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Milhões de pessoas usam dispositivos médicos já retirados do mercado – de próteses de quadril defeituosas a aparelhos que causam dependência química

Reportagem
27 de novembro de 2018
15:05
Este artigo tem mais de 6 ano

Na noite de 28 de abril de 2010, numa sala de emergência nas montanhas da Geórgia, ao norte de Atlanta, Estados Unidos, policiais algemaram uma mulher de 60 anos chamada Bonnie Magar. Ela tinha ido à clínica em busca de ajuda para um conjunto de doenças misteriosas, que incluía alucinações recorrentes, episódios psicóticos e sintomas físicos similares aos de uma gripe. Era pelo menos a sua sexta visita ao hospital da pequena cidade de Hiawassee. No mês anterior, chegou à clínica implorando para obter algum alívio para uma série de tormentos como enxaquecas e “visões de seu cadáver na beira da estrada”, bem como o “cheiro de carne queimada e metal”, segundo consta nos registros do hospital.

O médico de Bonnie inicialmente determinou que ela estava sofrendo de alterações de percepção causadas por algum tipo de crise epilética. Só que ela não tinha epilepsia. De acordo com Bonnie, várias horas se passaram, e o médico chegou a uma conclusão diferente: ela seria uma drogada sofrendo de abstinência de opioides.

Naquela noite, o médico julgou que ela estava sob risco de suicídio e chamou a polícia para levá-la para um centro de reabilitação de drogas.

Bonnie, uma inteligente ex-enfermeira que trocara a educação batista do sul dos Estados Unidos por domingos de meditação, não abusava de opiáceos. Porém, dois anos depois, ela concordaria com aquele médico: os sintomas que a atormentavam eram um subproduto da dependência de drogas.

Mas a culpa, acreditam ela e seu atual médico, foi do dispositivo de controle de dor que ela tinha implantado, e que apresentava mal funcionamento, entregando muita ou pouca morfina em sua coluna vertebral e induzindo assim ciclos de overdose e abstinência.

“Durante anos, eu estive desesperada tentando descobrir o que havia de errado comigo”, diz Bonnie, apontando para seu abdômen. “E era a bomba esse tempo todo.”

Bonnie em sua casa em Blairesville

O dispositivo, a bomba de dor SynchroMed II, fora fabricada pela Medtronic PLC. E foi implantada em mais de 250 mil pessoas antes de as autoridades estadunidenses, em 2015, pedirem a um tribunal a suspensão das vendas, quando pacientes do mundo inteiro relataram sintomas de overdose e abstinência semelhantes aos de Bonnie.

Em declaração ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), a Medtronic caracterizou os problemas do dispositivo como uma exceção aos altos padrões da empresa e disse que, depois de trabalhar com agências reguladoras para resolver o problema, a companhia continua vendendo a bomba SynchroMed.

O modelo da bomba de Bonnie é apenas um de uma ampla variedade de dispositivos médicos que deram problema somente depois de terem sido implantados em larga escala em pacientes do mundo todo – incluindo próteses de quafril defeituosas, telas vaginais controversas e dispositivos cardíacos de baixo padrão.

Quando a bomba de Bonnie foi desativada, seus sintomas desapareceram. Mas e quanto ao implante em si?

Não podendo arcar com o procedimento cirúrgico necessário para removê-lo – o “explante” –, Bonnie ficou com o dispositivo inerte dentro do corpo. Assim começavam os seus problemas.

Histórias milagrosas de sucesso e falhas evitáveis

Rápidas inovações na ciência e na tecnologia criaram um mercado mundial em expansão para dispositivos implantáveis hi-tech. O crescimento estelar da indústria se deve, em grande parte, à demanda popular pelos produtos, e os fabricnates têm milhões de histórias de sucesso para celebrar em todo o globo. Os marca-passos salvam vidas de pessoas com batimentos cardíacos irregulares. Implantes de lentes devolvem a visão àqueles que sofrem com catarata. Joelhos artificiais permitem que deficientes andem novamente.

O tipo de bomba instalado dentro de Bonnie, por sua vez, mantém a promessa de tratar a dor crônica severa e outras doenças com microdoses de drogas entregues diretamente na coluna.

Mas as agências reguladoras geralmente não exigem, para esses dispositivos, testes de larga escala em humanos, como o fazem para medicamentos de uso controlado. Como resultado disso, as autoridades permitiram que dispositivos defeituosos entrassem no mercado, onde permanecem por anos, mesmo com o aumento de lesões relacionadas a eles, segundo revela uma análise global feita pelo ICIJ.

Em centenas de entrevistas ao ICIJ e sites parceiros, pacientes com implantes, sujeitos a preocupações de segurança, expressaram frustração com um sistema global caótico e muitas vezes inoperante de fornecimento de informações vitais sobre os dispositivos.

Mais de 200 pacientes disseram que os médicos não os alertaram sobre os riscos dos implantes ou não fizeram nenhum alerta de segurança ou observação relevante.

