o que surgiu. O Congresso poderia aceitar ou dispensar isso. Não haveria volta atrás.
Lee passou a maioria da noite ao telephone. O Congresso estava avançando com a resolução, e ela querea ter noção de como seu distrito na Califórnia estava pensando. “Eu não acredito nisso”, dizia ao telefone. “Eu estou perdendo algo?”, nenhum dos amigos tinha uma resposta. Eles podiam dizer o que ouviam na Califórnia. Masninguém queria dar-lhe um conselho. Era seu voto, e a decisão tinha que ser sua.
O Senado agiu primeiro. Logo cedo na manhã de sexta-feira, o líder da minoria, Trent Lott, foi até Daschle com uma demanda: os republicanos em sua bancada estavam ficando impacientes. A Casa Branca dizia para aliados no Congresso que a resolução estava pronta. Mas três dias após os ataques, os membros de Lott estavam cansados de esperar. Queriam ação.
Se Daschle queria que o Senado fosse uníssono, ele deveria convocar uma votação. De outra forma, Lott disse a ele, alguns republicanos poderiam começar a agir. Geralmente a votação de algo desta natureza começava na Casa dos Representantes antes de passar pelo Senado e ir ao presidente. O protocolo já estava fora de ordem. Daschle concordou com a avaliação de Lott e quando o Senado voltou em sessão às 10h16 da manhã de sexta, ele já estava com a resolução.
“Deixem me dizer antes de ler esta demanda…”, Daschle disse, enquanto mexia com seus óculos de leitura, “…o quanto eu aprecio, mais uma vez, a liderança de nosso líder republicano”. Olhando de relance do outro lado do corredor onde Lott estava em pé, na Câmara meio vazia, Daschle continuou: “Nós não poderíamos estar onde estamos hoje, este país ou esta instituição, sem a forte parceria e liderança que ele tem mostrado”.
A Casa Branca havia organizado um culto na Catedral Nacional para meio dia, e num esforço de poupar tempo, Daschle pediu que os senadores votassem desde suas mesas: o dia estava horrendo e chuvoso, e eles tinham um trajeto de 15 minutos até o subúrbio. “Queremos entrar nos ônibus o mais rápido possível após esta votação”, Daschle disse aos colegas. “Estarão logo abaixo das escadas”.
Carl Levin, um robusto senador de 67 anos do Michigan colocou seu óculos quadrados sobre o nariz e dirigiu-se ao plenário. “Esta autorização para o uso de força é limitada às nações, organizações ou pessoas envolvidas nos ataques terroristas de 11 de setembro”, disse. “Não é uma autorização ampla para o uso de força militar contra qualquer nação, organização ou pessoa não envolvidas nos ataques terroristas de 11 de setembro”.
Mais tarde, o colega democrata de Levin, Joe Biden, passou para o The New York Times sua interpretação do que o Senado havia aprovado. A presente resolução, alegou Biden, não era nada como a Resolução do Golfo de Tonkin de 1964, que foi usada para justificar a escalada militar no Vietnã por quase sete anos até ser revogada em 1971.
O Senado, Biden e democratas experientes como John Kerry sugeriram ter aprendido esta lição. Ninguém queria outro Vietnã. É por isso, afinal, que eles insistiram que Flanigan e Yoo adicionassem o texto dos Poderes de Guerra. Mas, na pressa de elaborar e votar a resolução, ninguém teve como inserir um limite de tempo para esse uso da força militar.
A autoridade legal que o Congresso cedia ao presidente duraria até o Congresso recolhê-la. Não havia data limite, apenas uma sentença vaga e a ampla autoridade de “usar toda força apropriada e necessária”.
Em 14 de setembro de 2001, ninguém sabia como que a guerra iria eventualmente acabar; apenas que ela precisava ser começar.
Oração e dilema de uma democrata
Assim como Daschle esperava, a votação acabou em poucos minutos. Todos os 98 senadores presentes votaram a favor e Jesse Helms, que esteve preso no trânsito na maioria daquela manhã, mais tarde esteve no plenário do Senado para dizer a seus colegas que ele teria votado “sim”. Apenas Larry Craig, de Idaho, não votou nem justificou sua ausência.
Do outro lado do prédio, no vestiário democrata, Lee ainda se debatia com seu voto. Ela já tinha desistido de passar no memorial. A votação estava agendada para o sábado, e ela queria passar o dia fazendo ligações e pensando no que fazer.
Enquanto todos estavam se juntado para entrar no ônibus, Lee tomava um refrigerante de gengibre em lata e papeava com Elijah Cummings, um próximo de Maryland. “Você vai?”, Cummings perguntou. “Bem”, Lee hesitou. “Eu acho que vou ficar”. Porém, no mesmo momento, ela soube que tinha que ir. Tinha de estar presente. “Sabe de uma coisa? Eu vou”.
Dentro da catedral neo-gótica na Avenida Wisconsin, Lee achou um lugar à esquerda, muitas fileiras atrás do grupo de ex-presidentes. Pelos 30 minutos seguintes, enquanto a igreja lentamente se enchia, ela sentou quieta ouvindo o órgão e rezando. Umas poucas pessoas choravam, e muitas sussurravam suavemente um cochicho apagado, que podia ser ouvido entre os hinos.
