Passados 15 dias do ataque golpista bolsonarista ao Palácio do Planalto, em Brasília, vieram a público apenas oito minutos de imagens captadas pelas câmeras internas e externas do prédio. Estima-se que toda a invasão ao Planalto tenha durado cerca de 1h45min. Levando em conta a existência de inúmeras câmeras dentro e fora do palácio, trata-se de dezenas de horas de gravação que até o momento permanecem inéditas, o que impede a compreensão da dinâmica do ataque.
No STF (Supremo Tribunal Federal), a resposta a um pedido feito pela Agência Pública por meio da Lei de Acesso à Informação foi taxativa: o tribunal não divulgará as imagens. Segundo a resposta, atribuída à Secretaria de Segurança do tribunal, “trata-se de informação protegida, conforme disciplinado pela nossa Resolução nº 657/2020-STF, no “art. 20. As imagens gravadas pelo CFTV [circuito de câmeras] são de caráter reservado e não poderão ser fornecidas a terceiros. Dessa forma, não podemos fornecer os dados solicitados”.
A Pública recorrerá sob o argumento de que uma resolução administrativa não pode ter mais força do que a Lei de Acesso à Informação, sob pena de transformá-la em letra morta na Esplanada dos Ministérios. Bastaria que os órgãos públicos fizessem suas próprias “resoluções” a fim de interditar a aplicação da LAI. Além disso, a LAI prevê que uma informação classificada como “reservada”, como diz o STF, tem prazo de cinco anos para sua desclassificação. Ou seja, a resolução, ao não indicar nenhum prazo de desclassificação, conflita com o corpo da lei. Também inexiste, na LAI, a expressão “caráter reservado”.
A resposta do STF deixou de transcrever o parágrafo único do artigo da resolução, que diz: “Excepcionalmente, mediante solicitação à SEG e autorização do diretor-geral, poderá ser facultado o acesso às imagens gravadas pelo CFTV quando não comprometer a segurança institucional do Tribunal”. A segurança foi totalmente comprometida no dia 8, quando centenas de bolsonaristas invadiram e destruíram partes inteiras do tribunal, como o plenário. A divulgação pública dessas imagens deverá ajudar a identificar mais agressores e a entender o comportamento da equipe da segurança no ato da invasão.
Como ação de transparência, a Pública divulga na íntegra em seu canal no Youtube e sem cortes todas as imagens divulgadas até agora pelo Planalto e pelo Congresso Nacional. Além de desvendar a dinâmica das invasões, as imagens servem, uma vez disponibilizadas ao público, para a própria investigação realizada pela PF sob acompanhamento do STF. Na última segunda-feira (23), por exemplo, foi preso em Uberlândia (MG) Antônio Cláudio Alves Ferreira, 30, suspeito de ter sido o homem que derrubou um relógio histórico durante a invasão golpista. Sua identidade só veio à tona porque uma pessoa assistiu às imagens no programa “Fantástico”, da TV Globo, e disse que conseguiu reconhecê-lo. Essa fonte anônima telefonou para o jornalista Cristiano Sila, que divulgou a informação em seu blog Goias24Horas. A publicação colocou a PF no encalço de Cláudio.
Embora tenha revelado o rosto de invasores até então desconhecidos, o conjunto das imagens captadas no Palácio do Planalto e já tornado público – obtido primeiro pela TV Globo e depois pelo restante da imprensa – nada traz sobre o início da invasão do lado de fora do palácio. Olhando as imagens já públicas, não é possível entender quando e como os bolsonaristas conseguiram invadir a sede da Presidência da República, em especial é impossível verificar se houve e qual foi o tamanho da reação dos agentes do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e do BGP (Batalhão da Guarda Presidencial), responsáveis pela segurança do palácio.
As imagens divulgadas até aqui compreendem 23 arquivos, dos quais 17 foram produzidos por câmeras localizadas no Salão Nobre, duas no mezanino e três no terceiro andar. Apenas uma foi tomada no térreo da Ala Leste. Ela mostra um homem tentando destruir, com um extintor de incêndio, um dos vidros da fachada do palácio. Ao fundo, contudo, é possível ver que já havia pelo menos cinco pessoas dentro do prédio. Continua a interrogação sobre como os primeiros invasores entraram.
Nos últimos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já manifestou pelo menos duas vezes publicamente sua desconfiança de que “alguém” abriu a porta do Planalto para a entrada dos invasores. As imagens até aqui divulgadas não permitem avaliação sobre essa hipótese.
A Agência Pública tem solicitado à Secom (Secretaria de Comunicação Social), desde o último dia 10, o acesso a todas as imagens do Planalto. Pedido semelhante foi feito pessoalmente pela reportagem ao ministro Paulo Pimenta. A Secom não se manifestou durante oito dias, até o dia 18, quando afirmou que a Pública deveria fazer a solicitação por meio da Lei de Acesso à Informação. Tal pedido já havia sido feito no mesmo dia 10, e até o momento não há resposta.
No dia 19, a Presidência transformou, à revelia do solicitante, o pedido feito via LAI no dia 10 em uma “denúncia”, o que retira do processo todos os prazos previstos na Lei de Acesso – são eles: 20 dias para a primeira resposta, que podem ser prorrogados por mais 10 dias. A Pública então informou à Secom que a transformação do pedido em “denúncia”, jamais feita pela reportagem, ocorrera ao arrepio da Lei de Acesso.
No dia seguinte, a Secom informou que “a solicitação de LAI foi classificada automaticamente pela Inteligência Artificial do sistema Fala.BR como Denúncia. Quando isso ocorre, um e-mail é enviado ao solicitante informando a mudança do referido status do processo. No entanto, quando a Ouvidoria da Presidência da República recebeu a manifestação, constatou que a mesma se classificava como LAI e fez a reversão, encaminhando, assim, a solicitação para o órgão competente, que dará o encaminhamento necessário para a resposta”.
A Pública também fez pedidos, via LAI, ao Senado e à Câmara dos Deputados – ainda não há resposta. As duas casas do Legislativo também fizeram divulgações pontuais e de pouca duração das imagens captadas pelas suas câmeras.
Em entrevista no dia seguinte à invasão, o ministro do GSI Gonçalves Dias disse que as imagens do Planalto foram encaminhadas à Polícia Federal e “ao comandante do Exército”.