A falta de transparência em relação a informações ambientais ainda predomina nos órgãos públicos da Amazônia Legal. Essa é a conclusão de um relatório (leia aqui) lançado nesta quarta-feira (4) pelo Instituto Centro de Vida (ICV), organização que atua na promoção da sustentabilidade do uso da terra e recursos naturais.
Os resultados da pesquisa, realizada de agosto a dezembro de 2016, aparecem em dois indicadores. Um deles, o índice de transparência ativa, busca medir o percentual de informações disponibilizadas de forma espontânea pelos órgãos públicos dos estados e a qualidade do que é oferecido, analisada através de critérios como atualização, detalhamento e formato de apresentação. Nesta categoria, a melhor colocação é do Pará, cujo índice ficou em 49% (veja no infográfico abaixo). Dos nove entes federativos que compõem a Amazônia Legal, entretanto, seis não atingem sequer os 20% e dois (Amapá e Maranhão) não ultrapassam a linha dos 5%. O ICV calcula que o índice geral da região seja de apenas 24%, nível considerado baixo.
O segundo indicador, denominado índice de transparência passiva, equivale ao percentual de pedidos de informação atendidos em relação aos solicitados. Embora seis estados tenham retornado a totalidade dos pedidos de informação enviados, o destaque negativo fica com o Amapá, que não respondeu a nenhum deles. Este é o único estado da Amazônia Legal que ainda não regulamentou a Lei de Acesso à Informação (LAI) e, portanto, não implantou o serviço de prestação de informações ao cidadão previsto na lei – dados públicos podem ser solicitados somente via ofício. O índice geral de transparência passiva, de acordo com o ICV, é de 75%.
“O nível de transparência ainda continua muito abaixo do que a legislação coloca”, afirma Alice Thuault, diretora-adjunta do ICV e uma das autoras do estudo ao lado da analista de gestão Ana Paula Valdiones. “No entanto, conseguimos identificar alguns avanços. O trabalho mostra que isso não é tão difícil, que dá para avançar na disponibilização de informações e, assim, fortalecer o controle social”.
Ao falar sobre avanços, Thuault se refere a levantamento anterior realizado pelo ICV sobre o tema. Em 2014, a pedido do Ministério Público Federal, a organização efetuou a mesma análise em Rondônia, Pará, Acre, Amazonas e Mato Grosso. De agosto a outubro daquele ano, a partir de pesquisa feita com ONGS, órgãos públicos, Ministério Público e outros atores, seis agendas de controle ambiental foram eleitas como prioritárias para a Amazônia Legal – regularização ambiental, regularização fundiária, exploração florestal, soja, pecuária e hidrelétricas. Estes mesmos seis tópicos foram analisados na pesquisa de 2016, agora levando-se em conta órgãos públicos de todos os estados da região, além dos federais.
Apesar de o próprio estudo frisar que as condições ainda são ruins, de 2014 para cá todos os estados avaliados melhoraram consideravelmente seus índices de transparência ativa, exceto Rondônia, que apresentou uma melhora tímida – de 13% para 15%. O mesmo se aplica aos índices de transparência passiva: à época, Amazonas, Pará, Rondônia e Acre sequer haviam regulamentado a LAI, o que mudou durante os últimos anos. Em nível federal, também houve aprimoramento.
Falta de vontade política é apenas um dos elementos determinantes para que os governos estaduais falhem em fornecer satisfatoriamente à sociedade dados sobre a Amazônia Legal. Há outros gargalos significativos. “A legislação nem sempre coloca como a informação deve ser disponibilizada, e isso deixa o gestor sem a clareza de como fazê-lo. Analisando esses estados, a gente vê muito isso: a pessoa responsável pela transparência, quando há uma, nem sempre sabe por onde começar. E como não está claro na legislação, ela não se sente pressionada”, avalia Thuault. “Outro fator que faz muita diferença é a dificuldade que as agências estaduais têm para manter um banco de dados”, complementa.
À dificuldade em sustentar bancos de dados adequados, as pesquisadoras atribuem também a discrepância entre os índices de transparência de estado para estado. Para se ter uma ideia, enquanto o Pará oferece espontaneamente 60% das informações necessárias sobre regulação fundiária, Roraima fornece nenhuma, assim como o Maranhão. Outro exemplo é a categoria “regularização ambiental”: em uma ponta, está o Amazonas, com 78% dos dados disponibilizados; na outra, Maranhão e Amapá, com 13% e 0%, respectivamente.
O relatório não traz somente notícias ruins: ele cita plataformas e iniciativas que devem ser tomadas como referência e adotadas pelos órgãos públicos. Entre elas, a divulgação de informações sobre licenças e autorizações pelo Portal Nacional de Licenciamento Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e a disponibilização, por parte do governo do Pará, dos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento de regularização ambiental instituído pelo Código Florestal em 2012 que permite o monitoramento, controle e combate ao desmatamento (clique aqui e aqui para ler nossas reportagens sobre o assunto).
A adoção de modelos bem sucedidos é uma das recomendações fixadas pelo ICV para ampliar e qualificar a oferta de informações públicas sobre a Amazônia Legal. Mas decisões tomadas em gabinetes não são bem-vindas: o estudo indica que a sociedade civil deve ser consultada no momento de definir as melhores modalidades de disponibilização dos dados. Outro ponto urgente é a regulamentação da LAI e a implementação do Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) no Amapá, sobretudo no ambiente digital.
Na concepção do ICV, aperfeiçoar a divulgação de dados públicos sobre a região é essencial para que violações de direitos sejam combatidos. “Quando pensamos num cenário amazônico, onde a legislação ambiental está a ser cumprida, ou seja, onde ainda há um quadro de ilegalidade que envolve desmatamento, trabalho escravo, uso de agrotóxicos, essas informações são chave para permitir a implementação da legislação. Dessa forma, todos os agentes do controle público ficam empoderados”, defende Thuault.