A partir do dia 30 de julho, deixamos de usar o selo “distorcido”. No seu lugar, o Truco passa a adotar o selo “Sem Contexto”, cuja definição é: “A afirmação traz informações ou dados corretos, mas falta contexto que é importante para a compreensão dos fatos”. Saiba mais sobre a mudança.
A carreira política de Aldo Rebelo começou em 1989, quando foi eleito vereador em São Paulo pelo PCdoB, partido em que permaneceu por quase quatro décadas. O político chefiou quatro ministérios durante os governos de Lula e Dilma: das Relações Internacionais, dos Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Defesa. Apesar da militância no partido comunista e da participação nos governos do PT, o ex-ministro é próximo dos militares, com os quais teve contato quando chefiou a pasta da Defesa, e do agronegócio, com o qual se relacionou durante a aprovação do novo Código Florestal, em 2012.
A mudança para o Solidariedade (SD), concretizada em abril de 2018, veio apenas sete meses depois de deixar o PCdoB para integrar o PSB. Sua relação com este último azedou quando o partido acenou positivamente à candidatura de Joaquim Barbosa à Presidência, plano que acabou frustrado pouco depois pela desistência do ex-juiz.
Depois de ser declarado pré-candidato pelo Solidariedade, Rebelo passou a promover uma agenda de desenvolvimento econômico e a criticar o que ele chama de “esquerda do politicamente correto” em entrevistas. Em entrevista à BBC Brasil publicada em 14 de maio, Rebelo falou sobre preservação ambiental, estádios da Copa do Mundo e até sobre o golpe de 1964.
O Truco – projeto de checagem de fatos da Agência Pública – verificou oito trechos da entrevista. Também já foram verificadas falas de outros onze pré-candidatos às eleições presidenciais. A assessoria de imprensa de Aldo Rebelo foi contatada pelo Truco para informar as fontes das informações das frases, mas não respondeu. Procurada novamente para comentar os selos atribuídos a elas, contestou quatro das oito checagens. As respostas foram adicionadas às frases correspondentes.
Leia mais:
Manuela D’Ávila erra dados sobre segurança pública
Em artigo escrito da prisão, Lula distorce dados
Meirelles defende governo Temer com dados falsos e distorção
“O golpe de 1964 foi um golpe civil. Foi um golpe do empresariado, da igreja, da embaixada americana, da mídia. Os militares entraram de última hora e não saíram até hoje – a Comissão da Verdade está aí atrás deles. Não pegou nenhum bispo, nenhum padre, nenhum empresário, nenhum embaixador, nenhum editorialista.”
Há um consenso formado entre os historiadores que analisaram o período da ditadura sobre o caráter civil-militar do golpe de 1964. Os acadêmicos não consideram que os militares “entraram de última hora” e concordam que as instituições civis tiveram papel importante no processo. Como Aldo Rebelo minimiza a atuação dos militares nesse período e afirma que o golpe teve apenas caráter civil, sua frase é falsa.
Embora alguns historiadores enfatizem mais o papel civil e outros coloquem mais em primeiro plano a ação dos militares, as pesquisas construíram um entendimento sobre a participação conjunta dos dois grupos. “O fato é que ambos se retroalimentaram na conspiração, que incluiu muitos grupos sociais”, explica Marcos Napolitano, professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). O professor de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do livro Ditadura e Democracia no Brasil, Daniel Aarão Reis Filho, afirma que houve muitos embates até que se criasse um consenso sobre o caráter civil-militar do golpe. “Mas ninguém defende a tese de que foi um golpe apenas civil, nem que os militares entraram de última hora”, diz.
Napolitano afirma que os grupos citados por Aldo Rebelo em sua afirmação de fato tiveram participação ativa na constituição do golpe de 1964. Tais instituições tiveram um papel fundamental no desgaste do governo João Goulart com a sociedade, já intenso por conta da crise econômica. “Além disso, esses grupos citados foram articuladores das ações de protesto e de críticas contra o regime na imprensa e nas ruas”, explica o professor. O elemento comum a todos eles era o anticomunismo. As propostas reformistas da esquerda, principalmente de distribuição de renda, eram interpretadas como componentes de um cenário que poderia levar à implementação do comunismo.