A reveranda Jane Holmes Dixon começou o culto com uma leitura rápida e uma oração. O próximo orador, Nathan Baxter, um padre de terceira geração e reitor da catedral, adotou um roteiro similar, lendo o trecho de Jeremias 31:15 : “Ouve-se uma voz em Ramá, lamentação e amargo choro; é Raquel, que chora por seus filhos e recusa ser consolada, porque os seus filhos já não existem”.
O alto padre afro-americano pausou rapidamente e olhou a catedral escurecida enquanto passava o texto de Jeremias para suas próprias palavras. “Agora vamos procurar esta certeza na oração”, ele disse vagarosamente, em um tom propositalmente grave. “Que enquanto nós agirmos, não nos tornemos o mal que deploramos”.
“É isso!”, Lee pensou em seu assento. Por mais de 24 horas, ela tinha procurado por um motivo para votar “não”. Em seu coração, sabia que era o certo a votar, mas ela não esteve apta a articular como. As palavras de Baxter fizeram isso por ela: “Que enquanto nós agirmos, não nos tornemos o mal que deploramos”.
Ela estava tão furiosa e fragilizada quanto qualquer um. Seu chefe de gabinete perdeu um sobrinho quando o voo 93 caiu na Pensilvânia. Mas queria uma resposta adequada, não um cheque em branco para uma guerra perpétua. Outra coisa a incomodava ali: muitos dos oradores pareciam mais focados na retaliação que na memória dos mortos. “Esse era para ser um culto memorial”, Lee pensou. “Não um culto de corrida para a guerra”
Parte da tônica era deliberada. O presidente Bush e seus assessores queriam lançar uma nota de repúdio. Em suas próprias palavras, Bush deu voz à atitude que definiria sua administração. “Apenas três dias se passaram destes eventos, os americanos não possuem a distância da história”, ele disse no átrio da catedral. “Mas nossa responsabilidade com a história já é clara: responder a esses ataques e varrer o mundo do mal”.
Quando Bush desceu, todos se levantaram. O mármore e a pedra ecoaram enquanto a congregação cantava “The Battle Hymn of the Republic”:
Meus olhos viram a glória da vinda do Senhor,
Ele retira o parreiral onde as vinhas da ira estão,
Ele soltou o fervoroso trovão de
sua terrível palavra hábil
Sua verdade está marchando
Naquela tarde, Lee recebeu uma ligação em seu escritório. A votação que tinha sido marcada para sábado fora adiantada. As horas de preparação com as quais contava para ajustar seu discurso no plenário se foram. Se ela quisesse falar, teria que descer imediatamente.
No Comitê de Relações Internacionais da Casa, Stephen Rademaker, conselheiro-chefe do comitê, recebeu uma mensagem similar. Sob circunstâncias corriqueiras, Rademaker, um advogado alto e magro com a desenvoltura de um corredor de longa distância, teria a iniciativa de fazer o projeto da resolução, uma vez que seu comitê detinha a jurisdição para uso de força militar.
Mas a Casa Branca estava a cargo da redação, e Rademaker era um espectador.
Mesmo que a habilidade legal de Rademaker não tenha sido exercida na elaboração da resolução, ele sabia que aquele seria um voto histórico. O republicano imediatamente pensou em seu filho mais velho, Andrew, um calouro do colegial no outro lado do rio, na Virginia. “Você deveria vir para ver isso”, Rademaker disse, quando falou com ele ao telefone. “Claro”, ele disse ao pai. “Vou depois da escola hoje”. “Sem pressa”, Rademaker respondeu. “Essa coisa pode demorar um pouco”.
No plenário da Casa, Lee rascunhava precipitadamente seu discurso em folhas soltas de caderno. Escreveu um parágrafo rápido e começou um segundo antes de hesitar; rasurou meia linha. Lee escreveu por alguns minutos, pausando de quando em quando para passar uma linha em algo escrito do que não gostara. Encheu duas páginas com anotações, e então adicionou uma única linha a uma terceira folha. Estava pronta.
Às 5h45 da tarde de sexta-feira, a Casa foi chamada à ordem. Uma das amigas mais próximas de Lee, Eleanor Holmes Norton, uma mirrada congressista de 64 anos, da convenção negra do Distrito de Columbia, falou antes no debate. “O texto ante nós é limitado apenas pela tênue âncora de sua referência ao 11/9, mas permite guerra contra qualquer e toda pessoa ou entidade”, alertou. “A questão é dar ao presidente a autoridade de fazer o que ele tem de fazer, não o que ele quiser fazer”.
Mas, a pesar de todas as preocupações de Norton quando à “tênue âncora” e de como o texto poderia ser maleável para ir atrás daqueles que não tinham nada a ver com os ataques, ela ainda assim votou pela autorização do presidente a usar “toda força necessária e apropriada”.
Lee subiu na tribuna sete minutos depois. “Eu levanto-me hoje, realmente, com um coração muito pesado”, disse, enquanto a emoção arranhava sua voz. Então, do poço da Casa de Representantes dos EUA, começou a chorar. A mãe de dois filhos, que havia sofrido e rezado pelo seu voto, largou o microfone e repuxou nervosamente as lapelas de sua jaqueta enquanto lutava para recuperar o autocontrole. Respirar fundo ajudou.