Se um remédio funciona mal, os pacientes podem parar de usá-lo. Muitos dos dispositivos implantados são instalados adjacentes a órgãos vitais ou pressionados contra nervos sensíveis, o que significa que sua remoção pode acarretar riscos de ferimentos graves ou até mesmo morte.

Os perigos potenciais da remoção frequentemente superam os benefícios de continuar vivendo com um dispositivo problemático, deixando pacientes com uma escolha difícil. Pela sua natureza, implantes são particularmente complexos de examinar, e muitos pacientes, como Bonnie, não percebem que o dispositivo implantado está quebrado, defeituoso – ou tem elevado risco de mau funcionamento.

Como parte da sua investigação, o ICIJ criou um algoritmo de aprendizagem de máquina (machine-learning) para examinar milhões de relatórios de defeitos, ferimentos e mortes apresentados por fabricantes e outros à Food and Drug Administration, a agência reguladora de drogas e alimentos dos EUA (FDA, na sigla em inglês ). Quase 500 mil relatórios na última década descrevem cirurgias de “explantes” decorrentes de dispositivos médicos.

Esses documentos refletem apenas uma fração do total de problemas com esses dispositivos, e nem sempre esclarecem se uma remoção foi resultado direto de um dispositivo defeituoso. No entanto, permitem vislumbrar as ondas massivas de cirurgias de remoção que ocorreram em meio a recalls, ou recolhimentos de produtos do mercado.

A bomba de dor SynchroMed II, o dispositivo de Bonnie, está relacionada a cerca de 14 mil cirurgias de “explantes” desde 2008, segundo descobriu a análise.

Os dados incluem também descrições de quase 8.500 mulheres que removeram cirurgicamente de suas trompas de Falópio o Essure, um controverso contraceptivo permanente, e a remoção, após o enorme chamado* de 2016, de mais de 12.000 desfibriladores implantados que foram fabricados pela St. Jude Medical.

Além dos números, entrevistas do ICIJ com dúzias de pacientes que tiveram dispositivos médicos removidos dão substância à escandalosa quantidade de cirurgias de “explantes”: ossos do fêmur que estalaram durante a remoção de implantes no quadril, perda massiva de sangue durante a recuperação de aparelhos cardíacos, materiais sintéticos perigosos abandonados na espinha dorsal.

“Esses procedimentos de remoção são inacreditáveis, experiências horrorosas”, diz Hanifa Koya, uma ginecologista do Hospital Wakefield, em Wellington, Nova Zelândia, ao descrever seu trabalho de extrair dúzias de dispositivos de tela vaginal ligados a graves complicações, antes de o país proibir o produto no ano passado.

Para além desses casos de pior cenário possível, milhões de pessoas no mundo inteiro vivem com dispositivos dentro delas que, por preocupações com segurança, tiveram alertas de segurança ou foram voluntariamente retirados do mercado. Agora, enfrentam a incerteza de se ou quando seu dispositivo funcionará mal.

A maioria dos chamados de retirada não é motivo de alarde, já que muitos identificam problemas que não representam grave perigo aos pacientes. Alguns podem ser facilmente remediados com uma atualização de software ou outra correção. Mesmo nos casos mais notórios, muitos pacientes com dispositivos sujeitos a alertas de segurança não apresentam complicações.

A Medtronic não respondeu ao questionamento sobre os milhares de relatórios que descrevem extrações do SynchroMed, mas apontou para uma nota da FDA que declarou que conclusões sobre a segurança de um dispositivo ou sobre seu papel em uma lesão ou morte não podem ser tiradas apenas de um relatório de evento adverso.

Justin Paquette, porta-voz da Abbott, empresa que agora é dona da fabricante St. Jude Medical, disse que nem a empresa nem as agências reguladoras recomendaram que os desfibriladores recolhidos do mercado fossem “explantados” e substituídos, mas que “alguns médicos que atendiam pacientes com considerações clínicas únicas” tomaram essa decisão. Paquette diz que, nesses casos, a empresa forneceu dispositivos de reposição e reembolsou algumas despesas médicas.

Em resposta à pergunta sobre os milhares de remoções do Essure, um porta-voz da Bayer observou que tais relatórios podem ser preenchidos por qualquer um e que muitos foram enviados por pessoas que estão processando a empresa. “A FDA afirma que esses relatos são anedóticos e têm várias e significativas limitações.”

Os pacientes que vivem fora da jurisdição de origem de um fabricante enfrentam grandes desafios para obter indenização financeira ou até mesmo informações sobre os dispositivos defeituosos. Esses pacientes podem encontrar um beco sem saída após o outro: desde os tribunais, que concedem direitos limitados a requerentes estrangeiros, a custos legais altíssimos, até fabricantes que simplesmente rejeitam ou ignoram reclamações de pacientes no exterior.

Entre os pacientes em dificuldades está Sang-Ho Jeong, de Seul, Coreia do Sul. Ele atualmente trava uma disputa acirrada como parte estrangeira em um processo no tribunal federal dos Estados Unidos contra um fabricante de aparelhos de quadril recolhidos. Na África do Sul, mulheres feridas por implantes de tela vaginal disseram ao ICIJ que não há médicos dispostos a removê-los e advogados dispostos a aceitar seus casos. Em Mostar, na Bósnia, um motorista de táxi aposentado chamado Hadis Brajevic vive com um desfibrilador desativado no peito e está lutando para obrigar o fabricante alemão do aparelho a pagar uma indenização por danos e contas médicas.