Apesar de ser estudada por historiadores há pelo menos dez anos, a participação de civis no golpe de 1964 ainda é pouco conhecida pela população. O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), no capítulo dedicado à autoria das graves violações de direitos humanos, indica apenas os nomes de cerca de 300 agentes públicos e pessoas a serviço do Estado envolvidas. O mesmo relatório, no entanto, também aborda a relação da sociedade civil com a ditadura, notadamente o empresariado, e avalia a resistência de outros setores da sociedade às violações de direitos humanos.
Além do relatório da CNV, outros estudos analisam a conivência de grupos civis com o golpe. O artigo da historiadora Denise Rollemberg publicado no livro Modernidades Alternativas mostra que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) só adotou uma postura de maior enfrentamento à ditadura após 1972. Do golpe até meados dos anos 1970, o Conselho Federal da organização oscilou entre o apoio ao regime, o silêncio e a crítica discreta às prisões arbitrárias.
Já a tese da também historiadora Janaína Cordeiro analisa a construção do consenso na sociedade civil em torno da ditadura que teve origem com o golpe de 1964. “Habitualmente identificado pela memória coletiva como anos de chumbo, este período significou também, e para expressivos segmentos da sociedade, anos de ouro marcados por grande euforia desenvolvimentista, por expectativas de ascensão social e pelo entusiasmado sentimento de construção do futuro”, diz, no artigo.
Os historiadores destacam ainda que outra instituição civil atuou no golpe de 1964 e está ausente na frase do presidenciável. Trata-se do Congresso Nacional. Ao violar a Constituição e declarar vaga a presidência, o Congresso aceitou eleger indiretamente o general Castelo Branco, apesar de, nesse ínterim, os mandatos de dezenas de parlamentares terem sido cassados. “Nesse momento, o que era uma rebelião militar séria contra o governo se transformou em um golpe de Estado efetivo”, avalia o professor Marcos Napolitano.
Ainda que haja consenso sobre o caráter civil-militar do golpe de 1964, os historiadores divergem em relação ao regime que sucedeu o levante. Aarão Reis Filho, da UFF, foi um dos primeiros historiadores a apontarem que a ditadura também tinha um perfil civil-militar. “Quando levantei a tese, no começo deste século, houve muita celeuma. Hoje a teoria tem ampla aceitação, mas ainda não alcança um consenso”, afirma.
Embora hoje predomine a visão de um regime civil-militar, Napolitano, da USP, é um dos que sustentam a tese de que o governo foi predominantemente militar. Para ele, este é o ponto mais polêmico no debate historiográfico. “Eu pessoalmente defendo a tese de um regime que se militarizou. Na minha opinião, o processo e o sistema político eram controlados pelos militares, em última instância”, diz. Apesar disso, o professor não minimiza o papel importante de civis nas decisões da alta burocracia e as regalias que o regime proporcionou a certos grupos, como o grande empresariado.
Ao ser informada de que a afirmação havia sido classificada como falsa, a assessoria de imprensa de Rebelo disse que o presidenciável se baseou no livro 1964: A Conquista do Estado, de René Armand Dreiffus. A obra, no entanto, foi lançada em 1981 e não reflete o resultado das pesquisas mais recentes sobre o tema.
“O governo não construiu os estádios, ele acompanhou a construção e fiscalizou os prazos.”
A participação estatal na Copa não se resumiu a acompanhar as construções e fiscalizar os prazos. Governos estaduais usaram dinheiro público nas obras de 10 dos 12 estádios da Copa do Mundo, como mostra um levantamento feito pela Agência Pública em junho de 2014. Houve ainda uma linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a ProCopa, que ofereceu empréstimos subsidiados pelo governo federal para 11 das 12 obras. Portanto, a afirmação de Aldo Rebelo, ex-ministro do Esporte, é falsa. Apenas 16,9% do custo dos estádios foi financiado pela iniciativa privada. Os estados foram responsáveis, em muitos casos, pela contratação direta das obras. Além disso, o governo federal teve participação na concessão de empréstimos subsidiados que foram utilizados em quase todas as arenas.
