Nestas eleições a Procuradoria-Geral do Trabalho (PGT) registrou até o momento 199 denúncias em 14 estados relacionadas a coação eleitoral, uma prática que ocorre quando donos de empresas ou superiores tentam influenciar os votos de seus subordinados valendo-se da posição hierárquica de poder.
Levantamento inédito da Pública junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT) nos estados revela também que, nos casos em que o MPT abriu parte do conteúdo das denúncias de coação, a maioria das empresas acusadas foram favoráveis ao candidato Jair Bolsonaro (PSL).
A PGT registrou denúncias contra mais de 60 empresas pelo país. Em 57 destas empresas denunciadas foi possível identificar a motivação eleitoral dos casos de coação. 28 delas são acusadas de coação em favor de Bolsonaro e apenas uma foi contrária ao candidato do PSL. Do restante dos casos identificados até agora, 25 estão sob sigilo ou não há conclusão de quem se beneficiou da prática de coação; outros três casos foram em favor de parlamentares.
A região Sul concentra 157 denúncias, ou seja, 79% do total registrado pela PGT. Há casos de camisetas e comunicados idênticos distribuídos em empresas diferentes, o que sugere uma comunicação entre os empresários nos atos denunciados.
O caso Komeco
Com 100 denúncias, Santa Catarina teve o maior número de relatos de coação eleitoral. Um deles ocorreu na Komeco, que se intitula a “maior fabricante de ar-condicionado do Brasil”, com faturamento anual de centenas de milhões de reais.
No último mês, os servidores da Komeco receberam um email a respeito de uma palestra. Sucinto, o convite informava sobre a visita de um palestrante às 13h do dia 24 de setembro. Segundo relatos de funcionários que falaram à Pública sob a condição de anonimato, o que seria uma reunião profissional se transformou num palanque político-eleitoral durante 40 minutos.
Estavam presentes nessa coação o presidente da empresa, Denisson Moura de Freitas, e dois políticos: o prefeito de Palhoça (SC), Camilo Martins (PSD), e seu pai, o agora eleito deputado estadual Nazareno Martins (PSB).
“A gente recebeu um email dizendo que teria uma palestra. E quando chegou lá embaixo ia acontecer primeiro essa conversa com o deputado, o prefeito e o dono da empresa”, relata uma funcionária sob anonimato.
Durante a reunião, os dois políticos falaram sobre propostas e projetos que pretendiam levar a cabo em seus respectivos cargos, sobretudo melhorias a serem implantadas em Palhoça, cidade da região metropolitana de Florianópolis, onde está sediada a Komeco.
Ainda segundo os relatos, Denisson Freitas encerrou sua fala fazendo uma defesa aberta do candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL). Somente depois, a palestra programada se concretizou. “Ele pegou 40 minutos dessa palestra para deixar o Nazareno fazer a propaganda dele e foi bem desconfortável”, contou uma funcionária. “O cara já tem todo o horário de propaganda eleitoral para falar sobre as propostas e ainda levam ele pra empresa? A gente estava numa palestra de trabalho”, reclama.
A justificativa dada pelo presidente da empresa, segundo os relatos, era que os políticos apoiavam a Komeco. “Depois ele [Denisson] pegou o microfone da mão do candidato e ficou falando: ‘Vocês sabem que o Bolsonaro vai melhorar a economia do nosso país, vai melhorar a situação paro os empresários. Vamos apoiar o Bolsonaro pra presidente’.”
Em nota pública divulgada no dia 1o deste mês, o procurador-geral do trabalho, Ronaldo Curado Fleury, alerta que é proibida a imposição, coação ou direcionamento nas escolhas políticas dos empregados. “Se ficar comprovado que empresas estão, de alguma forma e ainda que não diretamente, sugestionando os trabalhadores a votar em determinado candidato ou mesmo condicionando a manutenção dos empregos ao voto em determinado candidato, essa empresa vai estar sujeita a uma ação civil pública, inclusive com repercussões no sentido de indenização pelo dano moral causado àquela coletividade”, explica o procurador.