“É difícil viver com o dispositivo”, diz Brajevic. “Mas a pior parte é pensar em morrer com ele.”

Hadis Brajevic vive com um desfibrilador desativado no peito

Na crise dos opioides, uma oportunidade

No final dos anos 1990, com a garantia dos produtores farmacêuticos de que o público norte-americano não ficaria viciado em opioides, médicos começaram a prescrever analgésicos em ritmo acelerado, criando uma crise que continua a afetar comunidades nos Estados Unidos. Enquanto a epidemia de opioides se expandia, a indústria de dispositivos médicos já desenvolvia uma solução potencial: bombas de dor implantadas destinadas a liberar pequenas doses de drogas líquidas.

Em 1988, a FDA aprovou a primeira bomba implantável SynchroMed pelo caminho menos rigoroso da agência. Conhecido como aprovação de pré-mercado, ou PMA, essa via geralmente exige dados clínicos menos robustos do que as aprovações de medicamentos.

A aprovação da SynchroMed incluiu testes em 14 cães e em 160 pessoas. O estudo monitorou apenas 27 humanos por mais de um ano.

Normalmente, as aprovações de medicamentos requerem vários testes que envolvem milhares de seres humanos, e muitas vezes se estendem por anos.

A AdvaMed, principal associação da indústria de dispositivos médicos dos Estados Unidos, disse que os implantes – que são muito mais difíceis de randomizar em pesquisas clínicas – não devem ser comparados a medicamentos, e que exigir grandes testes clínicos não é apropriado para dispositivos.

A FDA mantém apoio aos seus padrões de aprovação de 1988 para o SynchroMed. Sobre a duração dos testes, afirma que a aprovação inicial do dispositivo foi em grande parte voltada para disponibilizá-lo para pessoas em condições terminais que não precisariam da bomba por muito tempo.

Nos anos que se seguiram à aprovação de 1988, a Medtronic expandiu a base de usuários do dispositivo ao incluir medicamentos que apelam a pacientes que têm dores crônicas e décadas de vida pela frente. Isso aconteceu por meio de uma via destinada a alterações em um dispositivo já aprovado, conhecido como “suplemento PMA”.

Essa abordagem é uma maneira rotineira para as empresas alterarem os dispositivos e seus usos. “Suplementos” podem não requerer nenhum dado clínico novo. Ainda assim, as mudanças podem ter consequências extremas.

Em 2016, o Congresso de Serviço de Pesquisa norte-americano divulgou um relatório crítico sobre esse tipo de aprovação, apontando que dois recalls mais catastróficos de dispositivos cardíacos – envolvendo cerca de 500 mil eletrodos defeituosos de marca-passos implantados no coração de pacientes – são de dispositivos que haviam sido liberados via suplementos PMA sem testes humanos anteriores.

Em 2003, a Medtronic utilizou o mesmo caminho para aprovar a nova geração da bomba, a SynchroMed II. Chamada pela empresa de um “incrível avanço na tecnologia médica”, era menor que a antiga versão, mas podia guardar maiores quantidades de medicamentos.

Como condição para a sua aprovação, a FDA exigiu da Medtronic um estudo sobre a nova bomba depois de sua chegada ao mercado. O estudo incluiu 80 pacientes. Mais tarde a agência concluiria, ao avaliar seus próprios pontos fracos, que o estudo não captou a sobredosagem e a subdosagem de medicamentos como problemas potenciais e observou que “os dados podem não ser clinicamente significativos”.

Em comentários ao ICIJ, a FDA defendeu o uso da via suplementar adotada pela Medtronic e a integridade de seu estudo de suplementos. A agência disse ter apenas duvidado da qualidade de informação captada fora dos parâmetros essenciais do estudo. Também excluiu de sua descrição online do estudo da SynchroMed II a linha que questionava a relevância dos dados.

(No dia seguinte à FDA ter informado o ICIJ dessa edição em seu site, a agência divulgou um alerta de segurança detalhado sobre os riscos de medicamentos comuns, mas não aprovados, usados em bombas implantáveis de dor – mercado em que a SynchroMed foi pioneira.)

Em agosto de 2006, inspetores da FDA fizeram, na sede da divisão de dispositivos neurológicos da Medtronic, em Minneapolis, a primeira de muitas descobertas preocupantes. Em uma de suas várias cartas de advertência, os fiscais culparam a empresa por não fabricar a bomba adequadamente, não consertar um cateter espinhal com problemas de qualidade e não responder apropriadamente às reclamações dos clientes.

Mais de uma década depois, ainda não está claro até que ponto os problemas com as bombas SynchroMed tinham a ver com o projeto fundamental do dispositivo ou com os erros de fabricação que levaram a desvios desse design.

