Com cerca de 10 mil habitantes, a pequena Candiota (RS), no extremo sul do Brasil, concentra cerca de 40% das reservas nacionais de carvão mineral. Enquanto o mundo tenta reduzir o consumo de combustíveis fósseis e as emissões de gases de efeito estufa a fim de conter o aquecimento global, o município vive a preocupação de ver sua principal fonte de emprego e renda chegar ao fim sem ter encontrado alternativas econômicas a ela.
O dilema de Candiota é um exemplo do que muitas outras cidades pelo mundo irão enfrentar nos próximos anos. O Brasil se comprometeu, pelo Acordo de Paris, a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 50% até 2030 e a alcançar a neutralidade de emissões em 2050 – o que obriga a cidade, cuja arrecadação depende entre 70% e 80% das mineradoras e usinas termelétricas instaladas no município, a se reinventar o quanto antes.
O papel que o carvão desempenha na região pode ser sentido já na chegada à cidade. Em uma placa na entrada, a imagem de uma usina é usada no lugar da letra “i” no nome de Candiota. A fachada de diferentes negócios também incorpora o símbolo em suas marcas.
O combustível é exaltado até no hino municipal: “pois a natureza nos deu mil riquezas para a exploração por isso a chamam de a Capital Nacional do Carvão”.
Mas apesar de ter reservas suficientes para produzir energia equivalente a uma Itaipu carbonífera (a hidrelétrica possui capacidade instalada de 14 mil MW), a cidade conta com duas minas e duas termelétricas em operação que totalizam apenas 695 MW – ou 0,3% da capacidade instalada de geração de energia do Brasil.
Isso se dá, em primeiro lugar, porque o país tem muita água, vento e sol – hoje as principais fontes de energia, que, além de mais baratas, são renováveis e, portanto, limpas. Em segundo, porque o carvão do sul do país é de baixa qualidade, com baixo potencial calorífico, o que o torna bastante ineficiente.
A preocupação dos moradores, porém, vai além de acordos internacionais que sinalizam a diminuição da utilização de combustíveis fósseis nas próximas décadas e se concentra nos impactos imediatos para a economia local caso a indústria do carvão seja encerrada.
A usina Pampa Sul, inaugurada em 2018, tem um contrato de fornecimento de energia para o Sistema Elétrico Interligado Nacional (SIN) até o final de 2043. Já a termelétrica Candiota 3, administrada pela Eletrobras, terá seu contrato encerrado em 31 de dezembro de 2024. No dia 12 de junho, durante o evento Eletrobras Day, o então presidente da empresa, Wilson Ferreira Junior, revelou a intenção de vender a planta de Candiota 3 ainda neste ano.
“Sem a usina, o município volta à estaca zero. É o que gera emprego e renda”, afirma Rosanea Mendonça, proprietária de um trailer de sanduíches que fica na rua principal da cidade. Com muitos familiares e conhecidos trabalhando na termelétrica, Mendonça espera que a usina continue funcionando.
É difícil encontrar na cidade um discurso que fuja do aspecto de emprego e renda. E mesmo aqueles que apontam as consequências do uso do carvão para o meio ambiente preferem não se manifestar publicamente. “Sei que tem muita coisa errada (ambientalmente), mas só eu não vou fazer barulho que vá modificar alguma coisa. Mas, também entendo o benefício que as usinas trazem, não tem como sobreviver sem elas, viraria um lugar fantasma”, diz uma moradora que pediu para falar em condição de anonimato.
Dos 2.533 trabalhadores formais registrados no município em 2019, conforme o Dieese, 445 atuavam na geração de energia elétrica (17,6% do total), 257 na extração do carvão (10,1%) e 30 no beneficiamento do mineral (1,2%). Os valores médios pagos para essas funções eram na época do levantamento, respectivamente, R$ 4.414,43, R$ 4.683,92 e R$ 6.823,34 – já a média salarial do conjunto de atividades de Candiota foi de R$ 3.200,29. Além desses, há os postos indiretos desencadeados pela atividade carbonífera.
Por outro lado, o Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), coloca Candiota 3 e Pampa Sul como as unidades mais poluentes do Brasil no critério de taxa de emissão de gases de efeito estufa. O estudo, publicado em 2022 e que tem como ano-base 2020, avaliou 72 usinas movidas a combustível fóssil, sendo oito delas a carvão.
O trabalho aponta que as duas termelétricas têm apenas 27% de eficácia. Candiota 3 produziu 1.327 toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e) a cada gigawatt/hora gerado (GWh) e a Pampa Sul, 1.302 de tCO2e/GWh – usinas mais eficientes queimam menos combustível e emitem menos gases de efeito estufa por GWh produzido.
