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Líder da IURD responsabiliza João Leite e Alfredo Paulo por rebelião no país africano; religiosos angolanos dizem ter o controle de 220 templos

Reportagem
6 de julho de 2020
11:38
Este artigo tem mais de 4 ano

Em uma live anunciada como “meditação com pastores” publicada nas redes sociais no sábado, 27 de junho, o líder máximo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), Edir Macedo, culpou os ex-bispos brasileiros João Leite e Alfredo Paulo por um “golpe” em Angola, que teria levado, há 15 dias, religiosos africanos a se rebelar e assumir o controle de 220 dos cerca de 300 templos da instituição no país. Os bispos e pastores locais romperam com a direção da IURD, expulsaram os colegas brasileiros e querem que eles deixem o país. 

O então bispo João Leite foi responsável pela IURD em Angola até 2017 e, no ano seguinte, foi afastado depois de ter assumido que cometeu adultério. Leite fundou recentemente, no Rio de Janeiro, a própria denominação, a Igreja do Tratamento Espiritual. Alfredo Paulo, ex-bispo responsável pela IURD em Portugal, deixou a instituição em 2013, também por suposta infidelidade conjugal. No início do ano passado, ele exibiu em um canal que mantém no YouTube um vídeo em que João Leite anunciava os seus planos para disputar espaços com Edir Macedo em busca de fiéis na África. Nas últimas semanas, Alfredo Paulo, que vive em Portugal, divulgou nas redes sociais informações sobre os protestos dos bispos e pastores da IURD em Angola. Por conta disso, Edir Macedo vinculou os ex-bispos à revolta no país.

Edir Macedo durante live com pastores de Angola e Moçambique

Os rebelados na ex-colônia portuguesa dizem reunir 362 pastores dos 464 da IURD em atividade no país. Rejeitam o rótulo de dissidentes ou ex-seguidores. Em nota oficial, a igreja no Brasil os definiu como um grupo de religiosos “desvinculados da instituição por práticas e desvio de condutas morais e, em alguns casos, criminosas e contrárias aos princípios cristãos exigidos de um ministro de culto”. Os pastores angolanos, por outro lado, acusam o comando brasileiro da IURD de supostos crimes como evasão de divisas, expatriação ilícita de capital, racismo, discriminação, abuso de autoridade, imposição da prática de vasectomia aos pastores e intromissão na vida conjugal dos religiosos. Os religiosos locais reclamavam também de privilégios dados aos bispos e pastores brasileiros e pediam maior valorização do episcopado angolano. Um manifesto com a assinatura de 320 bispos, pastores e obreiros foi divulgado em novembro do ano passado. O documento foi encaminhado à cúpula da IURD, mas não obteve resposta. A igreja tem 500 mil fiéis em Angola.

Ao responsabilizar os ex-bispos brasileiros pelos conflitos, Edir Macedo exibiu, em sua live, trechos do programa no YouTube do ano passado no qual João Leite anunciava que, em um mês, estaria em Angola “só com os cabeças” da igreja. O ex-bispo afirmava que uma pessoa estava encarregada de reunir essas lideranças. Supostamente, elas lhe dariam apoio para se instalar no país.

Com boas relações com o governo angolano no período em que comandava a IURD, João Leite chegou a batizar filhos de poderosos políticos locais, mas não instalou templos em Angola e Moçambique, como pretendia. Virou alvo de Macedo por ter feito o anúncio no canal do ex-colega Alfredo Paulo na rede social.

Alfredo Paulo, ex-membro da cúpula da Igreja Universal

“Olhe para os semblantes deles”, disse o bispo Edir Macedo em sua live, apontando para as imagens de João Leite e Alfredo Paulo. “São semblantes satânicos, malditos, amaldiçoados. Nunca tinha visto o João Leite com esse semblante. A voz dos dois é acusatória. Uma voz que diz: ‘Eu vou desgraçar alguém’. Que homens de Deus eram eles? É porque houve uma maldição do pecado. Que Deus tenha compaixão de vocês, João Leite e Alfredo. Vocês já são malditos, estão alijados. São malditos pelo que estão fazendo com as pessoas que estamos resgatando do inferno”, atacou o líder da IURD. Acompanhado do bispo Gonçalves e de outros três pastores africanos em sua live, Macedo conclamou os fiéis em Angola a se afastarem dos opositores. “Você que está dividido, inseguro, fuja dos rebeldes. Fique longe deles. Tire os seus entes queridos de perto. O que vai acontecer com eles, meus caros, já está determinado. E não há quem possa mudar essa realidade”, ameaçou.