Seja qual for a causa, em 2006 as agências reguladoras de saúde começaram a perceber que os dispositivos tinham um problema.

No início da jornada, um acidente de trânsito

A odisseia de Bonnie Magar com seu implante SynchroMed começou com um acidente de carro. No dia 23 de outubro de 2000, uma década antes de sua visita à emergência de Hiawassee, ela estava dirigindo para o trabalho nos subúrbios rurais de Hillsborough, Carolina do Norte, onde morava na época, quando bateu na traseira de um caminhão e quebrou todos os ossos do pulso esquerdo.

A dormência inicial do choque levou a uma penetrante e arrebatadora dor, como nenhuma outra sentida antes. E ela não iria embora. Semanas se passaram, depois meses, mas a cada dia a dor aumentava.

O acidente desencadeou uma condição conhecida como síndrome da dor regional complexa (SDRC), que faz com que o cérebro registre dores excruciantes muito depois de uma lesão ter cicatrizado.

Médicos locais disseram a Bonnie que ela tinha duas opções: aprender a lidar com esse tormento ou tomar doses de tranquilizantes [analgésicos?] opioides por via oral.

Em 2002, diante das duas opções ruins, Bonnie foi até Richard Rauck, um renomado especialista em dor crônica que trabalhava em Winston-Salem, a cerca de 110 quilômetros da sua casa. Com pesquisas publicadas e uma equipe considerável, Rauck tinha um ar de proeminência e autoridade que parecia diferente de seus médicos anteriores, lembra Bonnie.

Rauck recomendou o SynchroMed. A bomba, uma esfera prateada do tamanho de um disco de hóquei, foi colocada embaixo da pele de Bonnie, no lado direito do abdômen. Um tubo sintético, como uma serpente, saía da bomba por meio de um par de vértebras e ia diretamente para a coluna vertebral, onde deveria entregar medicamentos líquidos em doses precisas, sem o efeito sedativo das pílulas de opiáceos.

O dispositivo deu alívio imediato a Bonnie, permitindo-lhe a voltar à sua vida normal, vendo amigos e cuidando de animais.

Mas em 2006 ela começou a sentir sintomas que tinha dificuldades de explicar. Bonnie lembra-se claramente do primeiro episódio: de pé em sua cozinha, sentiu cheiro de queimado. O odor era tão forte que era como se estivesse sentindo seu gosto. Ela temeu que sua casa estivesse pegando fogo. “Então eu liguei para o 911 [número de emergência], e homens grandes e corpulentos entraram na minha casa”, lembra. “Mas eles não sentiram cheiro de nada.” Antes de irem embora, os bombeiros sugeriram que talvez Bonnie estivesse sofrendo de ataque de pânico.

Nada estava em chamas. Em vez disso, Bonnie estava alucinando com sabores e cheiros. Ela não sabia, mas não estava sozinha nessa. Mais de 700 pessoas relataram as mesmas estranhas sensações à FDA como efeitos colaterais suspeitos de implantes SynchroMed que acreditam estar funcionando mal, conforme consta nos registros públicos.

Por volta de 2008, os médicos substituíram a antiga bomba de Bonnie, que estava prestes a vencer, pela SynchroMed II. Ela diz que esse foi o marco de uma grave intensificação dos sintomas.

Nos anos seguintes, a vida de Bonnie se deteriorou. Muitas vezes o odor fantasma era seguido de um esgotamento incontrolável que a deixava de cama por dias, tirando-a do trabalho rumo a uma reclusão. “Eu me forçava a levantar para ir ao banheiro e para dar comida para meus gatos”, ela lembra, “quer dizer, eu literalmente só jogava [a comida] no chão. Era uma bagunça.”

Quando as crises de sono acabavam, ela de repente se sentia extremamente acordada – ligadona – e atormentada por uma espécie de ansiedade cósmica e insônia que podiam durar vários dias. Seu estado mental normal só chegava com duros sintomas similares ao de uma gripe: dor de cabeça forte, suor e espirros constantes.

Em 2010, pouco antes de sua visita à emergência e da internação psiquiátrica em Hiawassee, para onde havia se mudado havia vários anos, Bonnie foi ao Oregon visitar seu ex-marido e amigo íntimo, Nazih Magar, que estava perdendo uma longa luta contra o câncer. Ela tentou consolá-lo, mas também não estava bem, lembra. “Ele disse: ‘Você parece pior do que eu, e eu estou morrendo’.”

As extrações de dispositivos virou uma luta global

Assim como Bonnie, muitos pacientes entrevistados pelo ICIJ e seus parceiros disseram que, após o implante, supuseram que existisse alguma estratégia de remoção caso o dispositivo funcionasse mal. Esperavam um plano de fuga.

Hadis Brajevic, o taxista bósnio aposentado, disse que até mesmo ser ferido por estilhaços em um incêndio em Mostar, sua cidade natal, não o preparou para o trauma que seria viver com um desfibrilador defeituoso no peito. Implantado em 2012, o dispositivo começou a gerar em seu coração tempestades de choques elétricos pouco antes de ser desativado, em janeiro de 2016.

