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Liderança yanomami denuncia o garimpo ilegal de ouro, ameaças e danos ambientais no território em Roraima; governo Bolsonaro pretende legalizar a mineração em terras indígenas

Entrevista
8 de agosto de 2019
14:00
Este artigo tem mais de 5 ano

“Sempre denunciamos, mas garimpeiros continuam lá”, diz Dário Kopenawa, filho do líder histórico yanomami David Kopenawa nesta entrevista à Agência Pública. “Ele [Bolsonaro] não está prejudicando só os Yanomami, ele está arrumando problema pro Estado brasileiro”, critica o jovem vice-presidente da associação Hutukara Yanomami, em Roraima.

Atualmente, mais de 15 mil garimpeiros ilegais exploram ouro na maior terra indígena brasileira. O ouro se tornou em 2019 o segundo maior produto de exportação de Roraima sem que o Estado tenha uma única mina operando legalmente, segundo reportagem da BBC Brasil. Dário pede a retirada imediata dos garimpeiros ilegais: “mas como o governo Bolsonaro é a favor [da exploração] isso dificulta muito. E só o governo que pode fazer essa desintrusão”, avalia.

Não é a primeira vez que há invasão garimpeira no território. Em 1986, 40 mil garimpeiros estiveram na TI. Reportagem do jornal O Globo revelou como essa nova corrida pelo ouro na região deixa um rastro de “tensões, violência, conflitos e destruição ambiental” — atualmente, são cerca de 23 mil yanomamis vivendo em Roraima e no Amazonas. “Uma coisa que quero deixar bem clara é que as lideranças que estão denunciando estão correndo risco. Eles dizem: ‘se você continuar denunciando a gente vai pegar você, vai bater em você, vai matar você’, é assim que os garimpeiros estão falando para alguns amigos deles para deixar recado para quem está denunciando o garimpo”, revela.

Dário conta que entregou ao Ministério Público Federal de Boa Vista um Plano de Gestão Territorial Ambiental (GTA). “São protocolos de consulta. Quando algum projeto ou empreendimento estiver querendo fazer mineração em terra indígena, por exemplo, no protocolo consta que antes tem que consultar os Yanomami. Quando tiver um interessado [em explorar a terra indígena] ele tem que enviar um projeto para Funai de Brasília, a Funai de Brasília vai consultar as regionais que vai consultar as organizações [indígenas], que fala com as lideranças locais que conversa com a comunidade”, explica. “Esse tem que ser o procedimento do protocolo que a gente fez. Esses protocolos servem para reforçar a necessidade prática da proteção ambiental do nosso território e monitorar o desmatamento, o impacto ambiental, e destruição, enfim, mostra como cuidamos do nosso território”.

Atualmente, o governo Bolsonaro prepara um projeto para legalizar a mineração em terra indígena, o que pode afetar um terço das TIs no país. Prevista na Constituição de 1988, a atividade nestes territórios nunca foi regulamentada e é alvo de discussão no Congresso.

Dário afirma ainda que uma comissão das organizações e lideranças também foi até Brasília entregar o Plano de Gestão Territorial Ambiental. “Entregamos para nossa grande guerreira Joênia [Wapichana], Deputada Federal e depois entregamos no Ministério da Defesa e na Secretaria do Governo: Ibama, ICMBio, Ministério da Educação e a Funai. Também entregamos em Manaus, no Ministério Público Federal do Amazonas e na Comando Militar da Amazônia. Está todo mundo sabendo como se deve agir, quando se fala de garimpo ilegal em terra indígena Yanomami”. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Dário Kopenawa é vice-presidente da associação Hutukara Yanomami

Seu pai, David Kopenawa, está denunciando o garimpo ilegal há muitos anos e você continua fazendo essas denúncias. Como você se sente?

Quando eu era criança, meu pai já lutava muito. Na década de 1980, quando grande número de garimpeiros entrou na terra Yanomami, tinha 40 mil garimpeiros. Ele lutou bastante. Tinha muita coisa errada e denunciou muita gente. Nessa época, nosso território não era demarcado. Meu pai está com 40 anos de luta. Denunciando o garimpo. Falando das consequências, da vulnerabilidade do território Yanomami.