“Os princípios de direito do trabalho recomendam que o patrão tenha responsabilidade no exercício da posição de poder na qual está investido. Os empregados sabem que precisam conter algumas atitudes porque sabem que do outro lado está o patrão que lhes dá o emprego e que tem a possibilidade de descartá-lo. É muito forte para o trabalhador saber que pode ser dispensado caso um político não vença”, argumenta a procuradora Cristiane Lopes, do MPT do Paraná. “Além disso, existem leis e convenções internacionais a que o Brasil aderiu que proíbem discriminação por opinião política e assédio moral no trabalho. Por outro lado, temos as várias condutas tipificadas como crimes eleitorais. A coação eleitoral está prevista no Código Eleitoral”, afirma.
No caso da Komeco, o episódio não parou na palestra. Na semana anterior à do primeiro turno das eleições, um áudio atribuído ao presidente da empresa passou a circular entre os funcionários.
“Semana que vem, pessoal, é uma semana que aqui na empresa nós estamos chamando de semana do Bolsonaro. Todo funcionário que quiser colocar um adesivo [do candidato] a empresa vai pagar metade do adesivo. A camiseta [do candidato] custa 30 pila, nós vamos estar comprando por 30 e vendendo pro funcionário pra ele poder pagar R$ 10. Vai ser a semana que a gente vai trabalhar a semana inteira uniformizado de Bolsonaro: carro adesivado e camiseta vestida”, narra um trecho do áudio.
Em outro, se escuta: “A gente vai deixar claro pra todos os nossos colaboradores e tentar incentivá-los assim como fornecedores que não só eles, mas os amigos deles, os vizinhos deles votem em Bolsonaro. Tá na hora da gente entrar na briga e assumir posição […]. É impossível, é imprevisível o que vai acontecer no Brasil se o PT ganhar. E isso é algo que envolve a manutenção e a sobrevivência de todos nós: a minha, a de vocês, a da família de vocês. Isso é algo muito sério. Não brinquem com isso. Tá na hora da gente vestir a camisa de Bolsonaro e trabalhar no sentido de ganhar o pão e convencer as pessoas de que nós precisamos votar no Bolsonaro”.
Alguns funcionários ouvidos pela reportagem afirmaram à Pública que o áudio foi enviado pelo presidente, Denisson Freitas. A reportagem teve acesso também a emails com as promoções de camisetas e adesivos em favor do candidato do PSL. A assessoria do MPT-SC confirmou que a Komeco foi denunciada por coação eleitoral. Procurada, a empresa não respondeu à reportagem após tentativas de contato por email e telefone.
Procuradores relatam que número de denúncias é inédito
“O grande número de denúncias de coação eleitoral é inédito, nunca tinha pegado nenhum caso parecido durante os oito anos de MPT”, afirmou Fernanda Pessamilio Freitas Ferreira, procuradora do MPT do Rio Grande do Sul, segundo estado com maior número de denúncias (32).
“Realmente é uma situação inédita”, reforçou Artur de Azambuja Rodrigues, procurador do Trabalho no Rio de Janeiro com 20 anos de experiência. O MPT explica que não só os funcionários podem denunciar casos de coação. Qualquer pessoa no território nacional pode reportar casos de coação eleitoral – inclusive de forma anônima.
Conforme levantamento da Pública junto ao MPT nos estados, a campanha dentro das empresas denunciadas foi feita por meio de cartas, vídeos, emails, WhatsApp ou no corpo a corpo, com a participação dos donos do negócio.
É o caso do “ato cívico” transmitido ao vivo pelo Facebook pelo dono da empresa Havan, de Santa Catarina, Luciano Hang. No “ato cívico”, publicado em seu perfil oficial, Hang aparece vestindo uma camisa com os escritos de “Bolsonaro Presidente” diante de uma plateia de funcionários vestidos de verde e amarelo. Ele coloca o hino do Brasil para tocar, logo depois discorre sobre os horrores do comunismo e traça um cenário caótico caso o PT ganhe as eleições.
“Algumas pessoas eu escuto achando que quem vai sofrer se por acaso o PT ganhar vai ser nós. Nós, os empreendedores, nós, os investidores, nós, os empresários. Pessoal, nós vamos sofrer muito porque nos dói no coração ter que fechar empresas, ter que demitir pessoas. […] Não se esqueça: quando um país fica pobre, tudo desvaloriza. Principalmente o trabalho e o trabalhador”, diz Hang. Em outra fala, ele afirma: “Se não abrir mais lojas e se nós voltarmos para trás, você está preparado para sair da Havan? Você que sonha em ser líder, gerente, crescer com a Havan, já imaginou que tudo isso pode acabar no dia 7 de outubro?”.