Ainda que a expectativa inicial do Ministério dos Esportes fosse de encontrar parceiros privados para não onerar o Estado com a construção dos estádios, o próprio governo admitiu pouco depois que o plano não funcionou. “Havia uma pretensão, uma expectativa de que pudéssemos mobilizar a iniciativa privada para que ela desse conta [dos investimentos em estádios], (…) [mas] houve uma contradição entre o que se esperava e a realidade”, afirmou Gilberto Carvalho, então secretário-geral da Presidência da República, em entrevista ao UOL em 2014. “Esse esforço de nacionalizar a Copa nos custou a necessidade de entrar com aportes maiores, digamos assim, sobretudo dos governos locais.”
Em 2015, o Ministério do Esporte divulgou o balanço final do custo do Mundial feito no Brasil. O relatório, publicado pouco antes da saída de Aldo Rebelo do cargo de ministro do Esporte, revela que foram investidos R$ 8,3 bilhões nas arenas, seja para obras de construção ou de adequação. Desse montante, R$ 3,8 bilhões saíram dos cofres do BNDES. Apenas 16,9% do custo dos estádios foi financiado pela iniciativa privada, segundo a última versão da matriz de responsabilidade da Copa.
A Agência Pública, de 2014, mostrou que pelo menos R$ 2,2 bilhões foram investidos diretamente pelos governos estaduais na construção ou reforma das arenas da Copa. Os estados de Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso e Paraná, por meio de seus tribunais de contas estaduais e das secretarias responsáveis pelas obras, confirmaram à reportagem o volume de recursos que seus governos injetaram diretamente nas arenas. Diversos outros estados não responderam aos pedidos de contato da reportagem.
O levantamento mostra que há casos em que os estados tiveram que bancar completamente as obras, assumindo dívidas com o BNDES e destinando verbas de seus cofres diretamente para os estádios. A Arena da Amazônia, em Manaus, e a Arena Pantanal, em Cuiabá, são dois exemplos de estádios públicos em que, além da verba gasta diretamente pelos governos estaduais, foi preciso tomar empréstimos significativos com o BNDES para terminar as obras.
Por meio do ProCopa Arenas, o BNDES poderia financiar até 75% das obras de cada estádio, com limite de R$ 400 milhões e prazo de pagamento de até 180 meses. Os empréstimos poderiam ser tomados tanto pelos estados quanto pelas concessionárias contratadas. O único estádio que não utilizou a linha de crédito foi o Mané Garrincha, de Brasília. “Para a construção da Arena da Amazônia, em Manaus, o governo recebeu R$ 400 milhões do BNDES, além dos R$ 269 milhões que estavam previstos para serem gastos na obra com dinheiro do tesouro estadual”, mostram os dados levantados no Portal da Transparência da Copa da Controladoria-Geral da União (CGU). Na Arena da Amazônia, em Manaus, a Andrade Gutierrez – empresa privada responsável pela construção do estádio – foi contratada diretamente pelo poder público por meio de uma licitação questionada pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM). Já o governo do Mato Grosso gastou R$ 286,3 milhões na Arena Pantanal, em Cuiabá, e firmou um empréstimo de R$ 337,9 milhões com o BNDES para complementar o orçamento.
Muitos desses empréstimos feitos pelo ProCopa podem acabar virando calote. É o caso, por exemplo, do empréstimo feito para a construção da Arena Corinthians, segundo avaliação interna da Caixa Econômica Federal. A revelação, feita pela Folha de S.Paulo em janeiro de 2018, mostra que o banco classificou como grande a possibilidade de levar calote do Corinthians no acordo de pagamento do empréstimo de R$ 400 milhões, feito por meio do programa ProCopa Arenas.
A assessoria de Rebelo afirmou que os empréstimos para a construção dos estádios foram destinados para empresas privadas, que devem retornar os valores emprestados. “Isso não se traduz em investimento direto do governo”, disse. Como a checagem demonstrou, contudo, houve também empréstimos subsidiados – ou seja, a um custo menor – e, nos estados, repasses diretos de verbas.
“O Brasil é o país que mais preservou no mundo. Usamos 8% do nosso território para produzir uma das maiores safras do mundo. Os EUA usam 18%, a Índia, 60%. A Europa, muito mais.”
