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Indígenas alegam “caos” na educação e governo acena com Diretoria de Políticas Educacionais Indígenas em 2024; entenda

Reportagem
22 de dezembro de 2023
04:00

Lideranças da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) estiveram em Brasília na última semana para pressionar o governo Lula pela adoção de medidas que melhorem a educação nas aldeias da segunda maior terra indígena (TI) do país. “Estamos aqui porque está um caos na região”, explicou à Agência Pública o coordenador da Univaja, Bushe Matis.

As lideranças do Javari elaboraram um documento em que reivindicam intervenção estatal na educação: “falta de tudo, de materiais essenciais para os professores e o mínimo para o devido funcionamento [do sistema educacional]”, diz trecho do texto, que defende ainda a criação de programas de formação continuada para professores, a produção de materiais didáticos específicos e bilíngues e o respeito às práticas tradicionais de ensino e de aprendizagem, entre outros pontos. “Não é possível pensar numa educação diferenciada enquanto não houver as devidas modificações no arcabouço governamental”, diz o documento.

“A gente precisa procurar uma solução para que essa invisibilidade da nossa situação não continue da maneira como está, e a gente está aqui para fazer essa defesa”, disse Manoel Chorimpa, liderança da etnia Marubo e membro da Univaja. “A gente sempre vai ficar brigando, reivindicando, todo o tempo”, acrescentou Bushe Matis.

O grupo já entregou o documento ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), chefiado pela ministra Sônia Guajajara; à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), presidida por Joenia Wapichana; e ao Ministério da Educação (MEC), de Camilo Santana. 

Lideranças da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) em Brasília

Promessa para 2024 

A atuação do MEC foi uma das mais criticadas por Manoel Chorimpa. “O MEC não está presente”, disse à Pública. Ainda que suas maiores críticas sejam feitas à educação nos ensinos fundamental e médio, responsabilidade do estado do Amazonas, de Wilson Lima (União Brasil), os indígenas cobram do Executivo federal a atuação junto ao estado para mudança do cenário. “A situação é urgência. E a urgência tem que ser tratada de forma muito séria por parte das autoridades, de alguém ir lá verificar a situação”, diz. 

Em 15 de dezembro, a Univaja se reuniu com representantes do MEC, segundo eles, depois de terem tentado, sem sucesso, uma agenda com o ministro Camilo Santana. 

De acordo com o presidente da Univaja, a reunião “sinaliza por caminhos de melhoria para a educação” na terra indígena do Vale do Javari. Entre os compromissos que teriam sido feitos pelo ministério, estaria a viabilização de “um plano de atuação integrado com o Governo da Amazônia para busca [sic] soluções apontadas no documento”.

“O mesmo problema que nós estamos sofrendo lá, outras etnias, outros cantos e outros estados enfrentam”, afirmou Bushe Matis. De fato, o movimento indígena nacional representado no 7º Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI), que correu no início de dezembro em Brasília, também se reuniu com autoridades, como Guajajara e Santana, para entregar suas reivindicações para a educação indígena. 

De acordo com o MEC, a reunião com o FNEEI teve como objetivo “discutir a criação de uma Diretoria de Políticas Educacionais Indígenas e a criação da Universidade Indígena”. A assessoria do ministério informou ainda que, após o evento, o ministro determinou a criação da diretoria, que terá como funções “coordenar nacionalmente as políticas de EEI [educação escolar indígena], em todos os níveis e modalidades de ensino” e articular “com os sistemas de ensino e com a Funai”. O ministério não respondeu sobre o que foi abordado especificamente na reunião com a Univaja. 

Atualmente, são seis povos espalhados em 65 comunidades no Vale do Javari, o segundo maior território indígena do Brasil. Em todo o território existem 28 salas anexas localizadas em diversas aldeias. Essas salas anexas fazem parte da Escola Estadual Pio Veiga, sediada na cidade amazonense de Atalaia do Norte, que atende os alunos do 6º ao 9º ano. Uma das defesas da Univaja é que as salas deixem de ser anexas à escola estadual e que sejam implementados “Polos de Educação [sic] nas aldeias para a oferta do Ensino Médio e a expansão da oferta do Ensino Fundamental II”.