Hang foi denunciado e condenado pela Justiça do Trabalho de Santa Catarina. Na decisão, o juiz Carlos Alberto Pereira de Castro comparou a prática ao “voto de cabresto”. Afirmou ainda que o pronunciamento continha “ameaças veladas” com “conduta flagrantemente amedrontadora” e que a fala de Hang indicava “intenção de ordenar o comportamento de votar em um candidato, o de sua predileção”. “Não cabe ao empregador, no ambiente de trabalho de seus empregados, promover atos políticos em favor ou desfavor de candidatos ou agremiações, fazendo-os de ‘claque’”, reforçou o magistrado.
Jessyca Reis, operadora comercial que figura entre os mais de 13 mil funcionários da Havan, relata à Pública que, quando o primeiro turno se aproximou, o sistema de email interno na empresa se encheu de mensagens políticas. “Nos últimos dias, em vez de mandar os procedimentos de trabalho pra gente, ele estava nos perguntando em quem a gente votaria. Lá nessa enquete tinha o nome de todos os partidos, menos o PT. E aí quando a gente respondia que votaria ou em nulo ou branco, voltava uma mensagem: ‘Você tem certeza que você vai votar nulo ou branco?’”, conta. “Aí foi quando surgiu toda a polêmica do vídeo, falando que ele sabia, porque ele tinha feito uma pesquisa interna, que 30% da empresa votaria branco ou nulo e que, se porventura o candidato dele não ganhasse, essas pessoas poderiam ser mandadas embora.”
Jessyca afirma que vai votar em branco no segundo turno por não gostar dos candidatos. “Isso começou desde que ele anunciou que apoiaria o partido do Bolsonaro. Parece que volta pro tempo da escravidão, que os servidores não têm voz ativa. Quem manda são os senhores. Se descobrirem que eu não votei no Bolsonaro, meu emprego tá na reta final?”, queixa-se Jessyca.
A Havan é mencionada também pela repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo como uma das empresas que pagaram pacotes de veiculação de notícias contrárias ao PT no WhatsApp durante as eleições. Em nota à Pública, a empresa negou ter cometido coação eleitoral e afirmou: “É importante destacar que vivemos um momento único da nossa história. Do mais humilde cidadão, ao togado magistrado, a possibilidade de expressão e veiculação de pensamentos está mais livre do que nunca. Abster-se de se posicionar, neste tão importante momento, ou pior, considerar que dever cívico nenhum cabe a cada brasileiro, é, além de um ato antipatriótico, uma enorme irresponsabilidade. Ademais, o Estado Democrático de Direito assegura a cada cidadão a liberdade de expressão e pensamento”.
Patrões pedem voto em tom de ameaça
Assim como na Havan, outras empresas adotaram um discurso de ameaça ou de terrorismo para convencer seus empregados a votar no candidato Jair Bolsonaro.
“Muitas empresas já saíram do Brasil, e se o PT voltar ao poder, é certo que a grande maioria das empresas que ainda persistem, irão se bandear para outros países”, diz a carta assinada pelo Grupo K1, um dos maiores grupos moveleiros da América Latina.
A mensagem enviada por email aos funcionários às vésperas do primeiro turno das eleições conclama: “Para salvar o país, e para um Brasil melhor! Eleja deputados e senadores que não apoiam o comunismo. E vote… Jair Bolsonaro, nº 17, presidente”.
O Grupo K1 destaca na mensagem que existe uma mobilização dos patrões nestas eleições: “Estamos a poucos dias de decidirmos o rumo do Brasil para os próximos anos. Vocês devem ter recebido pelas redes sociais inúmeras manifestações de empresários de todo o país durante as últimas semanas. A nossa empresa não poderia ficar fora desta grande mobilização”.
De acordo com a procuradora do MPT do Rio Grande do Sul, Fernanda Pessamilio Freitas Ferreira, a carta enviada pelo Grupo K1 pedindo votos para Bolsonaro teve tom de ameaça. “Os empregados poderiam interpretar que o emprego deles estaria em risco”, observou. O grupo, que é detentor de nove marcas, dentre elas, a Móveis Kappesberg e Idélli Ambiente, conta com 1.700 colaboradores.
