Por Andrés Zepeda*
De um lado do ringue, a vantagem da Cervejaria Centroamericana – ou Cervecería, em bom espanhol – com 128 anos de estrada e 80% do mercado interno de consumo de cerveja na Guatemala, obtidos com muito fervor empreendedor e favorecimentos do Estado. Do outro lado, o avanço da AmBev Centroamerica, com 10 anos de idade e 20% das vendas totais de cerveja na Guatemala graças à formidável infraestrutura de distribuição que lhe dá a Pepsi e o respaldo da gigante Anheuser-Busch InBev, a maior produtora de cervejas do mundo, formada a partir da brasileira Ambev com o grupo belga Interbrew.
Para uma batalha de tais proporções em um país como a Guatemala, foi necessário alistar famílias cujo poder acumulado vem de tanto, mas tampo tempo, que remonta aos fundadores desta nação latinoamericana.
Os Irmãos Castillo descendem daquele que foi braço direito de Dom Pedro de Alvarado, conquistador espanhol que governou a Guatemala colonial. São netos dos netos dos netos do soldado conquistador Bernal Díaz del Castillo. Três séculos mais tarde, em 1886, seus descendentes Rafael e Mariano Castillo Córdova fundaram a Cervecería Centroamericana, que produz a cerveja Gallo, a vedete nacional.
Briga de primos
Para fundar a cervejaria eles importaram maquinário e matérias primas sem pagar nenhum imposto, segundo o historiador Paul Dosal. Desde o princípio, os políticos permitiram que a Gallo monopolizasse a produção de cerveja no país, como conta uma reportagem publicada pela Bloomberg Businessweek.
Um ano antes, em 1885, o irmão mais novo de ambos, Enrique Castillo Córdova, havia fundado uma engarrafadora que com o tempo se tornaria a Central American Bottling Company (CBC) uma gigante regional na América Central que opera em 17 países e cujas vendas superam os US$1.2 bilhões anuais, mais que o orçamento do Ministério da Educação da Guatemala.
Então, há cem anos, a Gallo construiu um fábrica super moderna para a época e adquiriu uma então concorrente, a cervejaria de Quetzaltenango “para evitar qualquer concorrência possível”, explica a historiadora Marta Elena Casaús Arzú.
O outra linhagem da família – os outros primos Castillo – demorou um pouco para reagir. Mas não ficou de braços cruzados. Em 1942 tornaram-se distribuidores exclusivos da Pepsi transformando de vez a CBC em uma potência regional.
Os Irmãos Castilho, da Gallo, responderam 16 anos depois com o lançamento do refrigerante Orange Crush.
Aí o rompimento entre as duas linhagens da família foi definitivo. E já faz meio século.
A gota de cerveja
Apesar de toda animosidade de décadas, a gota que transbordou o copo foi não de água mas de cerveja. Em 2002 a CBC/Pepsi se associou à AmBev para construir uma fábrica em Teculután, centro-oeste do país. Tiveram que passar seis meses para que os silos e as câmaras frias pudessem ser desembaraçados na alfândega – a demora irregular, segundo muitas fontes ouvidas pela reportagem, teria sido devida à influência dos donos da Gallo sobre a burocracia estatal. O embaraço não parou por aí. Há reclamações sobre o tempo excessivo que levou o Ministério da Saúde para aprovar as cervejas da AmBeb em comparação às marcas da Cervecería Centroamericana. (a comunicação da Gallo não respondeu aos pedidos de entrevista)
As tensões aumentaram novamente em 2008 quando a InBev– de capital brasileiro e belga – adquiriu a sua competidora americana, Anheuser-Busch por US$ 52 bilhões. Além dela, a ImBev também comprou metade de uma das cervejarias de maior tradição no México, o Grupo Modelo. Assim o conglomerado passou a chamar-se AB InBev. A expansão na América Central estava apenas começando.
A Ambev Centroamerica, divisão local da Imbev, co-proprietária da Brahva na Guatemala – a marca é uma referência à nossa Brahma, que tem se expandido vorazmente em países latinoamericanos – planejava ainda comprar a Cervecería Centroamericana.
Nos bastidores, o que se diz é que as gerações mais jovens de acionistas – são mais de 5 mil – queriam vender, mas os veteranos agarraram-se ao orgulho e não cederam. Mais do que isso: determinaram que se os da AmBev queriam guerra, então teriam guerra.
Em 2011 começou a circular o rumor – logo confirmado – de que alguns sócios minoritários da Gallo estavam vendendo suas ações individuais de maneira privada aos dono da Brahva. De acordo com a reportagem da Bloomberg Businessweek, o ex-ministro Richard Aitkenhead Castillo (familiar dos dois clãs em disputa) foi contratado pela AmBev para fechar os acordos.
