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Entrevista

Graziano: “Todo mundo usa fake”

Em entrevista à Pública, o coordenador das redes de apoio a Aécio Neves (PSDB) durante a disputa presidencial de 2014 conta que se decepcionou com os artifícios usados pelas campanhas digitais

Entrevista
23 de junho de 2015
15:24
Este artigo tem mais de 9 ano

Xico Graziano é assessor de Fernando Henrique Cardoso – “O que é alguma coisa, mas não me dá o direito de falar em nome do PSDB”, avisa. Ex-secretário estadual do Meio Ambiente, coordenou as redes de apoio à campanha de Aécio Neves à Presidência, o que, para ele, fez a diferença no engajamento online. Foi sua equipe que produziu os vídeos que rodaram pelo WhatsApp, um dos fenômenos eleitorais de 2014.

Xico Graziano. Foto: Reprodução/PSDB - PA
Xico Graziano. Foto: Reprodução/PSDB – PA

Graziano recebeu a Pública no Instituto Fernando Henrique, onde avaliou a campanha – que diz ter sido vencida, na internet, pelo PSDB com apoio de grupos à direita como Revoltados Online e MBL –, mas não hesitou em mostrar sua decepção com a “robotização” do debate na rede. “Eu fiquei meio decepcionado. Na campanha de todo mundo, você tinha muito disso, era robô retuitando. De repente você tinha um tuíte, você tinha mil retuítes, tava na cara que aquilo lá era falso.” Assume que a campanha do PSDB também usou fakes e robôs, um expediente que, segundo ele, é amplamente utilizado na publicidade e foi importado para a campanha de 2014. “Todas elas usaram esses artifícios”, diz.

Qual a diferença entre a campanha de 2014 e a de 2010? O peso da campanha online foi maior?

Ninguém dirá que não. Como a próxima será mais ainda, como essa agora de prefeitos vai ser já predominante nos grandes centros urbanos. E agora basicamente pelo Facebook e Twitter, além do WhatsApp, claro. Mas não tenho coragem de dizer que foi determinante, não. Como mede isso? Não dá pra medir.

Como era o trabalho em si, de engajar as pessoas?

Aí que tá, também não vou falar tudo pra você… Mas eu diria que o grande desafio, e o que nós fizemos, é o engajamento de pessoas. Essa que é a diferença. Publicitário não sabe fazer isso, nenhuma empresa de publicidade sabe fazer isso. Porque essa é uma ação predominantemente política. Você usa a internet, mas a finalidade é política, de engajar pessoas. Então, você precisa ter muita abertura, muita correspondência, você precisa ter um atendimento às pessoas para levar a esse relacionamento. Então, você precisa de muito off-line, de muitas reuniões. Eu viajei pelo Brasil todo mobilizando gente, pegando gente pra a rede. Criamos a rede, aí fizemos aquelas placas “eu curto isso”, aí as pessoas viam as placas e tiravam fotos, botavam na rede. Então, é um movimento de off-line e online constante. Não é só a internet. Porque hoje o que a gente percebe são dois movimentos que o meu grupo criticou na campanha. O publicitário vê a internet como meio de propagar mensagem. Então, quase usando como televisão, daqui pra lá, só. E os “experts de redes” acham que importante é você criar audiência. Então você bota robô, bota um monte de coisa pra dizer “ah, meu Twitter tem 50 mil, tem 20 mil”, com fake, com tudo, mas não traz engajamento. Você traz potência. Coisa que as empresas gostam de pagar. E pagam caro por isso. “Ah, o Facebook tem tantos mil, tantos milhões.” O engajamento qual é? Qual é a interação?

Nós chegamos a trabalhar na primeira fase com 12 pessoas e depois crescemos para umas 20. Não precisa tanta gente assim. Você precisa dar atenção. Cada pessoa consegue interagir com mil, 1.200 pessoas por dia numa rede. Operando um software que você recebe as menções ao candidato e você entra em contato com a pessoa, pelo Twitter especialmente.

O uso do WhatsApp foi decidido ao longo da campanha?