“Embora este voto possa ser difícil”, disse, com a voz mais estabilizada, “alguns de nós devemos instar o uso do óbice. Nosso país está em estado de luto. Alguém tem que dizer, ‘Vamos dar um passo atrás por um momento, vamos pausar, apenas por um minuto e pensar nas implicações de nossas ações hoje, de modo que elas não se tornem algo fora de nosso controle”. Lee encerrou seu breve testemunho com a fala de Baxter, aquela que a convenceu a votar com seu coração. “Que enquanto nós agimos”, ela disse, “não nos tornemos o mal que deploramos”. No vestiário, após seu pronunciamento, muitos amigos de Lee vieram até ela e imploraram que ela reconsiderasse. “Você tem feito tanto [na área] de HIV e AIDS, que isso irá decair se você não estiver aqui”, implorou im colega. “Não deixe este voto te derrubar”.
Andrew Radmaker, então com 14 anos, assistia ao debate na Casa desde o mezanino sobre o plenário. Ele seguiu o conselho do pai, e esperou para jantar antes de pegar o metrô para Washington D.C. As elaboradas medidas de segurança que viriam a definir os EUA pós-11/9 ainda não tinham sido implantadas, e ele passou apenas por um único detector de metais, e caminhou direto para a galeria da Casa.
Abaixo dele, o debate se estendia por horas, enquanto os representantes esperavam sua vez de declararem publicamente o apoio deles ao uso da força militar. Alguns quiseram declarar guerra – uma sugestão que havia sido descartada dias antes, já que ninguém sabia a quem declarar guerra – e alguns queriam que se extirpasse o terrorismo de onde quer que ele existisse. Mas todos apoiavam o uso da força.
Lee voltava para seu gabinete quando a votação final foi anunciada: 420 a 1. Os acenos de concordância que ela tinha visto no porão do Capitólio na noite anterior tinham desaparecido no plenário da Casa. E os “alguns” de Lee tornaram-se apenas uma. Dos 535 membros eleitos no Congresso, ela foi a única a votar “não”.
Quase instantaneamente, seu telefone começou a tocar. “Eu sabia que era você”, disse-lhe a ex-sogra. Ela estava assistindo à CNN quando a emissora noticiara que a Câmara dos Deputados tinha acabado de aprovar a Autorização por 420 votos a 1. “Eu sabia que você era o 1”. O pai de Lee, um tenente-coronel aposentado que lutou na II Guerra Mundial e na Coreia, ligou logo depois: “Estou orgulhoso de você”.
Lee não ligou para o pessoal mais próximo da família na noite anterior, durante sua tempestade de telefonemas, ressabiada que a tentassem convencer a não se opor à resolução. O que seu pai disse representou um suporte como pai e como ex-oficial militar, e significou muito para ela; lembraria daquelas palavras mesmo nas semanas seguintes, como uma mensagem de conforto dentre as milhares de ameaças de morte e telefonemas raivosos que inundaram seu gabinete.
Andrew Rademaker encontrou seu pai após a votação. O Comitê de Transporte estava debatendo uma lei emergencial de apropriação, e Andrew queria ficar e assistir. Pelas próximas horas, os membros exaustos do comitê lutaram e discutiram sobre bilhões de dólares que alguns acreditavam serem necessários para salvar a indústria de aviação de um colapso imediato.
Finalmente, pouco depois da meia noite, o debate estava resolvido. Saindo da câmara, Rademaker, que ainda estava agindo como legislador, começou a explicar ao filho tudo que ele viu naquela noite: o voto que autoriza o uso de força militar e o debate de apropriação. A chuva da manhã tinha acabado e praticamente não havia tráfico na noite enquanto os dois dirigiam sobre a ponte para Virginia.
Do assento do motorista, Rademaker viu o Pentágono, que exalava fumaça até o céu. Desacelerando num capricho, ele parou perto do Cemitério Nacional de Arlington, estacionando o carro numa pequena colina que visava Washington. Rademaker desistiu de sua explicação dos trâmites da casa e o que a votação significava para o país. Não havia mais nada a dizer. Junto com seu filho, saiu do carro e olhou para além da costa até o buraco no Pentágono. Fumaça, entulho e uma bandeira americana gigante.
Ataque por antecipação
Em 18 de setembro, o presidente Bush assinou a lei autorizando-o a usar “toda força necessária e apropriada”.
Uma semana depois, em 25 de setembro, John Yoo escreveu um memorando para Timothy Flanigan. Yoo queria reestabelecer os antecedentes que Daschle e o Congresso os forçaram a colocar na sessão de casuísmos durante as negociações, oficialmente tirando o peso legal daqueles pontos. O memorando de Yoo, menos de duas semanas depois, deu a volta no bloqueio de Daschle e mais uma vez deu cobertura legal à ideia de prevenção. “O presidente”, Yoo escreveu, “pode destacar força militar antecipadamente contra organizações terroristas ou os Estados que abrigam ou os apoiam, estejam ou não ligados especificamente ao ataque terrorista de 11 de setembro”.
Nas páginas de prosa legal densa que se seguiam, Yoo reconheceu que enquanto a Autorização é limitada apenas a inimigos ligados aos ataques de 11 de setembro, o presidente na verdade tinha grande liberdade de ação baseado em seus poderes como comandante-em-chefe doas Forças Armadas, segundo o artigo 2º da Constituição Americana.
Robert Chesney, um professor experiente em legislação de segurança nacional na Universidade do Texas, descreveu essa ideia para mim como sendo a “abordagem de cinto e suspensório”: uma redundância que permitiria uma grande flexibilidade. Quando a Autorização foi aprovada, o governo Bush contava com sua própria leitura expansiva da autoridade do presidente, usando o 2º artigo.
