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Eu pretendia escrever hoje um texto comemorativo para agradecer a vocês – agora 30 mil leitores que recebem a nossa news, que, nesta semana, chega à sua 300ª edição. Ufa! Obrigada pelo interesse no trabalho da Agência Pública e no ponto de vista desta veterana sobre os acontecimentos do país e sobre o jornalismo, que ganhou tanto com o aparecimento de novos veículos digitais. Vai aqui um tantinho de orgulho por sermos nós, três mulheres repórteres, pioneiras no campo no Brasil.
Mas tenho que mudar de assunto porque as coisas estão quentes na Pública, que, nos últimos dias, recebeu uma das maiores recompensas que o jornalismo pode trazer: a reportagem de Clarissa Levy sobre o esquema de espionagem, infiltração e ataque às lideranças dos entregadores promovido por duas agências de publicidade a serviço do iFood que provocou o Ministério Público Federal (MPF) a investigar o caso, que culminou com a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pela empresa na sexta-feira passada.
A reportagem da Pública foi citada textualmente no TAC, o que raramente acontece, já que foi crucial para que o caso fosse investigado e punido, segundo o próprio MPF. Pelo acordo, o iFood terá que desembolsar R$ 6 milhões para compensar danos, promover direitos dos entregadores e reforçar políticas de direitos humanos em seu funcionamento. As agências também terão que criar uma campanha de marketing digital promovendo o direito à informação.
O impacto de nosso jornalismo na realidade, responsabilizando os que cometem violações e reparando direitos, é o nosso maior prêmio, ainda mais relevante porque são poucos os veículos que investigam empresas no Brasil. Companhias privadas são tratadas pelos jornais como se estivessem acima de qualquer suspeita, apesar das ilegalidades cometidas por elas com grande prejuízo para a sociedade.
Não é à toa que um dos esquemas mais abjetos de exploração sexual de meninas e mulheres promovido por Samuel Klein, fundador da mais conhecida rede de varejo do país – e uma das maiores anunciantes da mídia empresarial –, perdurou por 30 anos sob o silêncio da mídia. E olha que era uma rede grande, conforme revelou pela primeira vez a Pública, em abril de 2021, que entrevistou dezenas de testemunhas – de vítimas a ex-funcionários das Casas Bahia, trazendo os detalhes do esquema.
A publicação da reportagem provocou o lançamento do movimento #NãoHomenagearemosSamuelKlein, uma manifestação de mulheres reivindicando que uma rua com o nome do empresário fosse rebatizada; a família Klein decidiu suspender as atividades do Instituto Samuel Klein, e o Ministério Público do Trabalho abriu um inquérito para apurar a relação das Casas Bahia com as denúncias. A reportagem viralizou nas redes sociais e foi elogiada por renomados jornalistas, influenciadores e celebridades.
Mas a mídia se calou, ignorando as regras básicas em casos relevantes como esse, quando se repercute a reportagem e, se possível, se avança na investigação. Nem as Casas Bahia perderiam dinheiro nem os veículos perderiam anúncios, esse parece ser o pacto. Os direitos das vítimas – parte delas menores de idade à época dos fatos – e o significado social de um crime contra mulheres com claras marcas de abuso de poder foram ignorados mais uma vez.
Mas nós não esquecemos e continuamos a investigar o esquema; por isso, sabemos que ainda há muito por desvendar e revelar. Para impedir que essa história de graves violações aos direitos de meninas e mulheres continue sendo abafada, vamos agora lançar um podcast contendo as novas investigações. Precisamos da participação de vocês na campanha de arrecadação de recursos, que começa hoje, com a meta de obter R$ 90 mil até o final de agosto. Você pode fazer doações por pix e se tornar um Aliado da Pública – inscrito no nosso programa de contribuições mensais – e receber material exclusivo sobre os bastidores da produção do podcast.
Não há nada mais valioso para um veículo que faz jornalismo investigativo independente do que o apoio da sociedade, por isso o apelo. Incomodar os poderosos tem seu preço.
Na terça-feira passada, recebemos uma carta de citação informando que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, está processando a Pública por uma reportagem em que sua ex-mulher contou que foi vítima de estupro, além de ter sido espancada por ele, o que foi documentado pelo IML (o laudo também foi publicado). Na ação, o deputado pede que as plataformas de redes sociais derrubem o conteúdo da reportagem e que a Pública seja impedida de veicular outras publicações com o mesmo teor, além de uma indenização de R$ 100 mil.
A liminar que pede a retirada do conteúdo já foi negada pelo juiz, que considerou que a reportagem trouxe informações de interesse público com o objetivo de informar os leitores. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Associação de Jornalismo Digital (Ajor) se manifestaram contra o assédio judicial e a tentativa de censura prévia à Pública e ao ICL (também processado pelo deputado), o que configura violação da liberdade de imprensa. O processo segue na 14a Vara Cível de Brasília.
De nossa parte, continuaremos publicando todas as informações de interesse público e investigando todos os homens brancos poderosos que cometem violações de direitos humanos sob o silêncio cúmplice da mídia empresarial. Foi para isso que viemos ao mundo em 15 de março de 2011. Sempre contando com vocês como o nosso maior apoio para colocar o interesse público em primeiro lugar.