Hoje, Brajevic está travando uma luta contra a Biotronik, a fabricante de marca-passo sediada em Berlim. Ele diz que sua estratégia consiste basicamente em escrever cartas a reguladores europeus e representantes de empresas, solicitando uma indenização pelas contas médicas e pelo sofrimento.

A Biotronik se recusou a ceder, atribuindo a culpa dos problemas do aparelho no que chamou de “causas externas”, como “condições diferentes de anatomia ou de local de implante”, segundo um e-mail que o advogado da empresa enviou a Brajevic no início deste ano.

Levar a Biotronik ao tribunal alemão não é uma opção para Brajevic. “Eu recebo mensalmente US$ 400 [R$1.524] do governo”, diz Brajevic ao ICIJ. “E o advogado na Alemanha exige pelo menos US$ 500 [aproximadamente R$1.900] ou mais por hora.”

Em resposta aos questionamentos do ICIJ, a Biotronik disse que não comentaria sobre pacientes específicos, mas defendeu a segurança do dispositivo cardíaco que está dentro de Brajevic. A empresa falou também de uma série de complicações comuns aos dispositivos, muitas vezes chamados de ICDs.

“Apesar da natureza salva-vidas dos ICDs, os choques, tanto os apropriados quanto os inapropriados, representam um ônus muito claro para o paciente”, diz Zara Barlas, porta-voz da Biotronik, em resposta às perguntas sobre o caso de Brajevic.

Mesmo os pacientes que vivem em países ricos passam por dificuldades em receber um tratamento igualitário. Um grupo de pacientes da Coreia do Sul tem lutado há anos por indenizações por causa de próteses metálicas de quadril produzidas pela Johnson & Johnson.

Jeong Sang-Ho é um desses pacientes. Sang-Ho, que tem 47 anos e é ex-funcionário de uma empresa de gerenciamento de lixo em Seul, disse que o quadril defeituoso da Johnson & Johnson que recebeu em julho de 2008 o deixou temporariamente incapacitado e desempregado após ter se desintegrado em seu corpo.

Para seu horror, ele descobriu que o metal do quadril artificial degradou tão seriamente a estrutura do osso de sua perna que a própria articulação sintética se deslocou, causando estragos nas outras articulações da perna direita. “O dispositivo estava perfurando minha coxa, me fazendo sangrar muito, e era como se houvesse mil agulhas cutucando minha perna”, diz ele.

Para piorar, uma segunda prótese de quadril, implantada em agosto de 2010 em substituição à defeituosa, foi alvo de um alerta de segurança semanas após a operação, muito embora Sang-Ho afirme não ter sido notificado sobre isso até 2013.

Em resposta às perguntas sobre o caso de Sang-Ho, a Johnson & Johnson mencionou um programa de indenizações criado para aqueles que receberam esse modelo de prótese, conhecida como ASR. “A empresa indenizou voluntariamente os pacientes com ASR ao tomar a medida sem precedentes de custear os cuidados médicos relacionados ao ‘explante’ e os gastos relacionados a salários perdidos através do Programa de Reembolso da ASR”, diz Ernie Knewitz, porta-voz da Johnson & Johnson. “O programa está disponível para pacientes do mundo todo, e a participação nele não exige que pacientes renunciem a seus direitos legais de buscar uma reivindicação contra a empresa.”

Como Brejavic, Jeong diz que grande parte dos seus dias é tomada pela luta por justiça por causa de seus implantes defeituosos. Até agora, ele afirma ter recebido o equivalente a aproximadamente US$ 600 como indenização. Enquanto isso, em 2016 um júri federal em Dallas ordenou a Johnson & Johnson a pagar US$ 1 bilhão a vários norte-americanos prejudicados por um modelo diferente de substituição da prótese metálica de quadril feita pela empresa. A Johnson & Johnson está apelando da decisão.

“Isso afetou minha saúde, e ainda está em meu corpo”, diz Sang-Ho. “Eu fico muito triste por não ter recebido os mesmos benefícios que os norte-americanos.”

A desesperada busca por respostas

A americana Bonnie suspeitou por um tempo que a bomba de dor fosse a culpada pelos seus sintomas. Mas, quando foi ao consultório de seu médico, Richard Rauck, para reabastecê-la com morfina e clonidina, foi informada de que o dispositivo estava distribuindo os medicamentos em quantidades pequenas, como era planejado. A equipe de Rauck disse a ela que o problema estava em outro lugar, afirma.

Então, em busca de respostas, Bonnie viajou a clínicas especializadas por todo o sul dos EUA.

O médico Richard Rauck recusou a solicitação de entrevista feita pelo ICIJ. Deu uma breve resposta a uma detalhada lista de perguntas e disse não se lembrar de alguns eventos como Bonnie havia descrito. “Eu me lembro bem de Bonnie, embora já tenham passado cinco anos desde que a vi”, diz em um e-mail. “Lembro que ela certamente tinha um problema de dor crônica e complexa. Nós trabalhamos muito, durante vários anos, para tentar ajudá-la com seus sintomas.”