Para Yoo, isso significava que o presidente poderia realizar “qualquer ação ele julgar apropriada” no que tocasse combate ao terrorismo. Ele poderia matar quem quisesse, quando quisesse, onde quisesse. De maneira rasteira, a análise legal de John Yoo parafraseava a famosa frase de Richard Nixon que “quando o presidente faz, significa que não é ilegal”.
Durante anos, um pequeno porém sincero grupo de acadêmicos jurídicos e especialistas de outras áreas militaram contra a ideia de Yoo. Eles discutiram em conferências e escreveram artigos abertos, mas não tinham o menor poder real, e nem a habilidade para conseguir alguma mudança de fato. Finalmente, no final do segundo mandato de Bush, viram uma oportunidade de influenciar a política para o próximo governo. Em 15 de setembro – quase 7 anos aos o dia em que a Autorização foi aprovada – um destes acadêmicos entrou em um trem da Amtrak em New Haven, Connecticut, para uma viagem de cinco horas e meia para Washington D.C.
No dia seguinte, Harold Koh, um homem intenso e baixo, de cabelo liso preto que caía do lado direito de sua testa, ocupou seu assento na mesa das testemunhas frente ao Comitê Judiciário do Senado. Reitor havia 53 anos da escola de Direito de Yale, ele tinha a reputação de um brilhante jogador diante de grandes oponentes, geralmente mais impetuoso em humilhar aqueles que discordavam com ele do que simplesmente refutá-los.
Encarando o comitê, caracterizou-se pela franqueza, chamando a Autorização de “lei amplamente palavreada” que o governo Bush usou “para justificar a vigilância da Agência de Segurança Nacional, detenções indefinidas e tortura de detentos estrangeiros”. Mas, com as eleições presidenciais próximas, Koh estava ansioso em dar seus conselhos. Redigiu seus comentários cuidadosamente, mas enquanto ex-secretário-assistente do Departamento de Estado do governo Clinton, era claro que preferia Barack Obama a John McCain. O próximo governo, Koh disse, deveria ser muito cuidadoso para não “interpretar a vagamente palavreada Resolução de Autorização para o Uso de Força Militar de modo a sobrepor a legislação existente”. A Autorização já estava em vigor havia mais tempo do que a Resolução do Golfo de Tonkin, da era do Vietnã, e não havia previsão de fim.
Koh estabeleu o que ele via como a questão-chave. “Por mais difíceis que os últimos sete anos tenham sido, eles têm uma influência muito menor no grande esquema das coisas que os próximos oito, os quais determinarão se o pêndulo das mudanças políticas dos EUA balança de volta de um ponto extremo para onde foi empurrado ou se estanca em uma ‘nova posição normal’”.
Obama e o novo “normal”
Dois dias depois de Barack Obama fazer o juramento de posse no mezanino do prédio do Capitólio, ele colocou o conselho de Koh em ação. Em seu testemunho, Koh recomendou que “assim que o novo presidente ocupe o gabinete, ele deve encaminhar ordens executivas”, incluindo o fechamento da Baía de Guantánamo.
Sentado no Salão Oval, em 22 de janeiro de 2009, o president Obama fez justamente isso. Assinou algumas ordens executivas anunciando sua intenção de fechar Guantánamo em um ano e instalar uma força-tarefa para revisar os casos correntes contra detentos.
O complexo de detenção na Baía de Guantánamo é um dos melhores exemplos do poder imprevisto das 60 palavras no cerne da Autorização.
Como um experimento científico sem controle, as palavras desta frase passaram por mutações no decorrer dos anos, ramificando novos sentidos e interpretações nunca previstos quando Timothy Flanigan copiou e colou o texto, em 12 de setembro de 2001.
Em junho de 2004, mais de dois anos depois que Bush abriu Guantánamo, a corte Suprema decidiu no caso Hamdi versus Rumsfeld que, uma vez que o Congresso deu ao presidente o poder de matar, ele também garantiu, pelo menos implicitamente, o poder de captura e detenção.
O Congresso aderiu à expansão da corte, endossando outra implicação dois anos mais tarde. Em 2006, a Casa determinou que comissões militares tinham jurisdição sobre a al-Qaeda, o Talibã e o que veio a ser chamado “forças associadas”, uma categoria ampla de inimigos que foram aliados da al-Qaeda ou do Talibã.
A “âncora tênue” de Eleanor Norton, na qual o texto da lei se agarrava àqueles responsáveis pelos ataques de 11 de setembro, finalmente se soltou. E a Autorização foi transformada em uma espada larga que poderia ser usada contra uma ampla variedade de grupos, muitos dos quais nem existiam em 9/11 de 2001.
O fato de que aquelas 60 palavras não mencionavam autoridade de detenção ou forças associadas não importava mais. A sentença continuou a mesma. Mas seu significado mudou.
Ao final do governo Bush, até alguns membros que inicialmente eram a favor de uma leitura ampla da autoridade, começaram a se preocupar com o fato de que boa parte da estratégia contraterrorista dos EUA estar baseada em uma fundação tão frágil.
“É como uma árvore de Natal”, disse John Bellinger III recentemente. “Todo tipo de coisa está dependurada naquelas 60 palavras”.