Mas agora o governo brasileiro tem que cumprir o papel de retirar os garimpeiros. Quando eles demarcaram a terra Yanomami em 1992, o governo federal tirou todos os garimpeiros da nossa terra. Agora a gente tem que ter uma ação pesada para retirar os garimpeiros imediatamente. Mas como o governo Bolsonaro é a favor [da exploração] isso dificulta muito. E só o governo que pode fazer essa desintrusão. Vai precisar de mais de 300 homens para tirar esses garimpeiros da terra Yanomami. Tem que ser uma operação muito grande. Tirar eles de lá é dever do Estado, em respeito aos direitos dos povos indígenas, está na constituição de 1988, artigo 231, isso está claro e o presidente tem que cumprir o seu dever, que na minha opinião está descumprindo porque 20 mil garimpeiros estão nas terras Yanomamis e não tem como esconder 20 mil pessoas.

Você têm formalizado novas denúncias sobre a exploração de ouro no território?

Denúncias a gente sempre faz. Tem uma pilha, uma tonelada de denúncias. E a Funai não resolve isso, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal ou Exército. No mês passado, a gente fez denúncias graves nos órgãos públicos. Fomos na Funai, Ministério da Justiça, Ministério da Defesa e Procuradoria Geral da República. Sempre denunciamos, mas garimpeiros continuam lá.

Qual o teor das denúncias?

Mais e mais denúncias de garimpo ilegal na terra Yanomami.

Como está a exploração no território?

Hoje tem uns 20 mil garimpeiros na terra Yanomami trabalhando lá. São muitos homens [garimpeiros] explorando a nossa casa. E isso não é a mineração, é o garimpo ilegal na terra Yanomami. Mineração não chegou ainda, mas já está prejudicando o nosso território. Onde está mais grave é na região do Rio Uraricoera, ali tem comunidades correndo risco.

Como vocês tem certeza que são 20 mil garimpeiros? Como chegaram nesse número?

A gente recebe informações através das denúncias das comunidades. Cada comunidade faz uma contagem “por cima”. A gente não chegou a ir lá [no garimpo] e contar garimpeiro por cabeça, não. Se a gente vai, a gente é morto. Também tem os dados da Polícia Federal e do Exército que chega nesse número. Desde 2011 vem aumentando. Mas 2019 está bastante. Estamos com 20 mil garimpeiros.

Chegam ameaças até vocês?

Onde tem a presença de garimpeiros, acontece muito. Eles ameaçam as mulheres, crianças e os adultos também. Eles têm arma de fogo. Tem ameaça, sim. Uma coisa que quero deixar bem clara é que as lideranças que estão denunciando estão correndo risco. Eles dizem: “se você continuar denunciando a gente vai pegar você, vai bater em você, vai matar você”, é assim que os garimpeiros estão falando para alguns amigos deles para deixar recado para quem está denunciando o garimpo. Mas a gente tem que denunciar, porque o garimpo está dentro do nosso território, eles estão presentes dentro do território Yanomami. E a nossa terra está demarcada. Eles estão perto das comunidades. Tem alguns que estão a cinco quilômetros. O garimpo está ao redor das comunidades.

Como são as estruturas do garimpo e o local onde o garimpeiros ficam?

Eles têm os barracões que são as casas deles. Cada garimpo leva os seus equipamentos. Rede, alimentação, barco, maquinários, combustível, levam tudo. Quem está apoiando com equipamentos são os empresários, eles bancam tudo. Os motores e barcos são bancados por empresas.

E como eles acessam a Terra Indígena?

Eles têm três possibilidades: sobem de barco, fretam avião particular, ilegalmente, e helicóptero também, ilegalmente. Para poder chegar na localidade, eles têm pista clandestina. Tem radiofonia. Tem wi-fi, internet. Os garimpeiros estão equipados.

Qual é a região mais problemática?

Hoje, a parte de cima do Rio Uraricoera e também o Rio Mucajaí é a parte mais problemática. Os principais são esses. Eles estão subindo até os igarapés, onde os Yanomami estão morando. Lá eles têm pistas clandestinas. Eles mesmos fazem.

