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Encastelados em um centro de convenções na zona sul de São Paulo, dirigentes do futebol mundial apoiam Joseph Blatter às vésperas da Copa mais controversa da história

Reportagem
12 de junho de 2014
09:43
Este artigo tem mais de 10 ano

A Copa do Mundo está em todas as partes e, pelo planeta, milhões de pessoas aguardam com ansiedade o início do torneio hoje. Mas existe um lugar onde o futebol não é discutido e sequer tem credencial para entrar: no Congresso da Fifa. Em uma mistura de caudilhismo, coronéis, feudos europeus, monarquias asiáticas e clãs africanos, o evento anual da entidade é o retrato de uma organização bilionária, mas falida moralmente.

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Joseph Blatter fala para os dirigentes do futebol mundial no Congresso da Fifa. Foto: Fifa TV

209 federações nacionais se reuniram nos últimos dois dias no Transamérica Expo Center, no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, em um encontro que explicitou a guerra pelo poder dentro da Fifa e escancarou manobras para comprar votos e ganhar aliados. Tudo graças ao sequestro da emoção de milhões de garotos e famílias pelo mundo que dão parte de seu dinheiro ao futebol.

No centro do debate nesta semana estava a permanência de Joseph Blatter como presidente da organização, um cargo que ele ocupa desde 1998. Na Fifa, ele já está desde 1975. Mas sua avaliação é de que sua missão “ainda não acabou”.

Nos dias que antecederam o Congresso, ele fez o que qualquer político faria: percorreu seus currais eleitorais, fez promessas, apertou mãos, sorriu para câmeras e criticou a oposição. Uma aula para qualquer iniciante e mesmo alguns dos políticos mais experimentados.

Para as organizações regionais pequenas, prometeu que vai estudar novos lugares para as seleções na Copa do Mundo, cargos na Fifa e programas sociais, numa espécie de assistencialismo com direito à retribuições em votos. Aos cartolas africanos, prometeu atacar o racismo e, para os asiáticos, insistiu em dar um lugar especial para a questão palestina.

Mas Blatter teve uma surpresa. Ao se reunir com as federações europeias, não apenas não ganhou o apoio da Uefa como foi fortemente questionado sobre os diversos escândalos de corrupção e sobre suas intenções de se perpetuar no comando da Fifa. O último escânalo gira em torno de denúncias que dirigentes teriam recebido dinheiro para escolher o Catar como sede da Copa de 2012.

“Nunca fui tão desrespeitado”, declarou Blatter, pouco acostumado a ser pressionado ou ser exigido a dar explicações. Para os europeus, havia chegado a hora de dar um basta no “reinado” de Blatter, e não foram poucos os que acusaram de “não ter a capacidade de lidar com a corrupção”. Mas o golpe dos europeus duraria apenas algumas horas. Hábil e acionando sua rede de aliados, Blatter fez questão de mostrar quem é que manda na entidade.

Uma nova Fifa, uma nova Era

O primeiro passo do contra-golpe foi organizar o pagamento do que equivale a uma “propina oficial”. Logo no início do Congresso – que contou com a cicerone Fernanda Lima apresentando o suiço como “o homem que guiou a Fifa com sucesso desde 1998” – Blatter fez questão de anunciar que estava usando parte da receita da Copa do Mundo no Brasil, a mais lucrativa da história, para repartir bônus a todas as federações nacionais. No total, o cartola usou US$ 200 milhões para ganhar aliados. “Nunca estivemos tão ricos e tão fortes como agora”, declarou.

Cada dirigente saiu de São Paulo com US$ 700 mil a mais no bolso. Se o valor não seria significativo para um alemão ou inglês, o dinheiro fez delegações menores ovacionarem o “grande líder”. “Vocês estão felizes?”, gritava de seu púlpito o dirigente suíço.

A distribuição do “presente” não era por acaso. Momentos depois, surgiria na pauta do Congresso a proposta da Europa de limitar o mandato do presidente da Fifa. A Uefa queria estabelecer uma idade máxima de 72 anos para que um dirigente pudesse ser eleito. Os europeus ainda propunham uma lei que limitava os mandatos a apenas oito anos.