Bellinger, que trabalhou junto com Condoleezza Rice primeiro no Conselho de Segurança Nacional e depois no Departamento de Estado, preferiu revisar e atualizar a Autorização em vez de simplesmente revogá-la, uma medida drástica que ele considerava perigosa.
Em 2010, escreveu um artigo no Washington Post argumentando que o governo Bush nunca procurou atualizá-la porque “não queria trabalhar com o poder legislativo”.
Supunha-se que Obama fosse mudar tudo isso. Ele era o presidente da esperança, o homem que restauraria a reputação da América e mais uma vez recuperaria um respeito saudável pela aplicação da lei.
No dia seguinte à sua posse, a página editorial do The New York Times elogiou Obama por ter levado “menos de 12 horas” para ordenar a cessão dos tribunais militares de Guantánamo. Acontece que, o jornal publicou, fechar Guantánamo não era realmente “tão difícil”. Tudo que foi necessário era um presidente ter coragem de suas convicções, alguém disposto a fazer o que era certo.
Porém, dentro do novo governo, as coisas pareciam um pouco diferentes. O presidente havia fechado os tribunais e ordenado que a Baía de Guantánamo fosse fechada, mas depois resolveu deixar seus assessores e nomeados para descobrirem os detalhes. Nenhum deles sabia o que seu chefe queria; quando pediam uma diretriz para a Casa Branca, suas perguntas ficavam sem respostas. “Foi um processo realmente disfuncional”, disse um ex-membro do governo. “Havia uma falta de liderança e engajamento da Casa Branca. Foi um ano perdido de trabalho – um monte de discussões inconclusas, e poucas decisões”.
Obama também tinha prazo. Um detento argelino em Guantánamo estava recorrendo da sua detenção e John Bates, um juiz distrital de corte em D.C., havia dado até 13 de março para o governo responder. Com quem exatamente, o juiz perguntou em essência, os EUA estavam em guerra? Nenhum dos advogados de Obama achou que tinha tempo suficiente, mas o juiz já havia dado um prazo extra, e eles precisavam de uma resposta. O que eles arranjaram foi uma definição de 93 palavras que tentava articular muitos dos adendos que foram inseridos à Autorização nos últimos anos.
Durante este tempo, a lista de inimigos havia crescido significativamente. Além daqueles responsáveis pelos ataques de 11 de setembro – al-Qaeda e Talibã no Afeganistão – os EUA estavam efetivamente em guerra com uma ampla e abrangente categoria de “forças associadas”.
Os advogados do governo também alegaram que os EUA poderiam deter – o que significava também assinalar para matar – qualquer um que “substancialmente apoiou” qualquer uma das três categorias de inimigos, mas não conseguiram esclarecer exatamente o que constituía “apoio substancial”. Os EUA também poderiam perseguir qualquer um que tenha colaborando em ataque contra um “parceiro de coalizão”, bem como “qualquer pessoa que tenha cometido ato beligerante”, o que eles também não definiram.
Oito anos em guerra e os inimigos se multiplicaram.
O juiz Bates, um homem cerimonioso de pescoço longo que foi nomeado para o tribunal por George W. Bush nos meses seguintes ao 11/9, rejeitou a recusa do governo em definir tanto “forças associadas” quanto “apoio substancial”. Ambos os conceitos ampliaram drasticamente o foco da Autorização e a quem os EUA poderiam matar. E o juiz queria saber exatamente o que o governo queria dizer.
Mas, ele escreveu em seus apontamentos, ficou claro que o governo não tinha nenhuma “justificativa definitiva para o conceito de ‘apoio substancial’ na lei de guerra”. Bates disse que estava aberto à ideia de forças associadas, mas que isto teria que significar mais que uma “organização terrorista que meramente compartilha uma filosofia abstrata ou até mesmo um propósito em comum com a al-Qaeda – deveria haver uma associação real no conflito corrente com a al-Qaeda e o Talibã”.
Bates emitiu sua opinião em 19 de maio de 2009. Dois dias depois, Barack Obama entrou na cúpula de calcário e mármore do Arquivo Nacional americano para dirigir-se à nação. Abaixo de alguns murais de Barry Faulkner ilustrando a Declaração de Independência e a Convenção Constituinte, Obama jurou não repetir os erros do governo Bush.
“Os últimos oito anos estabeleceram uma abordagem legal imediatista na luta contra o terrorismo que não tem sido eficaz e nem sustentável”, disse. “Nosso governo tomou decisões baseadas mais no medo que em uma perspectiva real”. Isto, o presidente prometeu, mudaria sob sua responsabilidade.
Em disputa, a essência do governo Obama
Para ajudá-lo a tornar isso realidade, Obama convidou Harold Koh, o acadêmico jurídico de Yale, para juntar-se ao seu governo como consultor jurídico do Departamento de Estado. A nova posição de Koh o levou a um conflito direto com outro advogado da equipe de segurança nacional de Obama. Aos 51 anos, Jeh Johnson era um procurador careca que esteve com Obama desde o começo.
Durante as primárias democratas, Johnson rompeu seus laços com a família Clinton, que lhe havia dado seu primeiro cargo de alto escalão, para entrar na campanha de Obama. O presidente nunca esqueceu a sua coragem nem o dinheiro que Johnson trouxe quando Obama mais precisava. Antes mesmo de fazer o juramento em janeiro, o presidente havia insinuado que Johson seria conselheiro-geral no Departamento de Defesa.
