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Da Argentina ao Paraguai, Brasil exporta marqueteiros da desinformação

Influência em fake news na América Latina também vem de países como EUA, Rússia e Espanha

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20 de agosto de 2023
06:00
Este artigo tem mais de 1 ano

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Mercenários Digitais” é o nome escolhido por 22 redações da América Latina para uma nova profissão nascida na era da política digital e da internet plataformizada. Por mais de seis meses, dezenas de jornalistas da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Bolívia Venezuela, Peru, Honduras e Nicarágua deixaram de lado a checagem das mentiras usadas para manipular a opinião pública para desvendar quem são os marqueteiros e as empresas lucram com a desinformação. A série de reportagens acabou de ser publicada no Brasil pela Agência Pública e pelo UOL na semana passada.

As descobertas são fascinantes e tremendamente atuais, como comprovam as primárias na Argentina, que levaram ao primeiro lugar o direitista Javier Milei, grande aliado de Eduardo Bolsonaro, com 30% dos votos.   

Os tais “mercenários digitais” vendem, sem o menor pudor, seus serviços para candidatos de direita ou de esquerda; Bolsonaro e Donald Trump são, sem dúvida, grandes inspirações. 

Onde há uma oportunidade, há oportunistas que vão atrás dela para ganhar algum dinheiro. 

Foi assim que o marqueteiro argentino Fernando Cerimedo usou o nome dos Bolsonaro para aumentar seu “perfil” entre a direita do continente e exportar sua expertise para políticos do Chile, da Argentina e de outros países, após patrocinar a viagem de Eduardo Bolsonaro a Buenos Aires em meio às eleições presidenciais do ano passado, apenas duas semanas antes de inventar uma das maiores fake news das eleições brasileiras, a live que dizia haver “alterações” nas urnas eletrônicas que “mudaram” os resultados da votação.  

O vídeo teve mais de 400 mil visualizações e foi tirado do ar pelo TSE. Mas a mentira não foi inconsequente: foi replicada por deputados bolsonaristas e usada como base da reclamação legal do PL que pedia a anulação da votação do segundo turno, que o TSE julgou ser “litigância de má-fé”. E ainda ajudou Fernando a abocanhar contrato com o candidato direitista Javier Milei, para quem já está prestando o “serviço” de questionar as urnas argentinas.   

 “Apropriei-me desse papel de consultor da direita latino-americana porque todo mundo tem medo de vestir essa roupa”, ele disse em uma entrevista para os jornalistas que participaram da investigação. 

Cerimedo foi nomeado chefe de comunicação digital da campanha do presidenciável argentino – que é apoiado por Bolsonaro e por Eduardo – e ajudou a popularizar o personagem de “leão”,  como se autointitula Milei, por causa dos cabelos despenteados. Ele chama a liderança política kirchnerista e macrista de “a casta” e se posiciona como um outsider, assim como fez Bolsonaro há quatro anos; um antissistema. Tanto que Cerimedo jura de pés juntos que trabalha de graça na campanha. 

“Javier não poderia me pagar, mesmo que eu cobrasse barato. A campanha não tem esses recursos”, diz.

Coitadinho. 

Para agradar ao novo chefe, Cerimedo já está questionando as urnas na Argentina: solicitou informações ao governo sobre o sistema eleitoral, para supostamente evitar irregularidades nas eleições.

Além do caso argentino, ficamos sabendo através da investigação que o influenciador bolsonarista Oswaldo Eustáquio não só está vivendo no Paraguai como caiu nas graças do Partido Colorado, o partido de direita que se mantém no poder desde o golpe que derrubou o esquerdista Fernando Lugo, em 2012. Ele fundou um site local chamado Diário do Poder e ajudou o candidato colorado a ganhar as eleições com uma fake news daquelas. Diziam Eustáquio e um bando de outros mercenários digitais que hackers brasileiros teriam entrado ilegalmente no país para fazer uma “fraude informática” e dar a vitória ao candidato da oposição. 