Migração dos jovens 

De acordo com Manoel Chorimpa, a baixa qualidade da educação oferecida nas aldeias no Vale do Javari estaria provocando uma migração dos jovens “de forma jamais vista durante toda a nossa história”. “Você vê praticamente 3.000 índios que buscam um ensino na cidade, já que não foi feito um ensino adequado dentro da aldeia”, concordou Yura Marubo, apoiador da Univaja e conselheiro estadual de educação escolar indígena no estado do Amazonas.

Chorimpa considera preocupante “o esvaziamento do território”, pois ele estaria colocando em risco a “manutenção e a⁹ continuidade de sobrevivência” dos povos. “A terra indígena do vale do javari [sic] vem padecendo com o avanço da imigração de seus jovens para os grandes centros urbanos, acarretando na mudança estrutural, organizacional e o esvaziamento das comunidades”, diz o documento da Univaja. Como resultado, surgem “problemas sociais”, como o “avanço no consumo de bebidas alcoólicas, uso desenfreado de drogas, contaminação com doenças sexualmente transmissíveis e as violências físicas sofridas pela condição de ser indígena, o que reflete integralmente dentro das comunidades”, acrescenta o texto.

Também falta apoio das autoridades públicas para a distribuição de merenda e transporte dos professores entre a cidade e a TI, acrescentou Gilson Mayoruna, membro da Univaja e conselheiro estadual de educação escolar indígena no estado do Amazonas. De acordo com ele, “a merenda escolar vai uma vez por ano”. “Acaba que essas crianças, esses estudantes, são negados dos seus próprios direitos, e isso dói na alma da gente”, avaliou Chorimpa. 

Da esquerda para a direita: Yura Marubo, Manoel Chorimpa, Bushe Matis e Gilson Mayoruna. Lideranças cobram adoção de medidas que melhorem a educação nas aldeias

Educação escolar diferenciada

Além disso, as lideranças denunciam que não tem sido feita a educação diferenciada, que deve contemplar os valores culturais dos povos e ensinar aos jovens os costumes tradicionais. De acordo com eles, não há incentivo para que os professores, muitas vezes sobrecarregados e não capacitados, incluam o ensino cultural em suas aulas. A educação diferenciada é garantida no artigo 79 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996.

“A gente tem garantia de educação escolar diferenciada, a gente tem uma política de interculturalidade, mas, na prática, isso não está acontecendo nas nossas aldeias.”, disse Chorimpa. “Sai governo, entra governo, não muda nada”, acrescentou.  

De acordo com Yura Marubo, “o currículo pedagógico nacional está sobrepondo o currículo pedagógico cultural das comunidades”, o que afeta a forma como os jovens se relacionam com seus territórios: “Você acaba criando sujeitos que não vão ter empatia nenhuma com o seu território”.

Procurado pela reportagem, o MEC afirmou que acompanha as políticas educacionais indígenas “por meio da indução e fomento de programas e ações que são executadas pelos entes federados (Secretarias Municipais e Estaduais) e pelas Instituições de Ensino Superior”. “Em 2023, a Secadi [Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão], através da Coordenação Geral de Políticas Educacionais Indígenas, retomou algumas políticas”, como a chamada Ação Saberes Indígenas na Escola (ASIE), “que tem foco no letramento, numeramento e na produção de material didático e literário”. 

De acordo com o ministério, a Política Nacional dos Territórios Etnoeducacionais também foi retomada: “com ela, a contratação de 16 consultores que irão a campo em 2024 para pactuação dos ente federados, atualização dos diagnósticos da EEI e implementação das políticas de atendimento à EEI”. Confira na íntegra o que diz o ministério.

Já o MPI disse que recebeu o documento com demandas da Univaja e o encaminhará para a “Comissão Permanente de Educação Escolar Indígena, que reúne MEC, Funai e MPI, onde são analisadas as demandas e que possuem direta ou indiretamente projetos e políticas que envolvem a educação escolar indígena”. O ministério afirmou que seu papel é de “articulação e monitoramento” e defendeu “a criação da diretoria especial de educação escolar indígena, para centralizar e dar celeridade às providências para as questões educacionais indígenas”. De acordo com o MPI, a diretoria deve ser criada, no âmbito do MEC, no início de 2024. Confira o retorno na íntegra.

A Funai não respondeu até a publicação.

Edição:
Arquivo pessoal/Bushe Matis
Laura Scofield/Agência Pública

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