Desde que Koh chegou a Washington, no final de junho, os dois se estranharam tanto institucionalmente quanto por seus temperamentos. Agressivo e geralmente deliberadamente brusco, Koh representava o Departamento de Estado mais progressista, o que procurava que os EUA agissem mais de acordo com seus aliados internacionais. Johnson tinha uma qualidade de camaleão que o levou a adotar a mentalidade daqueles que ele representava, no caso os conservadores, entusiastas da segurança do Departamento de Defesa.
Junto a outros membros do governo, por todo o verão e inverno de 2009, os dois se debateram em quase todos os aspectos da legislação de segurança nacional dos EUA, com Koh intensamente marcando uma posição progressista e Johnson, a de conservador. Ninguém nunca falou abertamente, mas todos pareciam perceber que eles lutavam pela essência da presidência de Obama.
Como um presidente democrata deveria combater a al-Qaeda? Quem ele deveria matar e quem deveria capturar? Havia diferença entre os dois casos, ou ele deveria estar apto a matar qualquer um que possa legalmente deter? E o mais importante de tudo: o que significava para uma democracia estar em uma guerra de várias gerações contra um grupo terrorista?
Era a tentativa de Koh de puxar o pêndulo dos anos Bush de volta à normalidade. Johnson também queria que ele voltasse, porém menos. Ambos concordavam que os EUA poderiam perseguir as “forças associadas” à al-Qaeda, mas e quanto os aliados desses associados? Quão próximo ao 11/9 precisa estar um alvo para ser legal atacá-lo? Afinal, a lei era explícita em autorizar força apenas contra aqueles responsáveis pelos ataques – que foram planejados e realizados por, no máximo, algumas dúzias de homens. Agora, depois de anos de ataques por todo mundo, os EUA já mataram milhares. Quão grande o círculo de responsabilidade deve ser?
As decisões tomadas nas salas de reuniões em Washington geralmente significam a diferença entre vida e morte. Apesar dos clamores anônimos de membros do governo, ambos os advogados sabiam que pessoas inocentes às vezes eram assassinadas. Não tantas quando os ativistas alegavam, mas ainda assim gente demais para manterem a consciência limpa.
Além disso, eles eram oficiais não eleitos, tomando decisões sobre quem os EUA deveriam matar.
As duas vidas de John Kerry
Desde 2011, o Congresso teve conhecimento, quase sempre em silêncio, da gradual expansão da Autorização. A Câmara dos Deputados nunca revisou nem questionou explicitamente o poder assegurado ao presidente nas horas após o ataque.
No passado, o Congresso agiu diferente. No auge da Guerra do Vietnã, o presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, J. William Fulbright, organizou uma série de audiências ríspidas, num esforço de revogar a Resolução do Golfo de Tonkin, e terminar a guerra (esta Resolução também fora aprovada quase sem oposição). Fullbright, que inicialmente foi um patrono da resolução, logo percebeu ser uma desculpa para expansão militarm numa guerra que os EUA não poderiam ganhar. Em 1971, ele conseguiu revogar a resolução, e depois chamou um veterano do Vietnã de 27 anos chamado John Kerry como testemunha. Kerry foi o primeiro veterano a testemunhar. Seu depoimento dramático de duas horas ajudou a formar o debate sobre a guerra que se seguiu.
Trinta e oito anos depois, Kerry está numa posição similar, como um dos sucessores de Fullbright e presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado. Mas, diferente de Fullbright, que usou a posição para refrear o governo em sua guerra expansiva, Kerry foi mais um enviado do governo que um adversário. Como Andrew Cockburn escreveu em um texto recente na Harper’s, assim que Obama assumiu o cargo “Kerry parou de bater lata nas grades”. Claro, Fullbright perdeu sua eleição seguinte, caindo nas primárias democratas; e Kerry tornou-se o segundo secretário de Estado de Obama.
Parte da razão disso é que as próprias guerras são diferentes. O Vietnã fascinou o país de um jeito que a guerra contra a al-Qaeda não o fez, pelo menos não desde o bombardeio do Afeganistão em 2001. Não há um único campo de batalha e ninguém parece saber como seria a vitória.
A segurança perfeita, somos constantemente lembrados, não é possível, mas quantas pessoas os EUA precisam matar até ficarmos suficientemente seguros?
Talvez não seja surpreendente que o Congresso não tenha pensado em como a guerra terminaria quando aprovou a Autorização em 14 de setembro de 2001. Mas depois de mais de doze anos, ainda não estamos nem perto de ter uma resposta.
“Esta é uma guerra bizarra”, disse-me Jack Goldsmith recentemente. Dedicado professor de Direito em Harvard que trabalhou no Escritório de Conselho Legal de George W. Bush, Goldsmith escreveu alguns livros sobre legislação de segurança nacional. “Com o que não vemos, não nos importamos”.
E, para a maioria de nós, há pouco que se possa ver. Com exceção do Afeganistão, esta é uma guerra que está sendo lutada fora de vista, com drones e pequenos times de operativos de forças especiais.
Uma guerra que é amplamente ignorada em casa nos define fora dela.
A apatia levantou-se vagamente no começo de 2010, quando registros de que os EUA estavam ativamente assinalando cidadãos americanos para assassinarem vazaram pela primeira vez. A Casa Branca reagiu ao crescente escrutínio destacando Koh, o mais progressista e a principal voz pública crítica às políticas de Bush, para estabelecer a diferença entre aquelas e os ataques por drones de Obama. Afinal, estavam apoiados na Autorização e tinham uma base legal sólida.