Pesquisador do Iema e um dos autores do inventário, Felipe Barcellos explica que o resultado das térmicas gaúchas está relacionado basicamente a dois fatores: a própria natureza do carvão, que é uma fonte fóssil com grande quantidade de carbono e bastante poluidora, e ao baixo poder calorífico do mineral da região, que demanda um volume maior a ser queimado para produzir energia. Esse processo gera três principais gases de efeito estufa: gás carbônico, metano e óxido nitroso.
Ao contrário de muitas nações, o Brasil tem uma matriz elétrica predominantemente limpa – 83,64% é renovável, conforme dados de 2023 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – e conta com recursos naturais que permitem migrar suas plantas fósseis para outras fontes de geração de energia. Segundo Barcellos, isso dá condições ao país de parar de usar o mineral e ainda assim manter a segurança da sua matriz energética.
Candiota quer decidir seu destino
Na cidade que fez sua história em torno do carvão, porém, o sentimento da população é que “gente de fora” está determinando o que irá acontecer com eles, sem levar em conta a importância local das usinas. Arraigado a essa ideia, o poder público tampouco tem buscado saídas.
“É muito sereno e tranquilo para quem está sentado em um escritório, em uma capital, falar que a gente polui, quando, na verdade, estão com seu ar-condicionado ligado e só andam de carro”, afirma a secretária de Meio Ambiente de Candiota, Josuelem Duarte, ao conversar com a reportagem na sede da prefeitura, ao lado do prefeito Luiz Carlos Folador e outros integrantes do poder municipal.
Sem levar em conta o impacto bem atual da queima dos combustíveis fósseis para o aquecimento global, o prefeito atribui a má fama do setor carbonífero apenas a problemas do passado, quando as usinas empregavam tecnologias obsoletas. Essa defasagem de equipamentos levou as termelétricas Fases A e B, que operavam na mesma área que Candiota 3 (que também é chamada de Fase C por suceder essas plantas) a serem desligadas em 2017.
Moradores relatam que resíduos que saíam da chaminé das usinas provocavam chuva ácida e queimavam as plantações na região. Hoje, porém, essas questões estariam superadas, segundo Folador.
Ele bate na tecla de que o maior problema do Brasil em termos de emissões é o desmatamento – o que é verdade –, mas desconsidera que a emergência climática requer que as emissões caiam como um todo. E que, para o Brasil, o carvão faz pouco sentido energético.
“Qual o irresponsável, inconsequente, que vai querer fechar uma termelétrica que gera emprego e desenvolvimento, crianças na escola e salário digno para as pessoas?”, questiona o prefeito.
Um dos pleitos de Folador, que quer manter Candiota 3 em funcionamento, é que seja aprovada para a cidade uma lei semelhante à criada para Santa Catarina, que manteve em operação o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Capivari de Baixo, até 2040. Questionado se ele teria um “plano B” para substituir esses empregos, caso a proposta não passe, o prefeito disse apenas que confia “na sensibilidade dos deputados e dos senadores”.
Ele afirmou que também estão sendo feitas articulações com a Assembleia Legislativa gaúcha para a criação de uma lei estadual de transição energética justa, que passaria por manter o parque térmico atual e buscar outras opções para o segmento, como a gaseificação do carvão – transformar o carvão em gás, antes de sua utilização.
“Nós não queremos ficar fora da transição energética. Queremos seguir buscando outras alternativas, no entanto conservando o que já existe”, diz Folador.
Venda da termelétrica não resolve incertezas sobre o futuro
No final de maio, a Engie Brasil Energia concluiu o repasse da termelétrica Pampa Sul, por R$ 450 milhões, para os fundos de investimento em participações Grafito e Perfin Space X, geridos pelas companhias Starboard e Perfin.
A movimentação faz parte da estratégia da Engie Brasil de “sair das operações a carvão e se tornar uma geradora 100% renovável”. Esse movimento também ocorreu em Capivari de Baixo, cuja usina era gerida pela Engie até 2021.
Apesar de a Pampa Sul ter uma capacidade de geração (345 MW) semelhante à de Candiota 3 (350 MW) e também ser alimentada com o mineral da região, há diferenças entre as duas plantas. Além de a primeira ser cerca de oito anos mais nova que a segunda, seu contrato de energia só irá expirar em 2043, em um contexto distinto de Candiota 3. O prazo é próximo ao do cronograma para o Brasil alcançar a neutralidade da emissão de gases de efeito estufa, prevista para até 2050.