Como é a vida das pessoas que vão até o garimpo e vivem lá para conseguir o ouro?

Não é para eles viverem lá. Eles fazem atividade de garimpo ilegal, ficam cavando os rios com maquinário pesado. Colocam canos nos rios para puxar água. Cortam a terra, enchem os rios de poluição com mercúrio. Tem uso de prostituição e alcoolismo. Aliciamento dos Yanomami. Eles têm alimentação, rádio, televisão. Eles chegam na comunidade e prometem muito. Dão arroz, cachaça, comida, espingarda, cartucho. Falam para eles [indígenas] que são garimpeiros bons. A maioria dos Yanomami são contra, é a minoria que cai no aliciamento.

Vista aérea de garimpos ilegais na TI Yanomami, próximo à comunidade Ye’kwana

Você sabe o que acontece com ouro que sai da terra Yanomami?

O ouro extraído da nossa casa, eles levam para Boa Vista. Lá eles fazem uma espécie de lavagem e mandam para outros estados e depois para Europa. São vários empresários que compram ouro, mas a gente não conhece, não temos acesso. Há três ou quatros anos, aqui em Boa Vista a Polícia Federal investigou alguns empresários. Segundo ela, o caminho do ouro que sai da terra Yanomami vai para Boa Vista, depois para Manaus, Maranhão, e do Maranhão para São Paulo. O ouro Yanomami anda por esses caminhos.

Uma das bandeiras do governo é liberar a mineração em terras indígenas. Essa postura do governo favorece o aumento de garimpeiros no território?

Quando ele [Jair Bolsonaro] se candidatou ele disse logo que queria negociar com o governo americano a legalização de mineração nas terras indígenas. Ele já falou isso. Realmente, o interesse dele é explorar a mineração, não é garimpo. Garimpo é um pouco fraco e agora o interesse do governo Bolsonaro é onde tem os minérios. Mas também ele está criando muito problema pro Estado brasileiro. Ele não está respeitando as hierarquias. Ele não está prejudicando só os Yanomami, ele está arrumando problema pro Estado brasileiro.

Uma característica do projeto de lei que visa permitir a exploração dos mineiros em terra indígena é a necessidade de prévia autorização por parte dos indígenas daquele território. Como os Yanomami enxergam isso?

No contexto geral, os povos indígenas do Brasil são contra a mineração em terras indígenas. Porque a política indígena não é a favor da mineração. A minoria, alguns parentes, são envolvidos com os políticos. São manipulados por políticos.

A justiça determinou que a Funai abrisse as bases de proteção etnoambiental no território. Você tem acompanhado a reabertura?

No planejamento de abertura, são três bases [no território]. A gente processou o Estado e conseguimos recursos para fazer a reativação das bases, onde os garimpeiros estão entrando. Temos que bloquear a entrada dos garimpeiros de barco. A Funai está se organizando para fazer a reinstalação. Era pra ter feito no ano passado, mas não deu certo, porque — não sei se a Funai vai dizer bem isso, mas eu estou dizendo, nós conseguimos por meio da ação judicial as reativações das bases e gente permanente para ficar lá.
Segundo a coordenadora regional da Funai de Roraima, eles estão subindo para reabrir as instalações. Essa é uma responsabilidade da Funai. Eles não passaram um prazo oficial, mas acho que em 90 dias vai reabrir. Eles estão montando a estrutura para ir pra até lá.

Qual o seu papel na associação?

Em 2004, os Yanomami começaram a atuação da [Associação] Hutukara e desde o início estou trabalhando com a associação. Durante 15 anos venho lutando e denunciando garimpo no nosso território. Também atuamos com saúde e educação do nosso povo. Hoje sou vice-presidente da associação Hutukara Yanomami e um porta-voz do povo.

Fotógrafo:

A entrevista é parte do projeto da Agência Pública chamado Amazônia sem Lei, que investiga violência relacionada à regularização fundiária, à demarcação de terras e à reforma agrária na Amazônia Legal. O especial também faz a cobertura dos conflitos no Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro.

Arquivo pessoal
Rogério Assis/Instituto Socioambiental

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