É verdade que o Brasil só utiliza cerca de 8% do território para produção agrícola, um dos menores índices do mundo, e com enorme safra em relação à área plantada. Porém, é também um dos países que mais desmatou nos últimos anos, e os índices de devastação vêm crescendo. Por isso, a afirmação de Aldo Rebelo foi considerada distorcida.
Segundo pesquisa do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (Gite) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), 61% do território nacional é ocupado por vegetação nativa – 30,2% do país são unidades de conservação e terras indígenas. Como citou o pré-candidato, por volta de 8% do território é ocupado por agricultura. De acordo com a Embrapa, são 7,8%. Outras organizações têm números semelhantes. Para a organização não-governamental norte-americana Global CropLands (Terras de Cultivo Globais, em português), são 7,6%, e, segundo a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), são 8,6%.
Considerando, no entanto, as áreas de pastagem (23,5%) e de colheita permanente (0,8%), 32,9% do território brasileiro é utilizado para agropecuária. Os dados são do World Factbook da CIA, que compara índices globais. Os Estados Unidos utilizam 16,8% do seu território para agricultura e 27,4% para pastagens. Na Índia, 52,8% da terra é utilizada para agricultura e 3,5%, para pecuária, além de 4,5% de colheita permanente. O maior país da Europa, a França, utiliza 33,4% de seu território para a agricultura e 17,5% para pastagem. Em seguida vem a Espanha com 25% e 20%, respectivamente. A Alemanha utiliza 34% do seu território para agricultura, mais 13,3% para pastagem. Os índices europeus são menores que os da Índia, mas maiores que o Brasil.
A porcentagem de território utilizado pelo Brasil para agricultura não é a menor do mundo. Segundo a Global Croplands, a Colômbia utiliza apenas 5,58%, por exemplo. Países como Congo, Angola e Finlândia também utilizam áreas menores.
Os principais produtos agrícolas produzidos pelo Brasil são café, soja, milho, cana-de-açúcar e arroz, de acordo com o IBGE. O Relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês), de 2014, diz que o Brasil foi naquele ano o segundo maior fornecedor mundial de alimentos e produtos agrícolas. Além disso, o país é o maior produtor de cana-de-açúcar no mundo, com uma safra de 74 mil quilos por hectare, somando 737 milhões de toneladas em 2014.
Mesmo que a produção brasileira seja grande para a porcentagem de áreas usadas para a agricultura, isso não significa que o país é o que mais preserva no mundo. Pelo contrário, de acordo com registros da FAO, reunidos pelo Banco Mundial, o Brasil perdeu 10% da sua área de florestas de 1990 para 2015 – a média mundial de perda florestal foi de 1%. Segundo o Global Forest Watch (Observatório Global de Florestas), o Brasil é o país com maior índice de desmatamento. De 2001 a 2016, o país desmatou 42,1 milhões de hectares de florestas. Em segundo lugar está a Rússia, com 40 milhões de hectares, seguida pelos Estados Unidos, com 31 milhões de hectares.
Dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) mostram que o desmatamento na região aumentou de 2001 (18 mil de quilômetros quadrados) para 2004 (27 mil de quilômetros quadrados). A partir disso, o índice caiu até 2012, quando chegou ao recorde mínimo de 4 mil quilômetros quadrados desmatados. Depois, o índice voltou a subir. Ano passado foram 7 mil quilômetros quadrados de desmatamento só na Amazônia.
Por meio de sua assessoria de imprensa, Rebelo contestou o resultado da checagem, dizendo que ele se referiu à safra e não à pecuária. O presidenciável, contudo, relacionou a pequena parcela de área plantada à preservação do meio ambiente, mas os dados não mostram uma ligação entre as duas coisas.
“Quando houve uma audiência sobre o Código Florestal no Supremo Tribunal Federal, o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente foram lá defendê-lo.”
Aldo Rebelo foi relator do projeto de lei que deu origem ao novo Código Florestal em 2012 e o defendeu na entrevista concedida à BBC. A Lei nº 12.651/2012 prevê a obrigatoriedade do registro de todas as propriedades rurais num sistema online monitorado pelo governo federal, o chamado Cadastro Ambiental Rural (CAR). O novo código também prevê a manutenção da vegetação nativa em áreas de preservação permanente, como nascentes e margens de rios, e a preservação de uma porcentagem do imóvel, as chamadas Reservas Legais, que variam de 20% a 80%, conforme o bioma no qual a terra se localiza.