A mentira foi impulsionada por um grande conhecido do trumpismo, o americano Alex Jones, cujo site The National File também impulsionou a história.

Não bastasse propagar mentiras no país vizinho, Eustáquio, prófugo da Justiça brasileira e com mandado de prisão pendente e incluído na lista da Interpol por ter incitado um golpe de Estado aqui no Brasil, conseguiu apoio de uma deputada colorada para fazer tramitar seu pedido de refúgio no país vizinho.  

Outras empresas que trabalham para partidos de esquerda utilizam os mesmíssimos estratagemas que funcionam como a “infraestrutura” da propagação da desinformação, a saber: criação de perfis falsos que replicam conteúdo de maneira coordenada em diferentes redes sociais; registro de sites falsamente noticiosos que replicam a mesma história inverídica, cujos links são compartilhados por esses mesmos perfis falsos; compra de contas de pequenos influenciadores que já têm público cativo; impulsionamento de conteúdos distorcidos a favor de um candidato ou contra outro.  

Uma dessas empresas é a Neurona, detectada pelos jornalistas do México. Fundada pelo operador político César Hernández, ela criou e alimentou 116 sites, dos quais pelo menos 31 tinham comportamento inautêntico: eram apenas acionados em momentos relevantes, como disputas eleitorais, ou como parte de campanhas específicas de desinformação. 

A empresa de marketing diz ter trabalhado em 200 campanhas eleitorais no continente, e seu dono já trabalhou para Nicolás Maduro, da Venezuela, Rafael Correa, do Equador, e Evo Morales, da Bolívia. Nesse período, operou sites que se diziam noticiosos, mas que só serviam a fins políticos e hoje estão inativos, com nomes como “Opinión de Oruro”, “El Economista de Bolivia”, “Mirada Transparente”, “El Horizonte de Ecuador” o “Hagámoslo Viral”

Atualmente, a Neurona está apoiando Adán Augusto López, aspirante a presidente e afilhado político do presidente Antonio López Obrador.

O governo venezuelano também contratou outra empresa de manipulação digital, a Venquis, que pertence ao brasileiro André Golabek Sánchez. Usando contas falsas, a Venquis criava perfis falsos de opositores, espalhando propaganda encoberta, enquanto outras contas falsas geravam conteúdos favoráveis aos governistas. Outras 357 contas falsas operavam na Venezuela, Panamá, República Dominicana e Bolívia. Muitas delas começaram então a convidar usuários a ingressar em um aplicativo, VenApp, criado pelo governo de Nicolás Maduro para, provavelmente, extrair microdados localizados dos cidadãos venezuelanos, ajudando a mobilizar esforços eleitorais. 

A investigação transnacional descobriu ainda que há operações de desinformação operadas a partir da Espanha, lideradas pelo partido de ultradireita Vox e seu “Foro de Madrid”, que espalharam fake news sobre fraudes nas urnas do Peru em aliança com Keiko Fujimori; e também da Rússia, através da empresa estatal de energia russa e dos canais Sputnik e RT, que têm ampliado sua influência na Bolívia e na Nicarágua. 

Além dos Estados Unidos, claro, onde o Partido Republicano virou um celeiro de propagação de fake news e ataques à democracia da ultradireita ligada a Donald Trump, como temos mostrado na Pública desde o ano passado, detalhando a rede internacional de operadores políticos que auxiliou Bolsonaro na sua tentativa de golpe de Estado – todos eles ligados a Eduardo Bolsonaro, que se tornou o grande elo da ultradireita no continente. 

Se havia alguma dúvida, essa investigação transnacional comprova que não existem mais fronteiras nacionais para os operadores de fake news – e que, com o sucesso no Brasil, criar mentiras se tornou um modelo atrativo para políticos em todo o continente, além de um excelente negócio.

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