Em 25 de março de 2010, Koh ocupou o palanque do hotel Ritz-Carlton em Washington para dirigir-se à Sociedade Americana de Direito Internacional em um terno preto conservador e uma gravata vermelha. Depois de algumas piadas sobre o evento, ele foi direto ao assunto.
Diferente do governo Bush, ele disse, que se baseava em argumentos constitucionais vagos quanto ao poder presidencial, o governo Obama baseia suas decisões “em autoridade legislativa assegurada ao presidente pelo Congresso na Autorização de 2001”. Claro, ele lembrou, “conceber o que é ‘necessário e apropriado’ sob a Autorização requer certa tradução”.
Era o fim de Koh, 0 acadêmico privado que em 2008 tinha reclamado sobre a “vagamente palavreada” Autorização que permitia que o governo Bush justificasse tudo desde a vigilância da NSA até tortura. Agora, como jurista do governo, ele legava ao governo Obama uma base legal proveniente diretamente da fundação da Autorização e daquelas mesmas 60 palavras.
Tudo que o governo Obama fez, ele assegurou ao auditório de colegas juristas e amigos, “incluindo operações letais conduzidas com o uso de veículos aéreos não tripulados” era legal e justo.
Koh não foi o único cuja opinião parece ter mudado com o novo emprego. Uma década antes, em 13 de setembro de 2001, Denis McDonough era o assessor de política externa de 31 anos de Tom Daschle, trabalhando para limitar a Autorização, ainda não aprovada então. Depois, McDonough foi assessor-adjunto em segurança nacional e ajudou a presidir sobre a expansão daquela mesma matéria de legislação que uma vez ele tentou restringir.
Enquanto McDonough envelheceu, os alvos não. Muitos dos homens que os EUA mataram estavam em suas pós-adolescências e começo dos vinte anos. Eram meras crianças no em 11 de Setembro de 2001.
Pra que mexer?
Meses após a palestra de Koh, no começo de 2011, o Congresso agitou-se brevemente, com alguns membros sugerindo que talvez fosse hora de começar a codificar e desenvolver interpretações da Autorização.
Isso, eles argumentaram, colocaria os EUA em solo legal mais sólido. A lei, afinal, imperava tanto sobre Guantánamo quanto sobre os drones, e mesmo assim não havia menção a nenhum deles. Certamente, seria melhor tornar essa autoridade mais explícita.
Os maiores assessores de Obama refutaram imediatamente. Isto não era o que o governo tinha em mente quando eles falaram em revogar a Autorização e acabar com a guerra. Mais tarde naquele ano, em um evento na Heritage Foundation, um think tank conservador em Washington, Jeh Johnson explicou porque o governo opôs-se a qualquer nova legislação. “Eu acho que a razão para este governo ter preocupações quanto a esforços para isso é porque no final do processo político, o que eu não quero ter é algo menor do que o que eu já tenho por meio de instâncias legais, pela autoridade dos registros e de nossa interpretação de nossas autoridades que estão nos registros”.
Em outras palavras, qualquer tentativa de atualizar a Autorização, mudando do que foi escrito horas depois dos ataque se 11/9 para algo que pareça levar em conta as mudanças de uma década de guerra, pode limitar as opções do presidente.
O governo Obama esteve satisfeito em usar aquela frase para lidar com uma ameaça em 2011, porque sua própria interpretação interna proporcionou tamanha flexibilidade. Se o Congresso começar a mexer com a base de 60 palavras, todo sustentáculo legal do governo pode vir abaixo.
O que deveria ser mais uma rotineira audiência no Senado no começo do segundo mandato de Obama trouxe à luz a maneira flexível que o governo tem interpretado a frase no cerne da Autorização.
Em 16 de maio de 2013, o Departamento de Defesa mandou um quarteto de oficiais ao Capitólio para responderem perguntas sobre a lei e o estado atual da guerra contra a al-Qaeda. No decorrer de seus testemunhos, Michael Sheehan e Robert Tayloir, que estavam falando pelos quatro, alegaram que a lei e duas 60 palavras eram “adequadas” às necessidades do governo.
Sheehan, um ex-oficial contra-terrorista careca com aparência de tira mal barbeado, falou primeiro. O governo, ele disse aos senadores, estava “confortável” com a Autorização como ela está atualmente estruturada porque ela não “nos inibe de perpetrar a guerra contra a Al-Qaeda e seus afiliados”.
O senador John McCain estava incrédulo. Mexendo em alguns papéis, o senhor de 76 anos pegou uma cópia da Autorização e começou a ler. Vinte e quatro segundos depois de terminar a frase de 60 palavras, começou seu discurso. “Esta autorização trata sobre aqueles que planejaram e orquestraram os ataques de setembro de 2001”, disse McCain, olhando para a mesa de testemunhas. “Aqui estamos, 12 anos depois, e você está nos dizendo que você não acha que ela deva ser atualizada”, ele prosseguiu. “É claro que precisa”.
Outros juntaram-se a ele. Angus King, um senador independente de trejeitos professorais que apresentou um programa na televisão pública chamado Maine Watch por 17 anos, nos anos 70 e 80, disse aos quatro oficiais que aquela era “a audiência mais surpreendentemente perturbadora que já vi”.