Apesar de ter sido muito criticado por organizações e ativistas pelo meio ambiente, o código foi de fato defendido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pelo Ministério do Meio Ambiente.
Em abril de 2016, quando foi realizada audiência pública sobre o tema no Supremo Tribunal Federal (STF), o representante do Ibama, Paulo José Fontes, apresentou esclarecimentos técnicos relacionados ao tema e disse que, com o código, é possível alcançar resultados positivos. O ministério também se posicionou a favor da lei no evento. “O novo Código Florestal trouxe a possibilidade de se ter produção agrícola e de alimentos a partir de uma nova gestão territorial com respeito ao meio ambiente”, disse, na ocasião, o representante da pasta e diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, Raimundo Deusdará Filho.
O Ministério do Meio Ambiente é responsável pela implementação do Cadastro Ambiental Rural, criado através do Código. Deusdará Filho também defendeu esse mecanismo durante a audiência. “O cadastro é a concretude da maioria dos dispositivos contidos no novo Código que tratam da área rural”. Em outra ocasião, o diretor do Ibama, Luciano Evaristo, também elogiou o mecanismo. “O CAR é a carteira de identidade da propriedade, diz quem desmatou. Os órgãos de persecução criminal agradecem – houve queda das quadrilhas do crime organizado”, disse. Reportagem da Agência Pública mostrou que dois terços dos imóveis declarados no CAR do Pará tinham alguma sobreposição, enquanto pelo menos 20 registros foram validados em terras indígenas – o que é proibido.
Durante a audiência, outras entidades criticaram o código. A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) alertou para falhas na determinação de áreas de proteção permanente próximas a rios ou lagos.
“Quando houve a Conferência do Clima na ONU, todas as ONGs elogiaram [o Código Florestal] como sendo o fiador do Brasil para cumprir as metas do clima.”
O novo Código Florestal brasileiro foi criticado por diversas organizações nacional e internacionalmente. Dentre os pontos mais polêmicos está a anistia a infrações ambientais cometidas até 2008. “O proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito”, diz o parágrafo 4º do artigo 59.
Segundo estudo do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), isso representa 41 milhões de hectares que deixarão de ser recuperados. Esses e outros dados que contestam o Código Florestal foram levados mais de uma vez à Conferência das Partes das Nações Unidas pelo Clima (COP).
Em um dos eventos, o Observatório do Clima apresentou um estudo feito em 2010 que avaliou possíveis impactos da implementação do novo Código Florestal nas metas climáticas prometidas pelo Brasil. Os resultados apontaram que, com a redução de áreas de proteção permanente de rios com largura de até 5 metros – que antes da lei era de 30 metros e passou para 15 metros –, o país aumentaria seu potencial de emissão de gases de efeito estufa em 573 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) equivalente. Isso prejudicaria o compromisso do Brasil de reduzir as emissões anuais em 160 milhões de toneladas de CO2 até 2020, meta estabelecida no Acordo de Copenhague em 2010.
Além das conferências internacionais, organizações como o Instituto Socioambiental, a Rede de ONGs da Mata Atlântica e a Maternatura entraram com ações de inconstitucionalidade junto ao STF depois que o novo código foi aprovado. O julgamento deu parecer favorável à constitucionalidade da lei.
Apesar de todas as falhas, no entanto, ambientalistas também lutam pela correta implementação da lei. “Para que haja preservação e que algumas das metas sejam cumpridas é preciso que o código esteja operando. Mas isso é completamente diferente de apoiar as mudanças feitas com o código”, diz Claudio Angelo, coordenador do Observatório do Clima.
Para contestar o resultado da checagem, a assessoria de imprensa de Rebelo enviou uma frase de Andrea Azevedo, diretora-adjunta do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), e membro do observatório: “O Código Florestal é o principal instrumento legal que permitirá ao país atingir sua meta de redução de gases do efeito estufa.” Mas a fala, dita na COP 21, foi acompanhada de críticas ao código, como a falta de transparência e problemas de planejamento.