Segundo suas estimativas, a Cervecería Centroamericana tinha um valor nominal de US$ 1 bilhão. A oferta de compra chegou a alcançar mais do dobro dessa quantidade, mas ainda assim a administração dos Irmãos Castilho rechaçou a proposta, negando-se a apresentá-la a seus acionistas. Aitkenhead teve então que ir diretamente tratar com cada um dos membros da família. Alguns deles mostraram interesse em receber um pagamento e ir embora. Mas a direção da Gallo percebeu a ação como uma tentativa de dividir aos seus acionistas e reagiu adotando novos estatutos, que condicionaram a venda de ações para “gente de fora” à aprovação de um comitê.
Entretanto, a blindagem total é pouco viável no seio de uma família tão dividida. O mesmo diretor executivo da CBC, Carlos Enrique ‘el Baby’ Mata, tem 1% das ações da Cervecería Centroamericana, herdadas de uma avó sua, filha de primos provenientes dos dois lados em disputa. Isso permite que Mata tenha acesso a informações confidenciais dos seus ferozes competidores.
Em 2012 Óscar Guillermo, irmão de Mata, processou a direção da Gallo e conseguiu suspender os novos estatutos que restringem a venda de ações. Os diretores da Gallo recorreram da decisão e criaram uma holding que agora controla a corporação familiar, impedindo que seus primos– os que têm a marca Brahva – possam ser sócios.
Até o dia de hoje, as cotoveladas sobre a mesa e os chutes por debaixo dela parecem continuar. No ano passado o Ministério de Saúde Pública da Guatemala multou a AmBev Centroamerica por tirar do ar uma propaganda com equipes de futebol – associar esporte e cerveja é ilegal no país – e também decretou que o consorcio transnacional carecia das permissões para vender no país a cerveja Corona, de origem mexicana. A empresa apelou para a Corte de Constitucionalidade, que reverteu decisão e levou à demissão os funcionários responsáveis pela elaboração do decreto.
Guerra é guerra
Ambas as corporações têm em comum não apenas o sobrenome dos seus fundadores, os orgulhosos Castillo, mas também e sobretudo a determinação em ganhar a guerra e o crescente mercado guatemalteco. Desde 2011 a AmBev Centroamerica começou a baixar o preço da Brahva e das suas marcas associadas, começando com isso uma guerra de preços que segue vigente e cujo grande beneficiado é o bebedor de cerveja.
“[Os da Brahva] estão vendendo a sua cerveja mais barata do que a água com gás. Isso nunca havia acontecido na Gautemala”, protesta Roberto Lara, vice-presidente da Cervecería Centroamericana.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, no ano de 2010 a Guatemala teve um consumo per capita de 42 litros de cerveja, uma das taxas mais baixas do mundo (excluindo os países muçulmanos), assegura Emma Peterson, analista latinoamericana para a consultoria Euromonitor International.
Para Ambev, isso significa muito campo para crescer. E, de fato, a redução nos preços causou um disparo na demanda: segundo o Euromonitor nos últimos 3 anos as vendas anuais de cerveja aumentaram 42% até alcançar US$ 664 millhões em 2013.
Muitos guatemaltecos estão deixando de lado o rum – bebida que antes era a mais barata – para tomarem cerveja.
As batalhas incluem cervejas grátis para os distribuidores que vendem mais lotes de Brahva, por exemplo. Roberto Lara, vice-presidente da Cervecería Centroamericana, notou que as caixas de Brahva agora incluem uma garrafa de dois litros de Pepsi grátis. “Mas os da Gallo são ainda mais agressivos”, comenta outro ex-empregado de vendas e promoções da AmBev Centroamerica. “Se você está em um bar entregando o seu produto e encontra com um representante de venda deles, eles dizem ao comerciante: ‘náo venda isso que dá diarreia’ ou ‘é mentira que vão deixar você pagar somente esse preço’”.
Políticas para controlar territórios, tais como contratos de exclusividade com estabelecimentos importantes são comuns dos dois lados. “Equipe-se para a Copa do Mundo com televisões de 42 polegadas e mesas de plástico”, lê-se em um documento do “programa de fidelidade” da Brahva no qual o cliente se comprometia a cumprir com uma meta de vendas previamente definida entre as partes, assim como também a “manter o produto frio e o material promocional e publicitário na primeira posição” em relação à concorrência. O mesmo ocorre em feiras empresariais, touradas, festas da independência e férias em locais turísticos. “Com todos os prefeitos se negocia o patrocínio completo, que inclui gastos de instalação, banda, equipamento de som, mesas, cadeiras e até reservas VIP com lugares privilegiados para o político e seus agregados”, explica o ex-vendedor.
A Guatemala é estrategicamente importante para a Ambev Centroamerica porque está do lado do México, onde a AB InBev controla a cervejaria Grupo Modelo, seu quarto maior mercado consumidor (depois dos Estados Unidos, Brasil e Japão). E a AB InBev está avançando também simbolicamente no continente: comprou a Quilmes na Argentina, a Presidente na República Dominicana e a Modelo e a Corona no México, todas elas até então de fortíssimo teor nacionalista, como é a Gallo na Guatemala até hoje. Será absorvida também, do mesmo modo como tantas predecessoras americanas e europeias?
Seja como for, se qualquer um dos dois grupos ganhar, haverá monopólio e se acabará a guerra de preços.