É o seguinte: não adianta você forçar, porque a campanha vai esquentando, esquentando… Sabe?, você tem hora certa. Nós, em algum momento, achamos que a coisa estava boa e o Aécio topou fazer isso. E eu trouxe um rapaz que era o Gabriel, da Turma do Chapéu de Minas Gerais, que tinha muita proximidade com o Aécio por ser de lá. Foi secretário da Juventude dele. E o Gabriel é um “entendidaço” de rede. Então, ele fazia a captação dos vídeos, fazia a captação certa, com a linguagem certa, com o enquadramento correto. Mas aí nós já tínhamos uma rede em que tínhamos pelo menos 20 mil pessoas engajadas. Não estou falando de número– número qualquer pessoa tinha –, 1 milhão… Não vale nada isso. Estou falando de pessoas engajadas, quer dizer, que aceitariam um comando de rede que eu dava. “Olha o WhatsApp.” Poft. E aí corria. Eu acho que a rede se caracteriza por isso, por aceitar um comando. E só aceita porque se sente participante do processo. Não é qualquer um que recebe um vídeo, ou recebe uma mensagem, “tem que compartilhar”, e compartilha.

Essa mobilização chegou nos jovens, algo que era uma dificuldade do PSDB…

Sempre foi. De todo mundo, talvez do PSDB mais? Pode ser. Acho que de todos os partidos políticos. Cá entre nós, hoje em dia nenhum partido político tem prestígio entre os jovens. Nenhum. Então, não tínhamos ilusão, nem tive nunca ilusão sobre isso. Nós também contamos com grupos muito importantes que faziam apoio no segundo turno à candidatura do Aécio e que eram muito articulados em rede, que estão aí até hoje. Os Revoltados. Que era um pessoal contra o PT, obviamente eles ajudaram muito na campanha e nós fomos capazes de nos articular a esses grupos também. Ao Movimento Brasil Livre. Quer dizer. Não fomos só nós, houve uma conjunção de forças contra o status quo, contra o PT, que a campanha do Aécio capitalizou.

Alguns desses grupos parece que ganharam mais proeminência com um discurso mais de direita, pedindo impeachment. Dava para ver que eles aumentaram seu prestígio na rede durante a eleição?    

Naquela movimentação das ruas, impactou muito. Basicamente foram eles que fizeram aquilo. Não fomos nós. A rede Sou Aécio não estava operando mais. O PSDB não fez isso.

Dava para perceber esse crescimento desses grupos na campanha?

Dava. Cá entre nós, o PT fez por merecer, porque o PT fez tantas coisas erradas, vamos dizer, pra não falar outra coisa, que foi criando inimizades políticas em geral por aí entre essa moçada toda. Eles foram importantes sim, especialmente nos centros mais mobilizados, mais politizados, como aqui. O que aconteceu, que depois acabei criticando, foi que eles quiseram trazer o PSDB para a posição deles, e aí eu reagi. Eu disse: “Não, calma lá. A posição de vocês é uma e a do PSDB é outra. Na campanha, por oportunidade política, você faz isso, porque você tinha um inimigo político comum, que era tirar o PT do poder”. Mas foram importantes, sim. São até hoje.

Mas o crescimento deles na rede não significa uma radicalização do discurso e talvez do discurso do ódio associado?

Bom, primeiro, para mim, o discurso do ódio é o discurso do PT. O discurso deles é uma reação ao ódio contra nós. Quem criou a diferença entre “nós” e “eles” foi o Lula, não fomos nós. Quando começaram a separar “nós somos da elite” e “eles, do PT, são pobres. Isso aí a origem é lulista, muito bem-feita, aliás, malandramente bem-feita. O que eu achei interessante, o que eu percebo é que esses grupos conseguiram articular uma direita que existe no Brasil. Isso é muito bom. Do ponto de vista democrático, é importante as coisas estarem mais claras. E aí você vê a predominância do Bolsonaro, do Caiado, como representantes políticos desses grupos. Mas ao mesmo tempo esses grupos acabaram diminuindo um pouco de tamanho. Porque eles se caracterizaram como grupos de direita e, na campanha, cresceram mais do que isso porque eram contra o PT. Ser contra o PT aglutina mais gente do que ser de direita e defender teses de direita radical.

Houve um tom mais agressivo, mais campanha negativa e de guerrilha em 2014?

Sim, com certeza. O PT começou a falar da tal guerrilha virtual um ano, mais de um ano antes dessas eleições. Eles começaram a treinar o que chamavam do exército deles. A equipe de inteligência que monitorava as redes percebia muito bem a hora que eles entravam operando. Eles entravam articuladamente. Ou botavam Aécio vinculado a drogas, aquelas maldades que faziam em cima do Aécio… O monitoramento nosso apontava, e isso era nacional. Eram milhares de pessoas que entravam comentando.

Perfil fake, robô, militante pago, o que tinha?

Tinha de tudo. Militante pago, com certeza. Eles, que estão no poder, pagam muita gente. Eu conheci muitos que eram. O Maurício conhecia as pessoas…

Que eram militantes pagos?