“[O Código Florestal] é a lei mais rigorosa do mundo.”
Não é possível comparar o Código Florestal brasileiro com outras legislações ambientais no mundo. Isso porque essa não é a única lei que regulamenta o uso do solo e a proteção ambiental no país – existe ainda a lei da mata atlântica, a lei de parcelamento do solo urbano, e leis estaduais e municipais, entre outras.
Além disso, a comparação legal não é tão simples. “Um país não ter reservas legais ou áreas de proteção permanentes especificadas em lei não quer dizer que ele não tenha áreas de proteção e outras formas de fazê-lo”, explica Roberta DelGiudice, secretária executiva do Observatório do Código Florestal. Ela ainda lembra que a questão da implementação também é importante e que os mecanismos de fiscalização e controle precisam ser bons. “Não adianta nada ter uma lei rigorosa e não aplicá-la.”
Ademais, o advogado socioambiental, Raul Telles do Valle explica que cada país possui condições ambientais e sociais diversas, o que torna suas legislações difíceis de se comparar. “As leis de países diferentes são estruturadas com lógicas diferentes, pois respondem a realidades diferentes e sociedades diferentes.”
Um estudo da Iniciativa para Uso de Terra (Input) comparou as legislações ambientais dos dez maiores países agroexportadores do mundo e concluiu que o Código Florestal brasileiro é a lei mais rígida nessa amostra. Dos países analisados, o Brasil é o que tem maior área de floresta nativa e a segunda menor área dedicada à agropecuária, atrás do Canadá. No que diz respeito à legislação brasileira, o estudo diz que ela é a única entre os países que proíbe completamente a exploração econômica dos recursos florestais dentro das áreas de proteção permanente, como nascentes e margens de rios e lagos ou encostas de morros. Também é aquela com maior faixa de preservação nessas áreas (de 5 a 500 metros). Mas a pesquisa não pode ser usada como parâmetro para dizer que o Brasil possui a mais rígida legislação ambiental do mundo, pois não compara todos os países – e isso nem seria possível, como apontam os especialistas.
Outro estudo, realizado pelo Imazon em parceria com o Greenpeace, em 2011, conclui que diversos países possuem leis igualmente rígidas de proteção florestal. Foram analisadas legislações de dez países levando em conta cobertura florestal, leis florestais relativas ao desmatamento e à degradação e incentivos para o reflorestamento. No caso da China, por exemplo, todas as florestas são de propriedade do Estado e não devem ser usadas para projetos de mineração e infraestrutura. Quando essas atividades forem absolutamente necessárias, é preciso obter uma autorização do órgão competente e pagar uma taxa de restauração florestal. Na França, os regulamentos afirmam que “ninguém tem o direito de converter suas florestas sem primeiramente obter uma autorização administrativa”. Proprietários florestais necessitam fazer um estudo de impacto ambiental (EIA) quando buscam permissão para converter as florestas, especialmente se a área for maior que 25 hectares.
“No Rio Grande do Sul, um plantador de arroz tem que licenciar a produção todo ano. Nem na usina nuclear de Angra dos Reis há licenciamento anual. São imposições que dificultam.”
A afirmação de Aldo Rebelo é falsa. O pesquisador da área ambiental Rafael Nunes dos Santos, que atua no programa de Agronomia da Estação Experimental do Arroz do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) de Cachoeirinha, disse que não existe nenhuma licença anual para a produção de arroz no estado. O diretor jurídico da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Anderson Belloli, também afirmou que desconhece essa obrigatoriedade citada pelo presidenciável.
Em nota, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam), instituição responsável pelo licenciamento ambiental no Rio Grande do Sul, respondeu que “a afirmação de que as licenças ambientais expedidas pela Fepam para empreendimentos de irrigação possuem validade de um ano está incorreta, portanto as atividades de cultivo de arroz em questão não necessitam de licenciamento anual”. A Resolução n° 332 de 2016 do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) determina que os três tipo de licença ambiental (prévia, de instalação e de operação) possuem a validade de cinco anos.