“Está todo mundo assustado, a cidade inteira”, relata o diretor de comunicação e ex-presidente do Sindicato dos Mineiros de Candiota, Hermelindo da Trindade Ferreira. Ele aponta que não há nada definido ainda sobre o futuro de Candiota 3 e de seus funcionários.
As térmicas a carvão estão entre as poucas indústrias da Campanha gaúcha, em uma área de aproximadamente 90 mil quilômetros quadrados, lembra Ferreira. O sindicalista diz que considera a defesa do meio ambiente importante, mas o problema seria o que ele chama de extremismo. “Não precisamos do discurso radical: eu vou acabar (com o carvão), o problema é de vocês e eu lavo as minhas mãos. Aí fica bonito, mas vai sentir na pele o que os outros estão sentindo, colocar a refeição em casa, vestir teu filho”, diz.
“A cidade de Candiota se criou na volta dos eletricitários e dos mineiros. Muitos colegas não têm outra formação profissional e vai ser muito difícil acharem outra ocupação”, complementa o mineiro Adriano Revelante Fagundes. Ele trabalha há 20 anos na estatal Companhia Riograndense de Mineração (CRM), que tem a térmica como sua maior cliente.
Fagundes conta que entrou na CRM através de concurso público e foi atraído para a atividade por acreditar na estabilidade que o emprego proporcionaria. Natural de Ijuí (RS), a cerca de 500 quilômetros de Candiota, ele foi para a cidade com a família na década de 1990 por causa de um tio que trabalhou na montagem da usina Fase B (já desativada) e começou a trabalhar no setor como operador de máquinas.
O mineiro diz que sabe que o fim da queima de combustível fóssil é uma tendência mundial, mas reitera que a mineração é essencial para a região e espera que o avanço tecnológico possa fazer com que o mineral continue sendo aproveitado em outras destinações, além da geração termelétrica.
Caminhos para transição energética opõem visões sobre o uso da fonte fóssil
No momento, três propostas principais sobre o destino do carvão da região de Candiota estão em debate. Elas vão desde prolongar a vida útil da exploração do mineral até 2040 – por meio de uma legislação como a idealizada para Santa Catarina – a parar totalmente de empregar o recurso após um período de adaptação com incentivos à diversificação da matriz econômica da área.
“O fato de estar sentado em ouro não te obriga a utilizá-lo. Ele é nosso, ninguém mexe e vamos usá-lo quando tiver uma tecnologia eficiente (ambientalmente)”, defende o diretor Científico e Técnico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez, que propõe o abandono imediato do carvão.
Outra ideia que vem ganhando adeptos na cidade é a implementação de um complexo carboquímico associado ao estímulo a outras atividades. A proposta visa transformá-lo em gás e usá-lo na produção de químicos, como metanol, ureia e amônia – demandados na cadeia de fertilizantes.
A gaseificação consiste em um processo térmico que converte qualquer material com carbono, como é o caso do carvão, em energia sem precisar queimá-lo, de modo que o processo acaba emitindo menos gás carbônico.
Esse processo já é empregado em países como a China e o Japão, mas ainda não existe no Brasil e é mais caro que a geração de termoeletricidade. Também não é livre de impactos ambientais, uma vez que continua dependente de mineração.
Um dos que se convenceu do projeto é o ex-deputado estadual Frei Sérgio Görgen, fundador do Instituto Cultural Padre Josimo, que integra o Polo de Inovação Energético e Ambiental do Pampa Gaúcho. A iniciativa busca a elaboração de um projeto que combine a gaseificação do carvão com o fomento a outras práticas econômicas.
“Eu tinha preconceito [com o carvão]. Considerava apenas uma visão geral e não conhecia a tecnologia. Por isso, mudei de ideia e não deixei nem um pouco de ser ambientalista. Passei a ver o assunto [de uma maneira] diferente, um pouco mais amplo, e a pesar a questão social e economicamente para a área”, diz.
Um tópico que aproxima defensores e críticos da manutenção do uso do carvão como fonte de energia é que a transição não pode ser abrupta e precisa envolver a comunidade.
“Precisamos entender quantas pessoas trabalham nessas usinas, a qualificação delas e onde elas poderiam ser alocadas. São necessários estudos sobre isso e não só para esse mineral, mas também para o gás natural”, avalia Felipe Barcellos.
Para Heverton Lacerda, presidente da Agapan e membro da coordenação do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul, a falta de vontade política e a pressão econômica de segmentos de investimentos ligados à indústria carbonífera são as maiores barreiras para o avanço da transição energética.