Um dia antes das eleições, Fernanda conseguiu uma liminar contra a empresa. O Grupo K1 foi obrigado a divulgar um comunicado na página oficial do Facebook alertando aos seus funcionários sobre o direito de escolherem livremente os candidatos a cargos eletivos e ressaltando a ilegalidade da influência da empresa em seus votos. O texto teve que ser encaminhado também aos trabalhadores e a liminar, anexada no quadro de aviso da empresa. A multa, em caso de descumprimento, é de R$ 300 mil.
Fernanda explicou que ajuizou a ação porque a K1 se recusou a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). “Eu chamei a empresa no mesmo dia em que recebi a denúncia, na sexta, véspera de eleição, para a audiência. A empresa admitiu, mas achou que estava certa. Eu propus o TAC, mas o advogado não quis nem ler o TAC”, contou. Procurado, o grupo não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Também foi sob ameaça que o dono da empresa Tabacos D’Itália, Gilmar João Alba, localizada em Venâncio Aires, no Rio Grande do Sul, tentou convencer seus funcionários a votar em Jair Bolsonaro. “Se Bolsonaro não ganhar, eu vou embora”, disse em reunião com os empregados, registrada em vídeo. “Nós dependemos de vocês ou as empresas não vão pra frente, mas, se nós, empresas, não existirmos no mercado, quem são vocês? Quem são vocês? Vocês são menos ainda”, afirmou.
“Me desculpa se tem alguém do PT, depois eu gostaria de saber também se tem algum PT aqui no meio. É uma maravilha em saber e tentar mudar a cabeça dessa pessoa porque ela tem que pensar um pouquinho nas empresas, da onde vem o nosso dinheiro pra comer no dia a dia”, acrescentou o empresário.
À Pública, Alba disse que fez o discurso sem saber da ilegalidade e que o caso já foi resolvido junto ao MPT. “Eu já me redimi, já conversei com os funcionários, já foi tudo resolvido”, ressaltou. A Tabacos D’Itália firmou um TAC com o MPT. Em cumprimento ao acordo, Alba teve que se retratar com os empregados. A empresa conta com cerca de 60 funcionários.
A denúncia contra a fumageira de Venâncio Aires foi feita pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Fumo, Alimentação e Afins do município. “Antes era uma opressão mascarada. As pessoas sabiam que tinham que trabalhar na linha dentro das empresas, de acordo com a cabeça de seus patrões, mas não era da forma como é hoje, aberta. Hoje o trabalhador se sente praticamente escravo”, comparou o presidente da entidade, Rogério Borges Siqueira.
Na avaliação dele, o momento político e o afrouxamento na legislação trabalhista estão motivando os empresários a pedir voto de forma incisiva aos seus funcionários. “Eles estão se sentindo na liberdade de fazer com que o empregado se sinta coagido e faça o que ele quer porque a empresa é dele”, destacou.
Condor e Sierra Móveis dão o mesmo recado
O dono da rede de Supermercados Condor, de Curitiba, Pedro Joanir Zonta, e o da Sierra Móveis, de Gramado, Luis André Tissot, enviaram aos seus funcionários uma carta exatamente igual, também pedindo voto ao candidato Jair Bolsonaro. Uma demonstração de que parte do empresariado está agindo em conjunto, conforme anunciou o Grupo K1.
No documento, eles enumeram motivos para votar no candidato do PSL à Presidência, como, por exemplo, “garantia de crescimento e desenvolvimento econômico do Brasil”, “volta do investimento”, “aumento dos empregos”, “melhora do ambiente de negócios”, “trabalhará com os empresários e trabalhadores para um país melhor”. Nos motivos para não votar na esquerda, a carta destaca “desestruturação das empresas brasileiras, públicas ou privadas”, o “agravamento da crise econômica”, o “aumento do desemprego” e a “transformação do Brasil em uma Venezuela”, entre outros.
A empresa faz ainda a seguinte afirmação no texto encaminhado aos trabalhadores: “Nesta carta, fica o meu compromisso, com você meu colaborador hoje, do que não haverá de forma alguma, corte no 13º (décimo terceiro) e nas férias dos colaboradores do Grupo Sierra. Acredito no Bolsonaro, votarei nele e peço que confiem em mim e nele para colocar o Brasil no rumo certo”.