No caso da usina nuclear de Angra dos Reis, o presidenciável não especificou se estava se referindo à licença ambiental ou à nuclear. No primeiro caso, em março de 2014 o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu a licença ambiental unificada, chamada Licença de Operação, para a central nuclear de Angra, com validade de dez anos. Quanto à segunda, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) emite, primeiramente, uma Autorização de Operação Inicial e, em seguida, uma Autorização de Operação Permanente para as usinas nucleares brasileiras. São as únicas licenças concedidas durante o funcionamento dessas unidades. No dia 17 de setembro de 2010, a usina Angra 1 conseguiu a autorização de operação, que tem validade até 2024. Já a de Angra 2 expira em 2041. De acordo com a assessoria de imprensa da Eletronuclear, a cada dez anos a Cnen faz uma revisão periódica de segurança e, quando a data de expiração de cada licença se aproxima, a empresa pode entrar com um pedido de extensão por mais 20 anos.
“Obras de desenvolvimento da Amazônia beneficiam a população do estado com a expectativa de vida mais baixa no Brasil, que tem o padrão de vida mais baixo do mundo.”
Aldo Rebelo não especificou a qual estado da Amazônia Legal se referiu em sua frase. Ele usa o termo “Amazônia” em vários momentos ao longo da entrevista dada à BBC, sem relacioná-lo a uma área delimitada. Ainda assim, nenhuma das unidades da Federação que compõem a Amazônia Legal atende simultaneamente às duas condições citadas pelo político: ter a expectativa de vida mais baixa do Brasil e apresentar o padrão de vida mais baixo do mundo. Além disso, as obras de desenvolvimento realizadas na região tiveram impactos negativos sobre as populações afetadas. A afirmação é falsa.
A Amazônia Legal é formada por oito estados – Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins – e por uma parte do Maranhão. De acordo com dados de 2016 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida mais baixa do país era a do Maranhão, com média de 70,6 anos. Mas apenas cerca de metade da área do estado integra a Amazônia e cerca de 75% da floresta já foi desmatada. Locais que têm todo o território incluído na Amazônia Legal exibiram indicadores melhores. A expectativa de vida era maior em Rondônia (71,3), Roraima (71,5), Amazonas (71,9), Pará (72,1), Tocantins (73,4), Acre (73,9), Amapá (73,9) e Mato Grosso (74,2). A média brasileira foi de 75,8 anos.
Não foi encontrada nenhuma pesquisa que meça o padrão de vida em cada país do mundo. Além disso, não existe um consenso para definir os termos “padrão de vida” e “qualidade de vida”, já que ambos os conceitos podem ser analisados a partir de metodologias diferentes de pesquisa.
Um dos modos de verificar isso é pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2010, levantamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O levantamento analisa a situação de três indicadores – renda, educação e saúde –, que podem variar de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (muito desenvolvido). Dos 27 estados brasileiros, o pior resultado foi obtido por Alagoas (0,631), seguido pelo Maranhão (0,639) e Pará (0,646). Em comparação com o resto do mundo, o Brasil (0,755) está no 75º lugar. Já a República Centro Africana (0,350) e o Níger (0,348) ocupam as últimas colocações dos 188 países presentes na pesquisa.
As consequências de obras de desenvolvimento na Amazônia foram mostradas na série “Amazônia Pública”, da Agência Pública, transformada em livro-reportagem em 2013. Seis repórteres foram a campo para identificar o impacto de grandes empreendimentos na Floresta Nacional de Carajás e no rio Tapajós, no Pará, e no rio Madeira, em Rondônia. Populações inteiras foram deslocadas, cidades e povoados tiveram de lidar com a chegada de milhares de moradores – sem terem estrutura para o aumento repentino da população – e muito pouco da riqueza produzida ficou nessas áreas.
Veja outras checagens dos presidenciáveis
Os exageros e imprecisões nas falas de Álvaro Dias
Pré-candidato do Podemos citou dado falso sobre sua aprovação como governador e acertou parcela de brasileiros abaixo da linha de pobreza
Ao falar do Brasil, Ciro Gomes usa dados falsos e exagerados
Presidenciável citou números errados sobre segurança, dívida pública e Previdência ao participar de fóruns e entrevistas na Europa