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Enganada sobre impacto da construção de hidrelétrica, cidade de Minas Gerais brigou para salvar seu patrimônio natural e perdeu a guerra

Reportagem
28 de julho de 2015
10:03
Este artigo tem mais de 9 ano

2015. Numa tarde de sexta-feira de abril, na sala da sua casa em Salto da Divisa, Minas Gerais, Reinaldão relembra como, 18 anos antes, a empresa Odebrecht iniciou o levantamento para a construção da barragem da hidrelétrica de Itapebi, seguida pela Engevix Engenharia, responsável pelos estudos de impacto ambiental. Além da cidade de Salto da Divisa, a usina atingiria também três municípios baianos: Itapebi, Itagimirim e Itarantim. “Um pessoal da Engevix veio aqui para cadastrar as pessoas que iam ser atingidas pela barragem. Eles cadastraram uma parte e disseram que iam voltar para cadastrar o restante depois, mas não voltaram foi nunca”, conta e extrator de pedra e areia de nome Reinaldo Oliveira.

Os engenheiros chegaram em 1997 prometendo o progresso. As ruas seriam asfaltadas, um calçadão na beira do rio seria construído, a cidade ia ter a maior e melhor praia de água doce do país, uma pousada de alto luxo hospedaria os futuros turistas. “A proposta da empresa, quando ela chegou, era essa”, acrescenta Reinaldão. “Eles prometerem que todo mundo ia ficar rico, ia ter fazenda, ia ter área de lazer. Só que ela não cumpriu com o dever.”

Uma das principais lutas dos moradores foi contra o alagamento da cachoeira do Tombo da Fumaça, área de lazer que atraía turistas para o município. “Nós recebíamos muita gente de fora aqui. As pessoas que vinham faziam questão de filmar. Às vezes, vinha até gente de outros países. A cachoeira era bonita demais”, lembra Reinaldão com orgulho. A cachoeira era considerada a queda d’água mais importante do Jequitinhonha.

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Reinaldão, diante do lago feito por causa da hidrelétrica: “A cachoeira era bonita demais”. Foto: Luiz Paulo Mairink/ Agência Pública

A Engevix Engenharia não registrou no EIA que a cachoeira seria alagada. “Com o enchimento do reservatório e o início da operação da usina, o cenário paisagístico local deverá ser sensivelmente modificado. A estrutura da barragem, a ampliação dos acessos ao local do eixo e o lago formado representarão novos pontos de referência cênica para a população local. Por outro lado, os trechos encachoeirados, denominados de Tombos, serão parcialmente afetados. Isto é, o nível d’água do reservatório de Itabebi irá atingir os trechos dos Tombos próximo ao mirante da prefeitura de Salto da Divisa junto à rua Clemente Martins. No entanto, as quedas d’água de maior expressão não serão afetadas”, diz o documento.

O projeto foi apresentado à população em 1997 durante reunião pública. Estimava que 50 famílias e 240 pessoas seriam atingidas. Mas, no ano seguinte, os saltenses descobriram que o projeto havia sido alterado e que o grupo espanhol Iberdrola já estava com a Licença Prévia em mãos, concedida pelo Ibama. As mudanças previam o fim de todas as cachoeiras e ampliavam o número de atingidos para 100 famílias, ou 500 pessoas. Sem ter sido consultada, a população reagiu.

No mesmo ano, os vereadores de Salto da Divisa aprovaram uma proposta, sancionada pelo prefeito, declarando como “área de Paisagem Natural Notável” a cachoeira do Tombo da Fumaça e adjacências, impedindo o andamento do empreendimento. Doze meses depois, a lei foi revogada. A novela se repetiu na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Em novembro de 1999, os deputados estaduais votaram a favor de outro projeto que transformava a cachoeira do Tombo da Fumaça em “patrimônio paisagístico e turístico do Estado”. A alegria dos saltenses, no entanto, durou pouco. Com o lobby das empreiteiras, o parlamento mineiro também revogou a lei.

Parada no tempo

Até hoje, pescadores, lavadeiras e extratores de pedra e areia aguardam ações que possam amenizar a morte do rio que tirou o trabalho, o lazer e a alegria do povo da cidade. A barragem atingiu uma área além do que a prevista inicialmente, a água ficou poluída, não sobrou espaço para as lavadeiras. Em troca da inutilização do rio, foi construída uma lavanderia que conta com apenas seis pias de plástico de aproximadamente 30 centímetros de largura e de comprimento. “Virou um elefante branco”, afirma Jovecília, representante da associação das lavadeiras, sentada à mesa na casa de Reinaldão. O EIA registrou apenas 17 lavadeiras, mas a associação contabiliza 186.

