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Entrevista

Diretor da Ação Educativa vê “corrosão geral” no MEC

Para Roberto Catelli, pautas reais da Educação vem sendo abandonadas por questões ideológicas do governo e não há diálogo entre sociedade civil e Ministério

Entrevista
26 de março de 2019
15:59
Este artigo tem mais de 5 ano

“A gente está vendo a corrosão geral das políticas estabelecidas”. Assim Roberto Catelli, coordenador executivo adjunto da ONG Ação Educativa – que desde 1994 trabalha com educação -, define os primeiros meses da gestão Ricardo Vélez Rodríguez no Ministério da Educação. À frente da pasta há três meses, o ministro já esteve, segundo a imprensa, a ponto de ser demitido do cargo após protagonizar uma série de episódios controversos: do envio de uma carta pedindo que representantes de escolas públicas e privadas gravassem alunos cantando o hino nacional (e que lessem uma mensagem do ministro com o slogan da campanha de Jair Bolsonaro) à inclusão de publicidade em livros didáticos. O ministro consegue desagradar tanto a bancada evangélica como educadores. “Acho que não é preciso muito esforço, e isso é um dos poucos consensos nacionais, para dizer que é uma gestão desastrosa”, afirma Catelli.

Roberto Catelli é coordenador executivo adjunto da ONG Ação Educativa

Nas últimas semanas, o noticiário a respeito do ministério se resume a uma acirrada disputa interna, que incluiu 13 mudanças no alto escalão da pasta em oito dias, entre seguidores do escritor Olavo de Carvalho (chamados de “olavistas”) e outras alas, como os militares. No meio do fogo cruzado estão as pautas reais da educação brasileira, completamente escanteadas, destaca Catelli. “A gestão ignora as discussões que de fato precisariam ser encaradas, questões que vinham sendo debatidas, com concordâncias e discordâncias, nos últimos dez anos. Pautas como o Plano Nacional de Educação e sua implementação, as questões relacionadas à diversidade na sala de aula, à qualidade do ensino, a atualização da Base Nacional Comum Curricular [BNCC], o financiamento da Educação”, avalia.

Como você avalia a gestão do ministro Ricardo Vélez Rodríguez até agora?

Acho que não é preciso muito esforço – e isso é um dos poucos consensos nacionais -, para dizer que é uma gestão desastrosa. Uma gestão que não consegue tratar das pautas reais da Educação. Que ignora as discussões que de fato precisariam ser encaradas, e que vinham sendo debatidas com concordâncias e discordâncias nos últimos dez anos. Pautas como o Plano Nacional de Educação e sua implementação, as questões relacionadas à diversidade na sala de aula, à qualidade do ensino, a atualização da Base Nacional Comum Curricular [BNCC], o financiamento da Educação. São as questões reais que precisam ser enfrentadas no país e efetivamente esse governo não consegue sequer manter uma equipe que consiga gerir [o Ministério] do ponto de vista administrativo. Então a gente está no meio de uma administração bastante crítica.

De todas essas discussões que estão sendo escanteadas, quais são as pautas mais sensíveis que teriam que estar recebendo uma atenção maior do Ministério?

O Plano Nacional de Educação (PNE) contém chaves para vários temas importantes em termos de implementação. A questão da diversidade está incluída lá, a questão do financiamento da Educação em relação ao custo e o investimento em Educação, que o governo vem até fazendo um esforço para retirar a questão da obrigatoriedade do complemento do CAQ [Custo Aluno Qualidade]. Se fosse possível pelo menos ter uma discussão minimamente relevante de uma lei que tem que ser implementada até 2024, como é o PNE, isso já seria um grande avanço. A BNCC faz parte do Plano Nacional de Educação.

Existe um primeiro problema que é o não cumprimento da Lei Nacional de Educação. Exemplo disso é a questão do Custo Aluno Qualidade (CAQ), incluído no PNE, e a implementação do CAQ. Nesta semana, o MEC criou uma situação em que procura desmontar o fórum que deveria dar seguimento a esse tema [CAQ], buscando manipular uma situação em que ele não precise se ver obrigado a cumprir com aquilo que está na lei.

Por que há a resistência em pautar a discussão do PNE?

