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Agência de jornalismo investigativo
Entrevista

BNegão: “Não sou músico pra não me posicionar”

Artista falou sobre a interrupção do seu show pela PM em Bonito, Mato Grosso do Sul. Para ele, a cultura está sendo perseguida pelo governo Bolsonaro

Entrevista
1 de agosto de 2019
18:42
Este artigo tem mais de 4 ano

No último final de semana, de 24 a 28 de julho, aconteceu o 20º Festival de Inverno de Bonito, no Mato Grosso do Sul. O evento foi marcado por manifestações contrárias ao governo Jair Bolsonaro durante os shows e atividades culturais. Um vídeo da cantora Gal Costa dançando ao som de gritos de ordem e xingamentos ao presidente Jair Bolsonaro viralizou na internet.

Também nas redes foram denunciados diversos relatos de repressão policial no evento. Na quinta, 25 de julho, dois produtores do evento foram presos, conforme nota divulgada pelo Fórum Estadual de Cultura do Estado do Mato Grosso do Sul. A servidora da Fundação de Cultura, Lidiane Lima acusa cinco policiais militares que a levaram algemada à delegacia de agressão. “Outro integrante da produção do Festival foi detido ilegalmente após filmar a ação ilegal da polícia e teve seu celular confiscado”, diz a nota.

Além disso, o artista BNegão teve seu show com a banda Seletores de Frequência interrompido pela Polícia Militar na madrugada do sábado para domingo (28). Em suas redes sociais, BNegão divulgou relatos de truculência durante a dispersão do evento.

Segundo ele, isso nunca tinha acontecido antes, nem mesmo quando tocava com o grupo Planet Hemp. “Já passei por várias situações ao longo do tempo, mas os caras terem o poder de parar foi um absurdo.”

Conhecido por se posicionar politicamente durante seus shows, BNegão assinou manifesto junto com outros artistas do hip-hop contra Jair Bolsonaro no ano passado, durante a corrida presidencial e não poupa críticas ao atual presidente, cujo governo ele diz não reconhecer. “O cara é um ditador clássico”.

Em entrevista à Agência Pública, o artista contou o que aconteceu em seu show em Bonito e falou do caráter político de sua música. Em nota, a prefeitura de Bonito repudiou as manifestações políticas durante o festival de inverno. Procurada, a Polícia Militar não se manifestou até a publicação.

BNegão: “Durante o evento todo estava um clima estranho. O nosso show foi o auge da parada”

No último sábado você e sua banda tiveram o show no Festival de Inverno de Bonito interrompido pela Polícia Militar do Estado do Mato Grosso do Sul. Você pode contar melhor como foi o episódio? A polícia te abordou?

Então, eles não entraram em contato diretamente com a gente. Foi uma perseguição anterior. Na passagem de som, esse cara da produção foi lá, e ele tinha apanhado da polícia militar, apanhou a noite inteira e foi demonstrar pra mim o linchamento. Ele tava todo inchado na passagem de som, revoltado. Estava rezando pela vida mas ao mesmo tempo querendo se expressar, querendo contar o que aconteceu.

E muita gente veio dizer o que rolou, que lincharam outra menina da organização, e que a PM falou que a mina agrediu 5 policiais. Não tem como. E daí o cara contou essa história.

E no meio do show eu também contei essa história. Eu cheguei e falei é o seguinte, aconteceu isso com os caras da produção e tal, acusei a polícia. Aí deu duas músicas, os caras [policiais] vieram pra acabar com o show.

E eu já tinha falado também sobre Bolsonaro, sobre Sérgio Moro, sobre o que aconteceu na tribo no Pará e tantas outras coisas que eu tinha pra falar.

Aí falaram pra acabar. Deu tempo de tocar mais duas músicas, eu toquei. Deu tempo também de xingar o Bolsonaro mais umas dez vezes e fui embora.

Mas foi nesse esquema, na hora que a gente desceu pra tocar uma música instrumental, foi a hora que chegou o cara da organização, tremendo e apavorado falando que a secretaria [de cultura de Bonito] tinha ido em cima dele junto com a polícia falando que tinha que encerrar o show.

Então não foi a PM que chegou pra você diretamente?

Não. Não chegou diretamente, eles chegaram nos caras [da organização] e estavam em volta ali do palco, porque o show foi aberto. E daí era um show em lugar público para três mil pessoas, numa lona de circo.