Enquanto uma série de médicos especulava que a causa dos seus problemas seriam desde desequilíbrios hormonais até misteriosos distúrbios neurológicos, sua família começou a suspeitar que Bonnie tinha enlouquecido. “A gente não tinha ideia do que estava acontecendo com ela”, lembra a filha Tonya. “Nós nos reuníamos para discutir ideias e visitávamos todos os especialistas médicos que você possa nomear.” Isso incluía médicos renais, especialistas em hormônio, um ginecologista e alergistas.

Tom Gary, um médico do norte da Geórgia com quem Bonnie começou a se consultar alguns meses depois de sua apreensão pela polícia, também ficou perplexo. Apesar de a ter visto oito vezes nos últimos quatro meses de 2010, Gary disse ter progredido pouco na busca por um diagnóstico para seus problemas. “Eu não fazia ideia de que caminho seguir com ela”, lembra.

Em um dia no final de 2011, numa pista de boliche em Hiawassee, um conhecido insistiu que os sintomas de Bonnie eram sinais reveladores de overdose e abstinência. Naquela noite, ela voltou para casa e pesquisou na internet sintomas de abuso de opiáceos. Em um site, viu que 20 dos 21 sintomas combinavam perfeitamente com o que sentia. “Eu fiquei lá sentada, olhando para o meu computador e simplesmente comecei a chorar”, afirma. “Eu disse: ‘É isso’.”

Furiosa, exigiu uma reunião face a face com Rauck, que desde então ganhou destaque nacional com sua própria revista sobre dor e com uma técnica que tratou mais de 10 mil pacientes por ano.

Registros que detalham as visitas de Bonnie ao consultório de Rauck mostram seus médicos levando a sério as reclamações dela e especulando sobre uma série de causas externas à bomba, incluindo variados fatores físicos e outros medicamentos prescritos que ela tomava. Mas, nos registros analisados pelo ICIJ, a equipe de Rauck não cogita a possibilidade de mau funcionamento da bomba. Alguns registros mostram Bonnie queixando-se de tontura, um sintoma que ela acredita não estar relacionado a nenhum mau funcionamento da bomba. A partir de 2009, a clínica passou a diminuir gradualmente as doses de medicamento de Bonnie, em parte por causa de suas queixas de fadiga.

Em junho de 2012, Rauck se encontrou com Bonnie e concordou em desligar a bomba. Mas removê-la era outra questão. “Ela não tem nenhum seguro e foi informada pelo hospital de que esse é um procedimento de US$ 10 mil”, observa Rauck em seus registros médicos, acrescentando que tentaria ajudá-la com a situação difícil. Bonnie disse que Rauck ofereceu um desconto de 50% no valor que cobrava à parte, além das despesas hospitalares, mas mesmo assim ela não conseguia pagar.

“Então eu chorei um pouco mais porque eu não tenho essa quantidade de dinheiro”, afirma Bonnie. “Eu disse a ele: ‘Acho que ela [a bomba] vai continuar em mim’.”

Nas semanas seguintes à desativação da bomba, Bonnie sentiu o que parecia uma emoção totalmente nova: alegria. Os sintomas de abstinência de opiáceos desapareceram e seus ataques cessaram. Ela retomou sua vida, reconstruindo amizades, vendo mais suas filhas crescidas e indo às noites de boliche na sua cidade. “Eu estava livre”, diz.

Nas semanas seguintes à desativação da bomba, Bonnie sentiu o que parecia uma emoção totalmente nova: alegria

Curiosamente, o desconforto associado à sua dor crônica desapareceu também.

No entanto, seu tormento com a bomba ainda não tinha chegado ao fim. No ano anterior, a Medtronic havia completado um aviso de segurança de mais de 100 mil bombas SynchroMed II. Classificada como o tipo mais grave de alerta, a ação não retirou a bomba do mercado, mas fez com que médicos lessem uma carta da Medtronic que alertava sobre os relatos de que o cateter da bomba poderia ocasionar uma “formação de massa inflamatória” na espinha dos pacientes – uma condição que pode causar não só dor nas costas, como também várias lesões graves e invalidez permanente.

Pouco tempo depois de sua bomba ter sido desativada, uma dor na parte inferior da coluna começou a ficar mais severa. No Natal de 2017, sua agonia já tinha se tornado constante. “Ficar em filas era quase impossível”, diz Bonnie. “Se eu tentasse sentar ereta por qualquer período de tempo, ficava com muita dor.”

Um caótico sistema global de alertas de segurança

Pode ser difícil saber quando se deve remover um dispositivo implantado.

A história recente sugere que fazer uma cirurgia de “explante” cedo demais pode gerar consequências fatais. Vários médicos que trabalham com implante de dispositivos apontaram um esforço malsucedido, décadas atrás, para corrigir problemas com a Telectronics Accufix, marca de eletrodos que conectam marca-passos ao coração. Em novembro de 1994, os fabricantes deram início à retirada de 36.500 conjuntos de fios que poderiam se romper.

O anúncio levou milhares de pacientes a enfrentar uma cirurgia para remover os fios.