“A Autorização é muito limitada, e vocês continuam usando o termo ‘forças associadas’ – vocês o usaram 13 vezes em seu testemunho – que não está no texto”, disse. “Eu presumo que lei lhes sirva muito bem porque vocês estão a interpretando para cobrir tudo e qualquer coisa”.
Seguindo para o fim do debate, enquanto o presidente se preparava para dispensar os oficiais do Pentágono, o governista Sheehan levantou a mão. “Apenas um esclarecimento”, ele disse. “Certamente o presidente tem pessoal militar destacado por todo o mundo hoje, em provavelmente de 70 a 80 países, e esta autoridade não se dá sempre por meio da Autorização”.
Sentando atrás das testemunhas, esperando sua vez de falar, Jack Goldsmith, o ex-advogado do governo Bush, estava chocado. “Em quantos dos 70 a 80 países exatamente este pessoal militar está destacado por meio da Autorização?”, perguntaria no seu blog no dia seguinte. “A expressão ‘nem sempre’ sugere um número alto”.
“A audiência tornou claro que a longa insistência do governo Obama em ater-se legalmente de maneira profunda à Autorização é enganosa, e no mínimo requer muito mais controle”, Goldsmith escreveu.
A postagem de Goldsmith e as esquivas públicas de Sheehan levantaram uma questão-chave:
Doze anos após 11/9, com quem os EUA estão em guerra exatamente?
Quando contatei o Pentágono para ter uma resposta a essa pergunta, um porta-voz respondeu via email: “A lista é confidencial e não pode ser liberada para publicação”.
Uma semana depois, em 23 de maio de 2013, o presidente Obama entrou no auditório da National Defence University no sul de Washington para um longo pronunciamento sobre segurança nacional. Soando mais como McCain que como Sheehan, seu próprio secretário-assistente, Obama fez uma série de promessas. “Pretendo articular com o Congresso sobre a Autorização de Uso de Força Militar para determinar como podemos continuar a combater o terrorismo sem manter os EUA num plano de guerra perpétuo”, disse. “A lei agora está com quase 12 anos. A guerra afegã está chegando a um fim. O núcleo da al-Qaeda é uma apenas casca do que era antes”.
Sobre uma plataforma suspensa em frente da multidão, ele prometeu: “Eu busco no futuro articular o Congresso e o povo americano em esforços para refinar e finalmente revogar o vigência da Autorização. E não assinarei leis projetadas para expandir mais esta vigência. Nosso esforço sistemático em desmantelar organizações terroristas deve continuar”, ele disse. “Mas esta guerra, como todas as guerras, tem que terminar. Isto é o que a história aconselha. Isso é o que nossa democracia demanda”.
Mas, assim como sua promessa quanto a Guantánamo cinco anos antes, isso foi mais retórica que realidade. Nos sete anos desde que Obama fez aquele discurso, a Casa Branca não tomou nenhuma iniciativa pública para revogar a lei. Do lado de fora, a corrente de promessas vazias expõe um presidente que quer acabar com a guerra sem abrir mão de seus poderes de travar a guerra. É fácil ver o porquê.
A frase de 12 anos dá ao presidente um poder incrível – poder abençoado pelo Congresso e pelas cortes – bem como máxima flexibilidade. Lida inventivamente, a Autorização permite um amplo leque de atividades militares, que podem, vir a ser necessárias em algum momento. Revogar ou refinar aquelas 60 palavras ataria as mãos do presidente e limitaria suas opções. E também o forçaria a engajar-se com o Congresso, o mesmo que o impediu de fechar Guantánamo, e a explicar ao povo americano o que os EUA estão fazendo e contra quem está lutando.
Existe, então, o problema do Afeganistão, uma guerra que Obama já chamou de “guerra de necessidade”, e acabou tomando como sua. Se ele satisfizer sua promessa de retirar as tropas do Afeganistão até o fim deste ano, o presidente irá efetivamente acabar com a guerra contra o Talibã.>
E isto trará problemas.
Por conta de ter constituído sua autoridade militar sobre a Autorização, o governo Obama se colocou numa sinuca de bico. Quando a guerra acabar, o poder de detenção desaparece. O que significa que, assim que Obama declarar o fim da guerra no Afeganistão, haverá uma série de desafios legais em relação aos detentos que ainda estão na Baía de Guantánamo sob acusação de serem afiliados ao Talibã, e que requerem na justiça a sua liberdade. As velhas autoridades legais não irão detê-los. O governo Obama terá que ou achar uma nova base para mantê-los em cárcere – 13 anos depois de terem sido capturados – ou terá que soltar pessoas que considera perigosas demais.
Porém, talvez a questão mais interessante sobre a Autorização e suas 60 palavras seja esta: o que a sentença proíbe? O que – mais de 12 anos depois do Congresso tê-la aprovado – está claramente fora dos limites?
Muitos dos advogados com quem falei, membros tanto dos governos de Bush e Obama, falaram eloquentemente e extensamente sobre os limites da Autorização e sobre ela ser coagida pela lei. E talvez isso seja verdade.
Mas nenhum deles esteve apto a apontar um caso no qual os EUA sabiam de um terrorista mas não o puderam assinalar por falta de autoridade legal. Toda vez que ambos os presidente quiseram alguém morto, seus advogados encontraram a autoridade em algum lugar no meio daquelas 60 palavras.
Tradução de Marcus V F Lacerda. Leia o texto original, em inglês, publicado no BuzzFeed.