O MPT do Rio Grande do Sul recebeu três denúncias contra a Sierra Móveis por causa do documento distribuído aos funcionários: “Indução a voto em seu candidato a presidente através de carta declaratória aos funcionários e distribuição de adesivos aos funcionários”, diz uma delas. De acordo com o procurador do trabalho do Rio Grande do Sul, Ricardo Garcia, as denúncias foram anônimas e ele não sabe ao certo como a carta foi distribuída dentro da empresa. Na sua avaliação, está claro de que foi destinada aos trabalhadores.
“O teor da carta transmite a mensagem de que não votar no candidato apontado pelo empregador seria prejudicial ao país, à empresa e aos empregos dos colaboradores, não concordando com as posições defendidas por partidos políticos não alinhados com a ideologia propagada pelo candidato defendido”, diz a ação cautelar ajuizada pelo MPT contra a Sierra Móveis, para evitar a circulação do texto.
A decisão do juiz da 1ª Vara do Trabalho de Gramado foi favorável à empresa. Segundo Ricardo Garcia, esse foi o único caso no Rio Grande do Sul em que a Justiça não acatou a liminar, com o argumento de que a missiva “encontra-se nos limites da livre manifestação de pensamento”. “Cuida-se de mera propaganda eleitoral, no meu sentir, totalmente lícita”, acrescentou o juiz Artur Peixoto San Martin.
O procurador afirmou que vai propor uma Ação Civil Pública contra a Sierra Móveis pedindo a condenação por dano moral coletivo para responsabilizar a empresa e coibir a mesma prática no futuro. “Ele tem o poder de demitir o empregado a qualquer momento sem nem sequer explicar o motivo. Esse poder que ele tem sobre todos os seus empregados, evidentemente que influencia, que constrange o trabalhador”, destacou Garcia.
A Pública entrou em contato com a empresa, mas foi informada de que apenas Luis André Tissot, que está em viagem, poderia comentar o assunto. Nenhum contato direto do proprietário foi fornecido à reportagem.
No Paraná, a rede Condor firmou um TAC com o MPT. A empresa foi obrigada a divulgar um comunicado retificando o conteúdo da carta original. “A rede Condor, em respeito à intimidade e à liberdade do cidadão trabalhador, vem informar que respeita as leis trabalhistas e os tratados de direitos humanos, e que não tolera a imposição ou direcionamento nas escolhas políticas dos empregados durante o processo eleitoral. Em consequência desse posicionamento, qualquer ato praticado em sentido contrário está expressamente desautorizado e os responsáveis estarão sujeitos a punição disciplinar”, afirma o texto, que também foi afixado no relógio de ponto dos funcionários e distribuído nas redes sociais. A reportagem não conseguiu contato com a rede de supermercados.
Em campanha na hora do trabalho
Na Construtora Mânica, também no Rio Grande do Sul, os funcionários ganharam camisa da campanha do candidato Jair Bolsonaro. A foto dos empregados com camiseta verde com os dizeres em amarelo “O Brasil que queremos só depende de nós”, tirada no canteiro de obras, foi postada na página do Facebook da empresa e de seu proprietário, Marcelo Mânica. A camiseta traz as mesmas frases das utilizadas por funcionários da Havan nos “atos cívicos” de Luciano Hang. A partir da pesquisa feita na rede social da construtora, o MPT concluiu que “houve uma participação massiva dos empregados em manifestações de apoio a Jair Bolsonaro no ambiente e em horário de trabalho”.
“Se mostra notável o apoio partidário e ostensivo por parte do empregador, que forneceu o ‘uniforme’ utilizado pelos empregados em suas manifestações, assim como instigou a participação coletiva de apoio à eleição de seu candidato predileto”, destacou o MPT na ação ajuizada contra a empresa. “As atitudes dos requeridos, dentre elas o induzimento dos empregados para que em local e em horário de trabalho participem de atos de apoio ao seu candidato predileto, intimidam, constrangem, coagem, admoestam e ameaçam os empregados da empresa ré quanto a suas escolhas políticas, em evidente prejuízo aos seus direitos fundamentais à intimidade, igualdade e liberdade política, com especial gravidade considerando a proximidade das eleições presidenciais no próximo domingo”, observou o órgão.
Em acordo firmado com o MPT, a construtora comprometeu-se a fornecer camisetas da campanha #ChegadeTrabalhoInfantil a todos os empregados, tirar foto da equipe e publicá-la em redes sociais. Os empregados terão que usar a camiseta, como uniforme, pelo prazo mínimo de 30 dias, em dias intercalados.
