Uma inesperada batalha pela liberdade de expressão como resultado da investigação jornalística se iniciou no México quando a renomada radiojornalista Carmen Aristegui foi despedida da rede MVS (conglomerado de mídia mexicano) na noite do último dia 12 de março.
A empresa alegou quebra de confiança após uma crise desencadeada assim que o programa de Aristegui foi vinculado ao Mexicoleaks, uma nova iniciativa de denúncia cidadã e jornalismo independente na qual participam publicações e organizações prestigiadas de jornalistas como Animal Político, Emeequis, Proceso, Periodistas de a Pie, entre outras.
A MVS afirmou que o caso foi um “uso da marca [sic] sem autorização expressa”.
Carmen Aristegui retrucou dizendo que se trata de uma campanha planejada “com muita antecipação, com muitos recursos e com muito poder”. “Esta equipe de jornalistas está decidida a travar sua batalha pela liberdade de expressão”, disse. “Nossos advogados nos dizem que isso é um atentado à liberdade de expressão e que há um conjunto de irregularidades e situações absolutamente denunciáveis”, completou.
A crise começou no último dia 12 quando a MVS despediu os repórteres Daniel Lizárraga e Irving Huerta, da unidade de investigação da equipe de Aristegui. Ambos investigaram em novembro passado o caso do escândalo da Casa Branca, no qual se revelou que Angélica Rivera, a esposa do presidente mexicano Enrique Peña Nieto, tem una casa avaliada em sete milhões de dólares, localizada en Las Lomas, no Distrito Federal do México. A casa foi construída pelo Grupo Higa, uma das empresas que ganhou a licitação do trem México-Querétaro, e que havia construído obras no estado do México, quando Peña Nieto era governador.
A investigação teve grande impacto na opinião pública e foi um duro golpe para a imagem de Peña Nieto, no meio da onda nacional de indignação pelas mortes dos estudantes em Iguala.
Mensagem de Carmem Aristegui, na última sexta-feira, 13 de março (em espanhol)
“Em vez de despedir dois jornalistas, deveríamos premiá-los. São dois jornalistas fundamentais que deram aos nossos ouvintes um trabalho de alto nível”, declarou Carmen Aristegui na sexta-feira passada.
A jornalista comentou que Daniel Lizárraga e Irving Huerta estavam investigando outro caso: a casa do Secretário da Fazenda e um dos homens mais próximos a Peña Nieto, Luis Videgaray. Segundo a denuncia, o funcionário comprou a residência do Grupo Higa –também envolvido no caso Casa Branca – por meio de um crédito a taxas menores que as do mercado.
Aristegui exigiu que os jornalistas fossem reintegrados à redação. A MVS negou o pedido e encerrou a relação de trabalho com ela.
Comunicado da MVS Radio (em espanhol)
Gabriel Sosa Plata, ombudsman da MVS, afirmou que Carmen Aristegui “deveria ter pedido autorização” para o acordo com o Mexicoleaks. Contudo, indicou que as ações da empresa com os jornalistas foram um “mecanismo de pressão inédito de uma empresa para com alguns de seus próprios jornalistas e trabalhadores, que poderia afetar seu desempenho jornalístico”.
Vários comentaristas apoiaram Aristegui, entre eles a reconhecida acadêmica Dennise Dresser, que afirmou que “temos que defender, proteger e brigar por Carmen Aristegui e seus espaços. Porque são os nossos. Porque para nós, como beneficiários de seu trabalho, nos cabe construir uma defesa robusta da liberdade de expressão, do pluralismo, da necessidade de ser irreverente e desafiador”.
O caso vem causando uma ampla repercusssão na imprensa internacional.
Até onde se sabe, é uma das primeiras vezes, se não a primeira, na qual um argumento de “uso de marca” é utilizado para reprimir o jornalismo investigativo.
Publicada originalmente no site IDL-Reporteros, em 16 de março de 2015