Mas uma pesquisa publicada anos depois mostrou que a cirurgia de remoção em si causou mais de uma dúzia de mortes – taxa de morte significativamente maior do que a de pacientes que optaram por manter o dispositivo no corpo.

A maneira como um alerta de segurança ou chamado de recall é redigido e quão boa é a comunicação são questões extremamente importantes para os pacientes terem a chance de tomar uma decisão bem informada a respeito da necessidade de “explantar” um dispositivo defeituoso.

No período crítico após um implante ser considerado defeituoso, as empresas desses dispositivos devem se esforçar para analisar dados preliminares e desenvolver uma análise de risco e benefício adequada, explica Leslie Saxon, professora de medicina e eletrofisiologia cardíaca da Universidade do Sul da Califórnia.

Leslie trabalhou tanto com pacientes quanto com empresas para navegar em grandes alertas de segurança, incluindo um massivo, no início deste ano, de mais de 700 mil dispositivos cardíacos fabricados pela St. Jude Medical. Descobriu-se que eram vulneráveis a ataques cibernéticos.

“É muito difícil”, diz Leslie. “Tive pacientes que disseram ‘quero esse aparelho fora de mim’”, lembra, observando que tais casos têm sido raros. “Se, com base no que eu sabia, não me sentia bem em fazer a remoção, eu dizia: ‘Olha, não concordo com você’. E os encaminhava para outra pessoa.”

Leslie acrescenta que os recalls de dispositivos são frequentemente redigidos por empresas em coordenação com agências reguladoras, com o intuito de deixar espaço para a decisão dos médicos. “Na maioria das instituições, há entre cinco e dez médicos que se reúnem e dizem: ‘OK, o que vamos fazer?’.”

Os alertas são redigidos de maneira genérica em parte porque a interação de indivíduos com os dispositivos pode variar muito e em parte porque, na fase inicial desses alertas, as empresas raramente têm um panorama completo – além de quererem se proteger de reações exageradas, como a que ocorreu com os fios da Telectronics Accufix. Essa formulação pode beneficiar pacientes de médicos atenciosos dispostos a explicar a situação e a discutir maneiras de atender às necessidades de cada um. Para outros pacientes, pode gerar anos de dúvidas.

Matt Hooks, um engenheiro que vive em South Lanarkshire, na Escócia, disse que seus médicos pareciam entender vagamente os detalhes de um alerta sobre seu marca-passo em 2016. “Eu precisei incomodar a clínica para que me recebessem”, lembra Hooks. “Não houve fluxo algum de informação deles comigo.” Dois anos após o aviso urgente de segurança, o coração de Hooks ainda depende inteiramente do marca-passo. O dispositivo está funcionando bem e o aviso de segurança não recomenda sua remoção, mas ele diz que queria uma consulta relevante com seus médicos. “Eu nunca fui chamado para discutir essa decisão”, diz.

Hooks é um dos mais de 200 pacientes entrevistados pelo ICIJ e por seus parceiros que se queixaram de não receber informações suficientes de segurança sobre seus implantes. Na maioria dos países, incluindo os EUA, não existe um registro central de pacientes com implantes ou outra maneira de rastrear dispositivos com facilidade, o que faz com que as empresas fabricantes e hospitais se esforcem para localizar pacientes depois de um grande chamado de recall. Cada aviso é diferente, e muitos exigem que apenas os médicos sejam notificados de um problema. Especialistas dizem que muitas vezes é mais fácil rastrear carne contaminada ou partes defeituosas de um carro do que encontrar um paciente com um implante que teve recall. Hooks, por exemplo, soube do problema do seu marca-passo por um amigo.

As entrevistas do ICIJ revelaram outro problema comum: dispositivos são às vezes objeto de recall ou de alertas de segurança em alguns países, mas não em outros.

Connie Hill, 72 anos, moradora de Sun City, Arizona, é uma das várias pacientes que gostariam de ter sabido anteriormente de alertas de segurança feitos em outros países sobre um implante metálico de quadril fabricado pela Biomet, que alegadamente causou uma série de complicações incapacitantes. “Nunca fiquei sabendo de nada disso”, diz Connie ao ICIJ.

Em 2015, a empresa emitiu um alerta de segurança para as pessoas que tinham o dispositivo implantado na Austrália e publicou alertas subsequentes no Reino Unido, na Irlanda, na Dinamarca, na Alemanha e na Itália. Mas a Biomet não fez nenhuma notificação semelhante para médicos ou pacientes nos Estados Unidos ou no Canadá.

No final do ano passado, seu médico notou uma perda óssea significativa em torno do dispositivo Biomet, diz Connie. Exames revelaram em seu sangue quantidades muito elevadas de cobalto e cromo. O dispositivo teria de ser “explantado”.

Em comentários ao ICIJ, a empresa, que agora se chama Zimmer Biomet, não respondeu diretamente às perguntas sobre o disparo irregular de alertas de segurança ao redor do mundo. Mas se defendeu amplamente. “Adotamos rígidos padrões regulatórios”, diz a empresa em um comunicado, “e trabalhamos em estreita colaboração com a FDA e com todas as agências reguladoras em cada uma de nossas regiões como parte do nosso compromisso de operar um sistema de qualidade de primeiro escalão em todo o mundo.” Em uma nota ao ICIJ a FDA apontou para um comunicado genérico sobre próteses de quadris metal-metal como argumento para não exigir um recall do implante da Biomet.