“Os governos precisam fazer os zoneamentos ambientais e atrair recursos para projetos de energia limpa”, afirma. Ele crê que para avançar em direção à sustentabilidade é preciso abandonar a “geração suja” e inativar todas as usinas a carvão, uma vez que já existem opções limpas para substituí-las.
Marcelo Laterman, porta-voz da Frente de Oceanos e de Energia do Greenpeace, reforça que, em termos de modelo de desenvolvimento nacional, não faz sentido apostar em uma fonte de combustível que se mostra inviável climática, ambiental e economicamente. “[A transição] tem que ser gradual, mas efetiva, com data e que inclua um zoneamento para entender os potenciais das regiões que vivem do mineral para que se absorva a força de trabalho que depende dessa fonte”, diz.
O medo da falta de diálogo com a população local sobre as iniciativas aparece na pesquisa “Trajetórias de vidas que se cruzam com a produção de carvão”, realizada pelo Dieese.
“A comunidade tem a sensação de que as decisões são tomadas de fora para dentro, não se sente participando. A percepção é que a discussão dos rumos (do município) não passa pelas mãos deles”, diz o economista e coordenador de projetos sobre Trabalho e Meio Ambiente do Dieese, Nelson Karam.
Por isso, ressalta, qualquer plano ou alternativa de transição devem ser construídos com os moradores e envolvidos no processo e ter o foco nas pessoas e não somente em resolver o problema das empresas.
Indústria carbonífera busca evitar “virada de chave”
Enquanto tentam estender o tempo de uso do mineral, as companhias do setor também procuram outros usos para essa fonte fóssil. Um dos argumentos usados pelas empresas da área é que uma ruptura abrupta da exploração do carvão causaria uma série de problemas sociais e econômicos.
“O conceito de transição energética justa é você fazer esse processo organizado, sem ser uma virada de chave”, defende o presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM), Fernando Luiz Zancan.
Zancan é o principal lobista do setor e esteve por trás da articulação que levou à aprovação do projeto de lei sancionado no fim de 2021 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e que deu sobrevida ao carvão de Santa Catarina.
Ele defende que as jazidas brasileiras são um patrimônio e devem ser aproveitadas, com o emprego de tecnologias adequadas. “A vocação de Candiota é o carvão. Plantar uva e oliveira é legal, mas são atividades agrícolas, e a indústria geralmente tem mais reflexo econômico e social que a agricultura”, diz.
Uma das estratégias do setor é apostar na captura do gás carbônico quando ele é emitido pela termelétrica – de modo a evitar que ele vá parar na atmosfera, reduzindo assim o pior impacto da queima do combustível. A tecnologia já existe, mas ainda em uma escala muito incipiente. Outra saída é aproveitar o carvão na indústria de fertilizantes.
Para o professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), José Carlos Frantz, as atuais técnicas e a legislação estabelecem formas de lavrar a céu aberto (em que o mineral está a poucos metros da superfície, como é o caso de Candiota, sendo desnecessária a instalação de minas subterrâneas) de maneira que se possa recompor a paisagem de uma forma mais adequada.
“Mas, não vamos ser ingênuos a ponto de achar que mineração não tem impacto. O problema é que não conseguimos viver sem (essa atividade)”, acredita.
Corda bamba
O governo do Rio Grande do Sul está sobre uma verdadeira “corda bamba” quando o assunto é o carvão. Por um lado, assumiu na COP26 (a Conferência do Clima da ONU em Glasgow, em 2021), o compromisso de reduzir as emissões de carbono do estado em 50% até 2030 e neutralizá-las até 2050. No entanto, também valoriza o fato de 90% das reservas nacionais de carvão se encontrarem sob solo gaúcho.
Na gestão do governador Eduardo Leite (PSDB), uma prova de que os dois temas acabam se misturando foi a fusão das pastas do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Minas e Energia, que resultou na criação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), em 2019. A iniciativa foi criticada por ambientalistas, que viam o enfraquecimento da atenção dada ao meio ambiente. Na prática, a política do atual governo parece estar com um “olho no gato e outro no peixe”.
“Quando nós vemos janelas [de oportunidade], como as energias eólica e a solar, entendemos que é papel do Estado impulsionar essa transição energética. Por isso procuramos esses novos caminhos, mas não esquecendo que o carvão é gaúcho, tem valor agregado e uma importância na geração de energia firme. Então é muito sutil e equilibrado o nosso posicionamento, mas é o que dá a melhor resposta para a sociedade do Rio Grande do Sul”, diz a secretária de Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann.