A barragem acabou com ofício de Reinaldão, que tem orgulho de dizer: “Tudo que a cidade tem construído de pedra e areia foi tirada dessa área, do rio Jequitinhonha. E quem tirava era esse pessoal de Salto, filho de Salto da Divisa. Não era ninguém de fora”. A empresa se comprometeu a fazer um depósito de areia e pedra depois do enchimento da lagoa, para que os extratores pudessem trabalhar durante cinco anos. “Eles disseram que com cinco anos ia ter pedra e areia de novo. Mas eles nem fizeram o depósito e até hoje não tem onde por uma pá de areia.” Apenas 21 dos 43 extratores foram indenizados, com R$ 8 mil, segundo Reinaldão.

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Jovecília: “Virou um elefante branco”. Foto: Luiz Paulo Mairink/ Agência Pública

Da mesma maneira, a Engevix subestimou a indenização e o número de pescadores de Salto da Divisa. Dos 170, de acordo com Ademar, apenas 42 foram registrados e tiveram direito de receber R$ 6 mil, além de um barco para cada dois pescadores. A empresa construiu também um espaço para limpeza e armazenamento da pesca. No entanto, assim como a lavanderia, ele está abandonado.

Os estudos apresentados pela Engevix afirmaram que não haveria interrupção da pesca com a construção da barragem. “Só que agora o peixe acabou. A gente tinha aqui a piapara, traíra, o piau, piabanha, cascudo, pitu, uma variedade enorme”, observa Ademar. Segundo ele, os pescadores chegavam a tirar até 12 sacos de peixe por dia.

Ademar critica também o acúmulo de esgoto no rio Jequitinhonha, que teria ajudado a expulsar os peixes. O esgoto da cidade é despejado no rio. Mas, antes, a água era corrente; atualmente, ele fica acumulado por causa da construção da barragem. “Nós moramos em um depósito de lixo”, lamenta. Na divisa com a Bahia, em Salto da Divisa, o calor é intenso. Com a sujeira do rio ninguém se arrisca a entrar na água.

“Se a gente for contar tudo que já passamos, vamos ficar mais de mês aqui”, diz Jovecília, encerrando a conversa. Findos o papo e o café na casa de Reinaldão, a reportagem saiu com a lavadeira, o extrator de pedra e o pescador para um passeio até o rio. No caminho, Jovecília falou sobre a pressão da empresa para tirar as pessoas de suas casas. A barragem passou por cima de 112 moradias, inclusive a dela. “A empresa começou a comprar as propriedades que iam ser alagadas. Ela comprou casa por R$ 4 mil, R$ 8 mil, até que as freiras conseguiram obrigar eles a construir um bairro para colocar todo mundo”, emenda Reinaldão.

Já quem tem casa próximo à barragem até hoje está aguardando uma solução para as rachaduras causadas pela explosão de pedras e pela infiltração, consequência do enchimento do lago. São 150 moradias com problemas de infraestrutura, correndo o risco de cair. “O pessoal da empresa vem aqui de vez em quando, falam que vão resolver, mas não resolvem nada. O tempo vai passando, e sempre desse jeito, a gente fica esperando e nada de acontecer”, conta a dona de casa Maria de Lourdes Ribeiro. Nove pessoas vivem no local, que está com diversas rachaduras nas paredes e no chão.

A reportagem perguntou à operadora da hidrelétrica, a Itapebi Geração de Energia, quais foram as medidas tomadas para minimizar os impactos. “A Itapebi Geração de Energia S.A. é uma empresa em operação há mais de dez anos e cumpre com suas obrigações e deveres, atendendo todas as exigências legais. Nesse cenário, a empresa afirma que inexistem quaisquer descumprimentos de obrigações legais ou acordadas”, respondeu a empresa em nota.

Procurada, a Engevix Engenharia não se manifestou sobre as denúncias dos moradores de Salto da Divisa.

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Essa reportagem é resultado do concurso de microbolsas para reportagens investigativas sobre Energia promovido pela Agência Pública em parceria com o  Greenpeace.

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