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Os três países reúnem 52% das florestas tropicais do mundo, o que levou o acordo a ser apelidado de “Opep das Florestas”

Reportagem
14 de novembro de 2022
12:41
Este artigo tem mais de 1 ano

Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo (RDC) lançaram nesta segunda-feira (14) um acordo de cooperação para a preservação de suas florestas tropicais. O anúncio foi realizado em Bali, onde a partir de amanhã acontece a cúpula do G20, grupo das vinte maiores economias do mundo, presidido atualmente pela Indonésia, e coincidiu com o início da segunda semana a 27a Conferência do Clima da ONU, a COP 27, que ocorre em Sharm el-Sheikh, no Egito.

Juntos, os três países reúnem 52% das florestas tropicais primárias remanescentes do mundo, cuja conservação é fundamental para o combate às mudanças climáticas a nível global. Eles concordaram em cooperar em temas como conservação e recuperação florestal, manejo sustentável e promoção da bioeconomia. 

Embora ainda não esteja claro como se dará essa cooperação – o acordo estabelece que os arranjos para sua implementação ainda serão discutidos –, a Agência Pública apurou que existe a intenção dos países de atuar de maneira coordenada nas negociações climáticas, sobretudo em temas de financiamento e questões relacionadas à conservação e uso sustentável da biodiversidade.

Financiamento para preservação das florestas, inclusive, é um dos focos do texto do acordo. Ele destaca que o pagamento por resultados para reduzir o desmatamento tem de “desempenhar um papel-chave” na nova meta de financiamento global que está sendo discutida nesta COP e deve ser definida até 2024. 

O documento cita ainda que Brasil, RDC e Indonésia estão alinhados em demandar novos recursos para atividades de REDD+ – o mecanismo de incentivo financeiro para que nações reduzam emissões de gases de efeito estufa por desmatamento ou degradação florestal – em países em desenvolvimento, sobretudo por meio do Fundo Verde do Clima, um dos fundos da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês).

Além disso, os três países concordaram em reunir forças para negociar um novo mecanismo financeiro sob a Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, cujo próximo encontro ocorre em dezembro no Canadá. O texto ainda traz uma menção à “justiça climática”, pela qual os três países enfatizam a importância de respeitar “salvaguardas sociais e ambientais” nas ações de combate à mudança do clima. 

Na avaliação de Maureen Santos, coordenadora da ONG FASE e professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, a nova parceria é positiva, entre outros pontos, por trazer como caminhos de financiamento estruturas criadas sob o guarda-chuva da UNFCCC, como o Fundo Verde o Clima, o que reafirma o multilateralismo. “É interessante no sentido de reforçar o espaço multilateral, pois existe uma tentativa dos países do Norte de enfraquecer o multilateralismo ao anunciar acordos por fora [da UNFCCC], e aí se enfraquece o regime. A governança [dos acordos paralelos] é falha, porque não há relação de poder equilibrada, já que eles não envolvem os 198 países signatários da UNFCCC. Quem tem mais poder vai mandar no processo”, explica.

Na semana passada, durante os primeiros dias da COP27, quando questionado pela Pública sobre a ausência do Brasil em uma nova parceria formada por 26 países e União Europeia para zerar o desmatamento até 2030 – a Climate and Forest Leaders Partnership (FCLP) –, o Itamaraty respondeu que preferia outros “foros” que ofereceriam “condições melhores e mais ambiciosas, negociadas multilateralmente”, e mencionou como exemplo a nova aliança com Indonésia e RDC.

Negociado por Bolsonaro, condizente com a política de Lula

O acordo – cujas primeiras tentativas de negociação ocorreram em 2012, no governo Dilma Rousseff – é um desejo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em agosto, o então coordenador de seu programa de governo, Aloizio Mercadante, falou à imprensa sobre as conversas para formação aliança, que tem sido apelidada de “BICs” (junção das iniciais dos três países) e “Opep das florestas”, em alusão ao cartel formado pelos países exportadores de petróleo. O último nome é criticado por alguns, como a deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP), cotada para reassumir o Ministério do Meio Ambiente no governo Lula, que disse à Pública na COP27 que as florestas não são “cartéis”. 

No entanto, a nova parceria foi negociada pelo governo de Jair Bolsonaro a partir da COP26, no ano passado, quando houve reunião trilateral entre os três países. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, a costura seguiu durante a reunião de ministros do meio ambiente do G20, em Bali, em agosto, e na pré-COP, em Kinshasa, na RDC, no mês passado.

“Ainda que tenha sido negociado durante o governo Bolsonaro, me parece que é condizente com a transição para a futura política externa do Brasil”, analisa Maureen Santos. “Não é algo que seria eliminado, reforça uma visão Sul-Sul importante que o Brasil carrega e que o governo Lula vai retomar.” Desde a campanha, o presidente eleito tem se comprometido a recolocar o país em posição de “protagonismo na luta contra a crise climática” e a buscar o “desmatamento zero na Amazônia”, como afirmou em seu primeiro discurso após a eleição. 

Santos também relembra que o governo Bolsonaro, sobretudo nos dois primeiros anos, quando o chanceler era Ernesto Araújo, abandonou o multilateralismo tradicional da política externa brasileira. O fato de o acordo com Indonésia e RDC ter sido fechado ainda sob sua administração – durante a qual cresceram as taxas de desmatamento na Amazônia e as emissões brasileiras de gases de efeito estufa – reforça a imagem do Itamaraty “como instituto de Estado que tem seus baluartes, como a defesa do multilateralismo, da soberania de cooperação, nesse caso, Sul-Sul”, destaca.

*Essa reportagem foi publicada com o apoio da COP27 Climate Justice Journalism Fellowship do Climate Tracker.

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