“Transição não é abrir uma porta e agora não vamos mais usar carvão, é um processo”, diz, repetindo uma expressão já usada por Leite. O governador, no entanto, tem sido ambíguo. Quando tentou lançar sua candidatura para as últimas eleições presidenciais, ele declarou em entrevista ao Flow Podcast que o Rio Grande do Sul iria trabalhar na descarbonização e que deveria avançar no sentido de acabar com a geração de energia por meio da queima desse combustível.
O governo gaúcho ainda não possui um plano formal de transição energética, mas, conforme Kauffmann, está elaborando um termo de referência para a contratação de uma consultoria que vai avaliar o assunto, com um cuidado especial para a região carbonífera. “É um dos nossos calcanhares de Aquiles”, disse. O estudo deverá ser apresentado até o final do atual governo e indicar uma sugestão de como a transição pode ser feita de uma forma menos traumática e gradual.
Outras atividades podem absorver mão de obra candiotense, mas não toda ainda
Enquanto a prefeitura municipal continua apostando na criação de uma lei que dará uma sobrevida ao carvão pelas próximas décadas como a saída para os problemas da cidade, diferentes iniciativas vêm sendo desenvolvidas na região de maneira pontual, como a produção de azeite, vinhos e de sementes ecológicas e o enoturismo. Apesar de diversificar a economia local, essas funções não têm escala atualmente para absorver toda a mão de obra que atua direta e indiretamente na indústria carbonífera.
Dorlei Saraiva Soares, que já atuou como soldador e trabalhou na montagem das usinas Candiota 3 e Pampa Sul, hoje cultiva quatro variedades de azeitonas em uma propriedade de 1,8 hectare no interior candiotense. Com cerca de 500 oliveiras, Soares produziu neste ano pouco mais de 4 toneladas da fruta e cerca de 480 litros de azeite, que é comercializado sob a marca Enigma e vendido em Candiota e no entorno.
Ele conta que foi influenciado pelo projeto Olivais do Pampa, uma parceria entre Brasil e Itália, que identificou o potencial da cultura do azeite na área. Os primeiros pomares foram semeados em 2014, e a produção inicial de azeite ocorreu em 2019.
Sobre o uso do carvão, Soares opina que a usina Candiota 3 tem que continuar operando. “Pode poluir um pouquinho? Pode. Mas, os carros poluem também e cada dia tem mais automóveis. E a pior poluição para mim é a fome”, compara.
As sementes orgânicas são outra possibilidade para o município. A BioNatur, cooperativa formada por agricultores e agricultoras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cultiva anualmente em torno de cinco toneladas desse produto. Pioneira no Brasil e na América Latina na adoção da agroecologia, a rede com sede em Candiota conta, desde 2022, com cerca de 35 famílias plantando sementes no Rio Grande do Sul, aproximadamente 40 famílias em Minas Gerais e outras iniciando o processo no Rio Grande do Norte e Santa Catarina.
“A ideia é dobrar o volume da produção em um ano”, diz o coordenador geral da BioNatur, Alcemar Adílio Inhaia. São mais de 40 variedades de hortaliças cultivadas. A meta da BioNatur (fundada em 1997) é chegar a pelo menos 60 tipos de sementes a partir de 2024.
Ele defende uma mudança da matriz energética e não seguir apostando no carvão. “Para nós, o comércio, a agricultura, os serviços, turismo e outras atividades podem impulsionar o desenvolvimento. Não é fechar as térmicas, colocar um cadeado na porta, mas começar a falar em transição e incentivar outras economias”, sintetiza.
A vitivinicultura e o enoturismo são outras fontes de renda com potencial para serem fomentadas na região. Uma prova disso é a Batalha, Vinhas e Vinhos, aberta em 2010 e que produz cerca de 40 mil quilos de uvas e 30 mil litros de vinho ao ano. Instalada em um terreno de 6,5 hectares, o carro-chefe da vinícola é a variedade tannat. A Campanha gaúcha, que fica no paralelo 31º, onde está Candiota, tem o clima ideal para o plantio de uvas finas, explica o engenheiro agrônomo e um dos sócios da empresa, Giovâni Silveira Peres.
Com cerca de 2 mil visitantes anualmente, como acrescenta Patricia Kaufmann, gerente da propriedade há 10 anos, a Batalha vem investindo também no enoturismo. Ainda um embrião na área, esse segmento tem muito a evoluir, na opinião de Peres, por se tratar de um ponto do Rio Grande do Sul que tem uma riqueza histórica, a cultura do gaúcho e o cultivo das oliveiras e parreiras como atrativos. Mesmo assim, ele defende a manutenção das térmicas, por acreditar que o fechamento pode afetar os negócios da região devido à queda na receita do município e no salário dos funcionários.