Em setembro do ano passado, pouco antes da cirurgia de remoção, Connie disse ao ICIJ que seu médico a alertou sobre uma série de potenciais complicações, incluindo a possibilidade de paralisia e morte. Felizmente, nada disso aconteceu. “Tem tanta coisa que pode dar errado”, ela diz. “É realmente muito assustador.”

Intervenções legais e cirúrgicas

Um pouco antes do amanhecer, em uma quarta-feira de abril do ano passado, Connie Magar sacolejava no banco de trás de sua caminhonete enquanto sua filha percorria as curvas que as levavam da sua casa, nos Apalaches, a uma sala de cirurgia perto de Atlanta. Durante a viagem de 90 minutos, Connie se inclinou para a frente e cruzou as mãos no colo para se estabilizar ao longo da sinuosa estrada. Se se sentasse ereta, a bomba bomba de dor entregaria um familiar choque de agonia.

Mas, se tudo corresse bem, a bomba estaria fora de seu corpo naquela mesma tarde.

Semanas antes, um médico em Gainesville, na Geórgia, identificou a remoção da bomba como necessidade médica para curar a dor nas costas. O cateter havia causado a formação de uma perigosa massa na espinha de Connie e precisava ser removido. Ela agora tinha a cobertura do Medicare – programa público de saúde nos EUA – e finalmente as despesas da operação não eram mais um problema.

Entre 2006 e 2012, os inspetores da FDA repetidamente culparam a Medtronic por não tratar de forma adequada as reclamações sobre massas inflamatórias na coluna, chamadas “lesões reportadas como graves”, que poderiam levar a “paralisia parcial [ou] paralisia total dos membros inferiores” .

Em 2013, os inspetores da FDA encontraram mais problemas na fabricação da SynchroMed e nos processos de controle de qualidade da Medtronic. Em 2015, após quase uma década de avisos aparentemente infrutíferos à empresa sobre questões de segurança com as bombas, a FDA pediu que o Departamento de Justiça submetesse a Medtronic a um decreto de consentimento, forçando a empresa a parar de fabricar e vender as bombas até que os problemas fossem corrigidos.

Em setembro de 2017, a FDA aumentou suas restrições à venda do dispositivo. No início deste ano, aprovou uma nova versão da SynchroMed II, que a Medtronic disse representar “um grande marco”. A versão mais recente da bomba gera relatórios de desempenho que podem ser lidos pelos pacientes em um tablet.

Em resposta ao ICIJ, a Medtronic afirmou que “trabalhou com a FDA para corrigir esses problemas e implementar procedimentos e processos para previnir a ocorrência de tais situações no futuro”.

“É importante notar que a Medtronic continua a produzir e a comercializar o sistema de infusão SynchroMed, hoje com todas as aprovações regulatórias necessárias, oferecendo uma terapia segura e eficaz que melhora a vida de pacientes em todo o mundo”, afirma a empresa.

Mas a história ainda não acabou para alguns que vivem com as bombas mais antigas. Durante o último ano das restrições do decreto de consentimento, ainda que a venda da bomba permanecesse controlada, milhares de relatórios de eventos adversos foram enviados à FDA sobre a SynchroMed II, descrevendo uma variedade de sintomas suspeitos ligados ao dispositivo, incluindo overdoses, remoções e ferimentos.

Para Connie, porém, seu sofrimento de 15 anos estava finalmente chegando ao fim.

Por volta das 10 horas da manhã seu nome foi chamado, e uma enfermeira a levou para trás de um par de grandes portas pivotantes.

Três meses depois, Connie estava visitando a filha no apartamento de segundo andar nos arredores de Blairsville, Geórgia, para onde se mudou no ano passado. Ela parecia mais animada do que antes de sua cirurgia, talvez em parte porque estava de pé, ereta. O dispositivo havia sido removido com sucesso, incluindo o tubo da medula espinhal, que se despedaçou, de acordo com os médicos. Sua dor nas costas se foi. Quando começasse a temporada de boliche no mês seguinte, ela estaria presente – e sem dor.

Quando indagada sobre como se sentia, ela simplesmente respondeu: “Só estou grata que [a bomba] está finalmente fora do meu corpo”.

* Esta história foi contada por Spencer Woodman, Emilia Díaz-Struck, Rigoberto Carvajal, Cécile S. Gallego, Boyoug Lim e Razzan Nakhlawi. Tradução de Carolina Zanatta.

Esta reportagem faz parte do Implant Files, projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, o ICIJ, com sede em Washington, DC. O Implant Files reúne 252 profissionais de 59 veículos de 36 países, que investigaram dezenas de fabricantes e distribuidoras de dispositivos médicos em todo o mundo. No Brasil, participam da apuração a Agência Pública e a revista piauí.

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