Para Blatter seria desastroso se qualquer uma das propostas fosse aprovada. O dirigente de 78 anos estaria fora do “limite” e teria de deixar sua cadeira em Zurique para um sucessor. O limite no número de mandatos também não agradava

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Dirigentes do futebol mundial, reunidos no congresso da Fifa, decidiram não mudar nada

Afinal, são poucos no Comitê Executivo da Fifa que têm qualquer intenção de aceitar princípios de alternância de poder. Blatter, uma vez mais, cobrou a aliança dos pequenos países em torno de seus votos para derrubar o projeto europeu.

Assim, antes da votação, uma sequência de dirigentes pedia a palavra para apoiar Blatter. Todos vindos de federações com pesos insignificantes no futebol.

O primeiro foi o presidente da Federação de Futebol de Cuba, Luis Hernandez. Vindo de um país cujos líderes se perpetuam no poder, o cartola pediu ao Congresso que não aderissem à onda democrática. “Cuba considera o limite como discriminatório”, declarou. “O que importa é a capacidade de trabalho. Sua capacidade física é importante. Mas sua liderança e moral é o mais relevante”, disse. “Ninguém troca um jogador por idade se ele vai bem. Ninguém troca um treinador e nem o presidente da Fifa quando ela é vencedora”, afirmou.

Quem também saiu em apoio a Blatter foi a delegação do Haiti, país que recebeu dinheiro da Fifa durante anos. “Seria uma discriminação catastrófica”, declarou Yves Bart, presidente da Federação haitiana. Omari Selemani, presidente da Federação do Congo, Sri Lanka e Palestina, também sairam em apoio ao cartola.

Quando seus aliados acabaram de falar, Blatter cortou o papo e pediu que a votação fosse iniciada. No momento de apurar o resultado, nenhuma surpresa: as propostas feitas pelos europeus para reformar a Fifa e permitir uma mudança de geração no comando da entidade foram enterradas. E os dirigentes comemoraram como se tivessem feito um gol.

Enquanto uma vez mais a Fifa mostrava sua cara, as aberrações eram em parte encobertas por salas elegantes do centro de convenções que ocupa 100 mil metros quadrados, ao redor dos quais o trânsito era desviado pela CET para evitar protestos. E pelos dirigentes com seus ternos impecáveis, carros de luxo e uma proteção equivalente a de chefes de estado. Nos corredores, eles repetiam um comportamento de um clã que deve poucas explicações ao mundo. Questionamentos são tratados como traições. Aliados ganham beijos. E a ordem de todos é a de não falar a palavra maldita: corrupção.

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Nesta semana, o presidente da Fifa ainda teve de substituir um de seus membros do Comitê Jurídico da Fifa. O motivo: o cartola havia sido preso em seu país de origem, a Nova Caledonia.

Ao final do encontro, sem qualquer pudor, Blatter anunciouque ele conduziria a “nova Fifa” a uma “nova era”, e pediu votos para as eleições, que ocorrem em 2015. Seria o quinto mandato do suiço. Quando foi questionado por um jornalista como ele teria coragem de fazer tal declaração, depois de estar 39 anos na entidade, recusou-se a dar uma resposta.

Hoje, quando a Copa do Mundo começar, o mundo volta a fixar seus olhos no espetáculo do futebol, no campo e nos gols. Nas arquibancadas de mármore do Itaquerão, Blatter e seus aliados, mas também a oposição, voltam a se unir para mostrar a influência de um grupo que não passaria em qualquer exame de credibilidade, mas que controla o esporte mais democrático do mundo.

“Hoje, a maior ameaça para a Fifa são seus próprios dirigentes”, disse Domenico Scala, o chefe do grupo de auditoria independente da Fifa, visivelmente frustrado diante do resultado.

“A Fifa age como uma família mafiosa, com uma tradição de décadas de propinas e corrupção”, completou ontem Lord Triesman, ex-presidente da Federação Inglesa de Futebol.

Jamil Chade é jornalista e autor do livro “A Copa como ela é”, da editora Companhia das Letras

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