O dono da empresa, Marcelo Mânica, disse à Pública que não obrigou nenhum de seus funcionários a usar a camisa da campanha de Jair Bolsonaro. “O que teve foi uma opinião minha, proprietário da empresa, de quem é o melhor candidato. E mostramos para eles o que a gente acha que é o melhor candidato, que é o melhor para o Brasil. Nunca obrigamos e nunca coagimos ninguém a votar em ninguém e nem obrigamos ninguém a usar camisa nenhuma. Foi uma opção de cada um. Não teve coação nenhuma”, afirmou. “Eu achava que como proprietário da empresa, a gente quer um país melhor, podia opinar, mas nunca achei que poderia ser ilegal”, acrescentou.
Convocação na intranet à colinha eleitoral
O MPT do Rio de Janeiro recebeu oito denúncias de coação eleitoral, entre elas uma contra o administrador do Sesc e Senac no estado, Luiz Gastão Bittencourt da Silva. Ele mandou carta para os funcionários das duas instituições em que indica voto em Jair Bolsonaro. “Voto como cidadão e indico a todos aqueles que acreditam no meu trabalho, nas minhas ações e na minha determinação de servir à sociedade que vote em Jair Bolsonaro. Votem com o Brasil, com a família e com Deus acima de tudo”, diz o texto, encaminhado pelo sistema da intranet.
Também vice-presidente administrativo da Confederação Nacional do Comércio, Luiz Bittencourt afirmou na carta não temer a possibilidade de o economista Paulo Guedes, que será ministro da Fazenda, caso Bolsonaro vença as eleições, “mexer ou mesmo acabar com as contribuições do Sistema S”. Formado por nove entidades de direito privado como Sesc e o Senac, o Sistema S é financiado por contribuições compulsórias das empresas sobre suas folhas de pagamento.
Por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa do Senac, o dirigente afirma que fez uma manifestação pessoal a respeito do momento eleitoral. “Somos parte de uma instituição que tem como princípio incentivar a cidadania e o livre pensamento, na construção do diálogo democrático.” A mesma nota foi publicada na intranet do Sesc e do Senac do Rio de Janeiro.
Ainda no Rio de Janeiro, o MPT recebeu uma denúncia de que o dono da concessionária Abolição Veículos teria reunido os trabalhadores e entregado a famosa colinha eleitoral com os nomes e números dos candidatos em que ele gostaria que votassem: Jair Bolsonaro para presidente, Eduardo Paes para o governo, Cesar Maia e Flávio Bolsonaro para o senado, Leandro Lyra para deputado federal e Marcelo Queiroz para deputado estadual. “A denúncia chegou de um empregado que pediu sigilo, na sexta-feira, véspera das eleições”, afirmou o procurador Artur de Azambuja Rodrigues. Ele disse que um TAC foi firmado com a empresa. Segundo o procurador, o dono da concessionária admitiu que tinha falado com os empregados, mas ele achava que não teria nenhum problema ao fazer isso. “Ele reuniu os empregados em grupos e foi pedindo os votos deles.” A Pública não conseguiu contato com representantes da concessionária.
Campanha contra Bolsonaro
A única denúncia de coação eleitoral até o momento divulgada pelos MPTs contrária ao candidato Jair Bolsonaro envolveu o renomado restaurante de São Paulo, Maní. A denúncia foi motivada por uma foto postada pela chef, Helena Rizzo, em seu Instagram, em apoio à campanha #elenão, liderada por mulheres contra a eleição de Bolsonaro. Na foto, Helena está com a equipe na cozinha do restaurante e todos estão a frase da campanha no braço.
De acordo com o MPT de São Paulo, no curso das investigações, verificou-se que os trabalhadores que participaram da foto o fizeram voluntariamente. “Houve uma denúncia anônima e o MPT concluiu que não houve coação”, afirmou a assessoria de imprensa do restaurante.
Para o MPT, a foto publicada no perfil da chef – que também é uma das proprietárias da empresa – passa a ideia de que o pensamento é do próprio empregador, o que pode gerar constrangimentos aos seus empregados. Por causa disso, o órgão propôs um acordo, firmado por meio de um TAC, em que a empresa se comprometeu a não adotar manifestação político-partidária em seus estabelecimentos para que não haja desconforto dos empregados com o posicionamento político individual de seus sócios.