E eles falaram que se não acabasse o show até às três da manhã – que era 10 minutos depois que eu recebi a notícia – eles iam fazer o uso da força. E aí ia sobrar pra todo mundo, pro público, inclusive. Aí a gente decidiu acabar no meio do show e ficou esse clima geral.

O cara [da organização] disse que o policial que veio falar foi o mesmo policial que bateu nele. E fizeram isso tudo que fizeram sem nenhuma identificação. E o policial que tá sem identificação a gente sabe que tá preparado pra fazer qualquer parada que está fora da legislação. E eles estavam sem identificação.

A gente ficou esperando um tempo lá pra esfriar a cabeça e esperar a poeira baixar e pros caras [da organização] poderem explicar pra gente o que aconteceu. E aí começou a chegar mensagem dizendo que o público foi dispersado com os policiais mostrando armas, com cassetete, e teve uma galera que disse que jogaram gás de pimenta na cara, como se fosse inimigo.

Na nota da polícia eles dizem que na verdade foi porque tinha passado o tempo do show. E a organização de fato atrasou o show, eu não faço ideia do porquê, mas atrasou. Era pra começar 1h40 e a gente começou a montar o palco 1h40 e o show começou às 2h. Eram duas horas de show. Deu 1h e teve que acabar. Daí eles usaram essa parada de que tinha atrasado e que não tinha acontecido nada de diferente.

Você atribui essa interrupção do show ao fato de você ter denunciado a agressão desses dois produtores do evento? Ou tem a ver com as manifestações políticas contra o governo que aconteceram no seu show e em outros?

A polícia somou tudo. Porque o Bolsonaro é o ídolo desses caras, né? Eles têm essa resistência contra nós muito por conta disso. Pra esses caras [policiais] ele [Bolsonaro] é o cara, ele e o Sérgio Moro.

Sérgio Moro com o excludente de ilicitude penal e Bolsonaro com esse discurso também. E enfim toda mais essa questão de faroeste que já rola no ambiente do Mato Grosso do Sul. Então é todo um clima favorável. Tem foto do Bolsonaro em restaurante lá. É um negócio assim, como se ele fosse o deus dos caras.

Além da interrupção do seu show e da prisão e agressão a esses organizadores, você soube de mais algum ato truculento durante o festival?

Durante o evento todo estava um clima estranho. O nosso show foi o auge da parada. Em todos os outros shows, todo mundo, todos os outros artistas, quando o público começava a cantar [contra Bolsonaro] eles faziam uma regência, mas sem falar nada. Já a gente costuma falar mais diretamente. Isso faz a gente ficar na linha de frente, bater de frente com os limites que os caras botam. E aí saiu nota do prefeito falando que o festival não é lugar de manifestação política, não sei o que.

Como você disse, no mesmo festival outros artistas fizeram manifestações contrárias ao governo e não tiveram seus shows interrompidos – como a Gal Costa que dançou ao som de gritos contra o Bolsonaro. Por que você acha que só o seu show foi interrompido?

Uma coisa é você fazer uma regência e dando sorriso. Outra coisa é falar que é um governo, ladrão, essa coisas, e falar do Sérgio Moro. Outra coisa é quando o público faz a manifestação. Ninguém falou diretamente como a gente. Então acho que foi por isso.

Você não acha então que teve um viés de recorte de classe e raça?

Não, de raça não. Mas tenho certeza que foi por raiva. Porque no nosso show não tem manifestações pontuais, o nosso show inteiro é político. A gente fala o tempo inteiro da parada. E eles se sentem agredidos o tempo todo. A gente mexe com os caras. Foi esse o crime, na verdade.

É como eu te falei. O show da Gal a galera ouve a platéia e fala ‘ah, legal, tá rolando’, não fala sobre a parada diretamente e musicalmente. A nossa ideia de punk rock faz a gente falar as coisas exatamente como é.

Você já teve algum outro show interrompido antes?

Eu já tive show cancelado antes deu chegar, vários, cancelados pela justiça, cancelados por perseguição policial. Fiquei vetado em Salvador por três anos. Em Curitiba fiquei vetado por cinco anos. E já teve as confusões, mas ter show interrompido assim, não. Já teve não fazer o show só.