É mais do que uma resistência. Cumprir o Plano Nacional de Educação significa também seguir uma orientação política, e esse grupo busca um caminho diferente. O PNE inclui desde a diversidade, a garantia do direito à educação, todo um caminho que vai na defesa do direito da educação pública e gratuita, colocando também a defesa à diversidade, que não tem se colocado até aqui nos discursos de campanha e nos caminhos que vem sendo defendidos.

Há um discurso no MEC, sobretudo do grupo ligado ao Olavo de Carvalho, de recusa de diálogo com ONGs e instituições ligadas à pauta da Educação. Eles classificam tais organizações como “globalistas”. Como está sendo o diálogo de vocês com o MEC? Como você avalia esse discurso?

O diálogo não existe. Não há nenhum diálogo com essa gestão e nem se abre essa possibilidade. Não existe um interlocutor e nem uma expectativa de diálogo. E todo esse discurso que passa pelo globalismo, pela questão do marxismo cultural e como isso de alguma maneira se coloca como um discurso para a educação, a gente poderia dizer que passa pelo fantasioso, quer dizer, cria-se um inimigo que não existe. Nós não vivemos num país contaminado por um pensamento de esquerda doutrinador. Não existe materialidade nessa afirmação, mas existe um discurso ideológico que busca criar inimigos para mobilizar sua base, uma estratégia de campanha, bastante forte desse governo. Só que não se governa desse jeito. E aí nós estamos vendo uma inoperância do ponto de vista educacional, que tem pautas muito mais relevantes e necessárias do que esse discurso fantasioso. Não existe um discurso democrático, que ouve dois lados e propõe um diálogo. Democracia pressupõe diálogo entre sujeitos que discordam, mas que não necessariamente precisam ser eliminados. E não é a postura desse governo, que sempre adota a postura de mobilização para a destruição de um inimigo. Um inimigo imaginário até certo ponto.

Como vinha sendo o diálogo das ONGs com o MEC nas gestões anteriores?

Nos últimos três governos, existia algum nível de diálogo. Existiam conselhos, comissões, espaços que a sociedade civil tinha de intervenção, controle social, monitoramento e até formulação conjunta com o ministério. Era absolutamente distinto – independentemente de se dizer se os resultados foram bons ou ruins, não cabe aqui nessa questão esse julgamento, mas o espaço de diálogo com a possibilidade de escuta e controle social não dá nem para comparar a diferença entre uma coisa e outra.

Como você viu o fato do Mozart Neves, diretor do Instituto Ayrton Senna, ter sido barrado para assumir o ministério?

É difícil de compreender alguns jogos aí. Evidentemente, nós estamos em um contexto em que aqueles que podem ter projeto para a educação, que retome algumas questões básicas, não conseguem ter espaço nesse ministério. Veja que aqueles que têm poder de indicar nomes e trazer pessoas para o ministério são absolutamente inexpressivos no campo educacional. Aqueles que historicamente tiveram alguma experiência prática no campo da educação pública curiosamente estão fora desse processo – seja num campo mais à esquerda ou num campo mais de centro. Esses interlocutores, que tradicionalmente vem discutindo a educação nos últimos anos, estão ficando de fora. Qualquer proposta que saia da lógica de combater os inimigos imaginários parece que não tem espaço. Isso parece parte inclusive da briga entre “olavistas” e “não-olavistas” no ministério. Essa disputa ideológica é o carro chefe da gestão.

Qual é o reflexo disso nas pautas do dia a dia do MEC?

A gente está vendo a corrosão geral das políticas estabelecidas, atraso nas políticas para o material didático, por exemplo. Era para ter saído agora um edital de material para o ensino médio, que não saiu, a educação de jovens e adultos também está sem compra de material didático, está sem distribuição de material didático, embora exista uma portaria que obrigue a fazer essa distribuição. Não existe nem sequer uma linha clara de para onde vai a política nacional de livro didático nesse contexto, enfim, estamos em um processo de corrosão. Falta um sentido, uma direção para essa política, que já tem uma história, não é uma política que está sendo inventada agora. Em vez de se reavaliar e se reconstruir, há um processo muito mais de destruição.

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