João Leite era responsável pela Igreja Universal do Reino de Deus em Angola

O ex-bispo Alfredo Paulo disse ter visto semelhanças entre o protesto dos bispos e pastores angolanos e o seu discurso difundido nos últimos anos nas redes sociais. “Me identifiquei com o manifesto deles porque eles dizem o que eu já vinha denunciando há muito tempo”, justificou, em entrevista à Agência Pública. E rebateu as críticas de Macedo. “Ele quer tirar o foco do que está acontecendo. É mentira o que ele diz sobre mim e o João Leite.”

Alfredo Paulo decidiu, após as críticas de Macedo, tornar pública a íntegra de sua conversa com João Leite gravada do ano passado. Num longo bate-papo, João Leite faz outras duras acusações a atuais membros da IURD. Principalmente ao bispo Honorilton Gonçalves. Diz, por exemplo, que ele teria sido flagrado por um colega com material pornográfico em seu computador e tido conduta pessoal inadequada no período em que administrou a TV Record, o que teria motivado sua transferência para a Bahia e, em seguida, para a África. Na conversa, outro religioso é citado num suposto caso de superfaturamento envolvendo uma construtora contratada pela igreja para executar obras na África e em Portugal. Para demonstrar o poder e a força da IURD na África, João Leite diz que só de Moçambique teriam saído, em 2017, US$ 4 milhões para a África do Sul.

País pobre, igreja rica

Uma das principais razões do protesto dos bispos e pastores é o fato de o dinheiro recolhido nos templos da IURD ser levado para fora de Angola. Envolto em casos de corrupção, o país, hoje com 30 milhões de habitantes – 60% católicos e 35% evangélicos –, é controlado pelo mesmo partido político, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), desde sua independência de Portugal, em 1975. Sessenta por cento de seus habitantes vivem com apenas US$ 2 diários, segundo relatório do Centro de Investigação da Universidade Católica de Angola. A expectativa de vida é uma das menores do planeta – 42 anos –, e a taxa de mortalidade infantil, uma das dez maiores.

Em contraste, a IURD obtém no país uma de suas mais exuberantes receitas: US$ 80 milhões ao ano, segundo o bispo angolano Valente Bezerra Luiz. Antes do início dos protestos, Bezerra Luiz já ocupava o cargo de vice-presidente da IURD em Angola. Agora, é tido como o novo líder local da instituição que deverá adotar o nome de igreja de Angola, de acordo com os críticos da direção brasileira. O presidente oficial, o angolano António Pedro Correia da Silva, se afastou, em razão de problemas de saúde, no final do ano passado. Casado com uma brasileira, no momento está no Rio de Janeiro.

O bispo Bezerra Luiz revelou ao jornal angolano O País, em fevereiro, que boa parte do dinheiro recolhido nos templos sairia de Angola por estradas, via Namíbia, para a África do Sul. E daí para o Brasil ou outras partes do mundo. Outros meios triviais também seriam utilizados, conforme o bispo. Convidados para visitar o Templo de Salomão no Brasil, pastores angolanos e suas esposas costumavam trazer à igreja US$ 15 mil cada um, denunciou.

“Uma igreja que tem a arrecadação como a da IURD em Angola não conta com obras sociais de impacto. O país sofreu 30 anos de guerra e estamos em fase de reconstrução. Graças a Deus cessaram as armas e o país está em paz. Mas fomos observando que a gestão brasileira cometeu muitos erros. Fizemos investigações e vimos que a igreja andou cometendo muitos crimes, como branqueamento de capitais e evasão de divisas. Por isso, estamos a reivindicar que a gestão passe para os angolanos”, disse à Pública, por telefone, na terça-feira, 30 de junho, o pastor da IURD em Angola Silva Matias, há 16 anos na igreja e na ativa, como fez questão de ressaltar.