Já teve policial entrando e dizendo que não podia tocar tal música, mas a gente tocou mesmo assim e não aconteceu nada porque não tinha mandato. Enfim, já passei por várias situações ao longo do tempo, mas os caras terem o poder de parar foi um absurdo. Com certeza os caras somaram muitos fatos e se não tivesse o Bolsonaro não ia acontecer o que aconteceu. E como o festival começou atrasado acabou dando esse aval pra eles.

O governo de Jair Bolsonaro, ao qual você se opõe publicamente em shows e publicações em suas redes sociais, tem feito diversas manifestações contrárias à produção de cultura no Brasil, dentro de um discurso de guerra cultural. Como você vê a postura do governo em relação à cultura?

É um governo contrário à vida. E cultura como parte da vida também é perseguida. Eu nem considero um governo, considero um momento da história que em algum momento pode ser corrigida. Não reconheço esse governo. E logicamente está afetando tudo, porque afeta o Brasil.

Os caras são contra a felicidade, contra a nossa alegria. E a cultura é isso. Os caras já acabaram com o ministério da cultura e os conselhos participativos da sociedade foram dissolvidos e só tem militar na parada. E ele [Bolsonaro] está fazendo tudo que é possível para ser um golpe sem ser um golpe. Ele está fazendo tudo que é possível e impossível. O cara é um ditador clássico, com o apoio dos militares. Não tem como a gente não brigar contra isso.

Você acha que isso tem afetado a produção cultural no Brasil? Você vê algum crescimento de conservadorismo na música?

Na verdade, acho que só afeta pela intimidação, e corte de projetos institucionais. Não vejo a produção conservadora avançando, não. A questão é bater de frente mesmo quando as coisas forem acontecendo. Mas é geral, também contra a pesquisa, é a produção de uma cultura de ignorância. Quanto mais ignorante, melhor.

Você costuma manifestar bastante suas opiniões políticas nas redes sociais. Já sofreu algum tipo de ameaça, xingamento ou perseguição online devido a seus posicionamentos?

Ah, sim. Já sofri até ameaça de morte, inclusive. Acontece. Daí eu printo e chamo os advogados. Xingamentos já, vários, é normal. Mas eu não dou bola pra isso porque, enfim, entrei na música pra isso. Não sou músico pra não me posicionar. Eu entrei na música para dar opinião. Desde o início era isso. Essa é a minha base, sou cria do punk rock nacional, e do rap nacional. Eu sou filho de gente que lutou contra a ditadura militar, vivi tudo isso desde criança. Estou acostumado com todas as consequências de viver nesse modo de vida. Nasci dentro disso.

Alguns movimentos políticos e sociais têm organizado eventos de música e cultura por suas causas, como foi o Festival Lula Livre. Qual sua opinião sobre esses eventos que juntam a cultura e política?

Eu participei do Lula Livre no Rio, só não participei em São Paulo porque eu tava tocando em Belo Horizonte no dia. Eu acho fundamental. A música tem esse privilégio de unir pessoas por uma mesma causa num festival, acho importante. Agora tem uma galera tentando agitar um festival contra esse governo. Contra essas questões todas que a gente falou. E se rolar eu pretendo tocar com certeza.

Frente a essa situação que você e a banda passaram, e às açõmandes que você apontou desse governo ser contrário à cultura e à música, como você acha que os artistas devem se colocar?

Então, acho que cada um cada um. Eu não consigo dizer o que cada um tem que fazer. Eu acho que cada um tem que ver o que está sentindo, mas a minha história é essa e faço isso desde sempre. Mas eu acho que é bom as pessoas pensarem e se posicionarem agora, porque talvez mais tarde não dê pra gente fazer isso. Como um conselho acho que seria bom as pessoas estarem ligadas, porque a gente está num dos momentos mais complicados da história do país de todos os tempos. Estamos à beira do pior.

Mas falando de música especificamente, que tem um histórico de resistência no país, frente à ditadura militar e desde antes. Você vê a música dessa maneira hoje ou você acha que deveria ser mais?

O que acontecia na verdade nas antigas era que tinha uma galera com mais expressão fazendo essas músicas. Eles não podiam falar, então era a música que eles tinham para se expressar. Então minhas produções agora vão contribuir de forma pesada contra esses retrocessos todos. Eu pretendo bater de frente de forma brutal contra isso que está posto.

Leco de Souza/Reprodução

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