Sim. Pagos. Fakes por certo. Todo mundo usa fake. No PT…

No PSDB.

É. PSDB.

E qual é o propósito?

Você se esconder para você… Se você opera um conjunto de Faces, você consegue fazer aquilo que eu falei: você consegue botar coisa em trending topics, um monte de coisa replicando, retuitando. Junto com robô, bota lá em cima, mas não vale nada. A minha equipe não tinha isso, só operava a rede, ia pro off-line, voltava. Gente.

Mas vale em termos de…

Em termos de busca, por exemplo. Quem googlava ia encontrar um nome mais sujo ou menos na primeira página; na segunda, então, essas indexações funcionaram. Tanto é que o Aécio foi para a Justiça processar. Mas eu acho que, na reta final da campanha, isso aí não fez a menor diferença. Isso dava a ilusão de que.. Por isso eu digo que, no final da campanha, nós vencemos o debate na internet. Eu acho. Por conta de nós, campanha, por conta de algumas articulações de partidos, mas também por conta desses outros grupos que foram se formando aí.

E na primeira fase, que teve muito robô, boato, quanto isso influencia no teor do debate? Porque um dos consensos é que essa foi uma das campanhas mais agressivas na rede…

É discutível. Eu confesso que fiquei um tempão nessa pista. E nossa equipe que monitorava foi acionada para tentar medir isso. Então, por exemplo, no começo da campanha, maio, junho, julho, essas menções negativas do Aécio davam 5%, 6 % das menções. Portanto, não eram expressivas. Lá na frente deram uns picos. Mas não acho que foram tão expressivas. Nas contas de uma equipe que monitorou e me passou a informação depois, eles acham que isso mobilizou 500 mil internautas. Que brigavam. Mas isso entre uns 40 milhões. Então, se você pegar representativamente, não era muito. Porque tinha muita gente olhando isso aí, mas não tava participando. Isso desperta muito a militância contrária, então fica uma briga enorme. Como você está naquele meio que é o seu meio, você acha que aquilo ali é a internet. Aquilo ali é um pedaço da internet formado por talvez no máximo 5% dos internautas. Os outros internautas estão discutindo futebol, funk, música, direito, causa. Então dá uma ilusão.

Houve uma acusação ao seu filho de ter espalhado boatos contra o PT. Qual seu comentário sobre isso? 

Desmentimos isso pelo menos umas cinquenta vezes. O que aconteceu? Um internauta comentou num site que era operado aqui, que é o Observador Político, que é uma rede minha, e o Daniel, meu filho, foi chamado a responder por isso porque ele é o diretor administrativo da Fundação FHC. Não foi ele que fez, não postou nada, não fez nada. A delegacia fez os inquéritos, ele prestou depoimento, não aconteceu nada. Não virou processo, não saiu da delegacia. E hoje, se você procurar, vai aparecer “Daniel caluniador, filho do Xico Graziano”. É um problema da rede.

O que surpreendeu você ­ao ir trabalhar nessa campanha?

Nossa senhora. O que me surpreendeu nesse meu aprendizado – porque eu não sou um originário desse assunto, eu me tornei um conhecedor desse processo por curiosidade, estimulado aqui pelo Fernando Henrique – é que existe muita mise-en-scène no trabalho de internet. Muito publicitário vende coisas que no fundo não existem, que é a história de você comprar. Por exemplo, em um momento nós conseguimos contar que o Twitter da Dilma, no começo da campanha, tinha 2 milhões de seguidores, 1 milhão eram fakes ou eram perfis localizados no exterior. Obviamente comprados. Ou comprados entre aspas, que você aglutina lá. E eu não sabia que isso era tão falso assim. Quer dizer, a falsidade da sociedade existe na internet também. Eu me decepcionei um pouco com isso. Fiquei meio decepcionado. Na campanha de todo mundo, você tinha muito disso: era robô retuitando, de repente você tinha um tuíte, você tinha mil retuítes. Estava na cara que aquilo lá era falso. Era robotizado pra você entrar nos trending topics. Aí você tuitava os trending topics, aí todo mundo, uau!, soltava foguete, comemorava o sucesso, e não servia para nada. Então, existe muita mise-en-scène, uma figuração na internet. É a mesma coisa você fazer uns vídeos lindos que depois você vê no YouTube. Deu 1 milhão de visualizações, e é tudo conversa fiada. Ninguém sabe quem viu. Foi minha decepção com o mundo da internet. Não com as campanhas. Todas elas usaram esses artifícios.

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