Bispos e pastores acusados de racismo

No país de maioria negra, líderes da IURD são acusados de racismo por Silva Matias. “Começamos a notar muito racismo por parte dos líderes brasileiros. Principalmente aqueles de tons claros, brancos, que chegavam e tratavam os negros com desrespeito. Fomos aturando”, revelou. Antes, Silva Matias havia denunciado, em entrevista à Rádio França Internacional (RFI), que o bispo Honorilton Gonçalves teria feito alusões à semelhanças entre africanos e macacos. O brasileiro comentou, segundo Silva Matias, que os negros têm essa aparência porque suas mães, “enquanto concebiam, tinham muito contato com macacos”. Questionado se tem como provar os atos de racismo praticado por brasileiros, o pastor diz valerem os depoimentos dos religiosos angolanos. “As provas somos nós. Podíamos ter áudios e vídeos comprovando. Mas, como já havíamos feito nossas queixas sobre racismo e apresentado a eles, ao irmos para as reuniões de pastores, éramos submetidos à revista com detectores de metal. Até os bispos. Nem a Bíblia, nossa principal ferramenta para trabalhar, o Honorilton permitia que levássemos para a reunião”, explicou.

Pastor Edir Macedo acusou ex-bispos de “golpe” em Angola

A imposição da vasectomia, reclamação comum de pastores da IURD no Brasil e em outros países, é outro problema apontado pelos angolanos. Essa medida seria imposta para facilitar maior dedicação dos pastores à igreja, já que não teriam filhos para cuidar. “Algumas práticas não fazem parte da nossa etnia. Na nossa cultura na África, só é considerado um casamento estabelecido quando há a inclusão de um filho. Senão, aquele casamento não é bem aceito. Na cultura brasileira pode ser normal, mas aqui não. Não há esse costume da vasectomia. A gestão brasileira trouxe essa prática, não como sugestão, mas imposição”, reclamou o pastor. “Há uma irregularidade aí. A igreja não impõe, nem Deus impõe. Deus deu ao homem o direito do livre-arbítrio. Mas a igreja brasileira, sob às ordens de Edir Macedo, vinha impondo as coisas, não respeitando a posição dos africanos.” A IURD nega a imposição da vasectomia. Em uma nota, a igreja disse estimular apenas “o planejamento familiar, debatido de forma responsável por cada casal”.

Silva Matias nega que os angolanos cometeram atos de xenofobia ao expulsar brasileiros: “Não temos nada contra os brasileiros. Brasil e Angola sempre tiveram uma relação muito boa. O Brasil foi o primeiro país a reconhecer nossa independência. Sempre tivemos uma relação amigável. A questão é que a gestão brasileira da igreja vinha se excedendo”.

A TV Record exibiu imagens de um pastor brasileiro, Israel da Silva Gonçalves, que teria sido atacado com um porrete, em meio aos conflitos. Atingido na testa, sangrava. O pastor teria ficado desacordado e levado chutes, caído no chão. A emissora ligada à IURD mostrou também imagens de pastores e suas esposas com malas nas calçadas, em frente aos templos. A igreja afirmou que eles teriam sido agredidos com violência por ex-seguidores “com objetivo de tomar de assalto a igreja, com propósitos escusos”. A IURD reclamou de “falta de ação” do Itamaraty.

Um processo-crime foi aberto no Serviço de Investigação Criminal (SIC), órgão de polícia de Angola, em novembro de 2019, para investigar as denúncias de pastores angolanos. Agora eles acusam a IURD até de contratar homens para tomar os templos de volta e tentar matar os pastores rebelados. Daí, o caso foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República angolana e, na sequência, irá para um tribunal. As duas partes devem ser chamadas a depor.

Os pastores locais reivindicam que os bens da IURD – como os templos, condomínios residenciais e carros – fiquem com eles, em razão de a igreja no país, conforme determina a legislação, estar em nome de angolanos. “A igreja é uma instituição nacional de direito angolano. Os bens pertencem aos angolanos, pois foram adquiridos com arrecadações do povo”, ressalta Silva Matias. “Somos nativos e somos a maioria. Então, eles não têm como nos tirar dos templos.” Quem vai decidir, no entanto, é a Justiça local. A IURD foi procurada para manifestar sua posição, mas não respondeu até o fechamento da reportagem.

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Alan Santos/PR

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