DUBAI – O resultado da 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP28, que chegou ao fim na última quarta-feira (13), lança as bases para que a edição de Belém, daqui a dois anos, tenha a possibilidade de cumprir um marco fundamental do Acordo de Paris: a apresentação de metas mais ousadas de redução de emissões de gases de efeito estufa por todos os países.
Mas, antes, as nações desenvolvidas precisam colocar o dinheiro sobre a mesa para ajudar as em desenvolvimento a cumprir com seus compromissos, um princípio basilar dos tratados climáticos internacionais, avaliam especialistas e integrantes do governo brasileiro ouvidos pela Agência Pública.
A nova rodada de contribuições voluntárias de redução de emissões – as NDCs, na sigla em inglês – a ser proposta pelos países na COP do Brasil, em 2025, precisa ser mais ambiciosa. As vigentes, se cumpridas, colocam o mundo na trajetória de aquecer entre 2,5 ºC e 2,9 ºC, patamar que pode implicar em consequências desastrosas para a saúde humana, os meios de vida e os ecossistemas.
Para isso, no entanto, um outro passo fundamental tem que ser dado entre Dubai – onde a COP28 ocorreu nas últimas semanas – e Belém, um biênio encarado como decisivo para o combate à crise do clima. Em 2024, na COP29, que acontecerá no Azerbaijão, os países precisam chegar a um acordo sobre os novos parâmetros para que os ricos auxiliem os pobres a enfrentarem o aquecimento global. A rodada de negociações climáticas do ano que vem já está sendo chamada de “COP do financiamento”.
A tarefa principal da COP28 era concluir o balanço global das medidas que o mundo implementou desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, para enfrentar a emergência climática – chamado em inglês de Global Stocktake, ou apenas GST –, e apontar caminhos para que tenhamos a chance de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
O cesto de propostas inclui a inédita decisão de se fazer a transição energética do planeta para fora dos combustíveis fósseis – o início do fim de sua era, como descreveu o secretário-executivo da Convenção-Quadro do Clima da ONU, Simon Stiell.
O resultado ficou aquém do que demandavam os países mais vulneráveis à crise climática e a sociedade civil, que pressionavam para que o texto trouxesse um compromisso mais explícito de eliminação do uso de carvão, petróleo e gás – o termo defendido era phase out, em inglês – e determinasse que as nações desenvolvidas tomassem a dianteira dessa transição.
Ainda assim, o governo brasileiro e observadores do processo analisam o acordo de Dubai como positivo por ter finalmente apontado para o “bode na sala”: a queima de combustíveis fósseis, os grandes responsáveis pelo aquecimento global que fez de 2023 o ano mais quente da história.
Por incrível que pareça, em 31 anos, desde que a Convenção-Quadro do Clima da ONU foi criada no Rio de Janeiro, na Rio-92, nunca os países haviam discutido o tema de maneira tão direta, muito menos chegado a um acordo sobre ele. É o ponto mais nevrálgico e sensível em um mundo de economia baseada na geração de lucro a partir de fontes fósseis.
Tomada a decisão de se afastar desse cenário – mesmo que não haja a clareza de como se dará essa transição –, vem a tarefa de desatar outro nó. No ano que vem, na COP29, deverá ser definida a “nova meta coletiva e quantificada de financiamento climático”. A ideia é que ela atualize e melhore um compromisso que os países desenvolvidos assumiram ainda em 2009, na COP15, em Copenhague, de pagar anualmente US$ 100 bilhões, entre 2020 e 2025, para as nações em desenvolvimento poderem lidar com a crise climática.
Nos dois primeiros anos desse período o repasse não atingiu a meta. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), “é provável” que o valor tenha sido alcançado em 2022, confirmação que deve vir apenas no ano que vem. O problema é que os custos já estão muito acima disso.
A decisão sobre o balanço global adotada na quarta-feira (13) em Dubai bate nessa tecla. O texto exorta os países desenvolvidos a cumprirem o objetivo, “nota com profundo pesar” o fato dele não ter sido atendido em 2021 e destaca a lacuna entre as necessidades das nações em desenvolvimento em termos de recursos para resposta à crise do clima – a estimativa é de que esteja na casa dos US$ 5,8 a 5,9 trilhões para o período pré-2030 – e o que é efetivamente disponibilizado a elas.
A demora na efetivação do pagamento anual dos US$ 100 bilhões – frequentemente lembrada pelos países pobres em suas manifestações públicas durante a COP28 – também gera uma crise de confiança entre os blocos de países, o que acaba sendo um ponto nevrálgico que constantemente impede o avanço das negociações. Os países em desenvolvimento tendem a se recusar a ter metas mais ambiciosas de redução de emissões sem dinheiro na mesa. O estabelecimento de um compromisso à altura das necessidades do mundo em desenvolvimento é visto como fundamental para destravar esse impasse.
O financiamento é considerado ponto chave para que o mundo em desenvolvimento implemente suas NDCs e elimine a dependência de suas economias em relação aos combustíveis fósseis. A delegação brasileira aposta que uma sinalização séria de que o dinheiro chegará é o incentivo para que esses países se sintam encorajados a apresentar metas mais ousadas até a COP de Belém.
Esse é o centro da “missão 1,5°C”, proposta defendida pelo Brasil na COP28 para que os países se unam numa escala sem precedentes para alcançar a meta do Acordo de Paris. O chamado brasileiro acabou refletido no texto do balanço global, uma espécie de documento final da conferência deste ano.
“Os países em desenvolvimento vão colocar muito fortemente a necessidade de ter os necessários meios para podermos cumprir – e quando digo cumprir, são todos os países – os objetivos que colocamos aqui, da missão 1,5°C”, afirmou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, a jornalistas durante o encerramento da COP28.
“O nosso desafio em Belém será pegar as NDCs, o resultado de financiamento, e ver se essa arquitetura fica em pé, se está alinhada com aquilo que o IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] indica como caminho para o 1,5°C”, explica Bruno Toledo Hisamoto, doutor em Relações Internacionais e pesquisador do Climainfo. “Esse é o ponto em que o Brasil pode se colocar e tentar angariar liderança no processo.”
Além da discussão específica sobre a nova meta, o Brasil emplacou, no acordo de Dubai, mais um espaço onde esse debate pode ser realizado. A decisão cria um pacote de ações, liderado pelas presidências das COPs 28, 29 e 30 “para estimular a ambição” na próxima rodada de NDCs e “manter a meta de 1,5 °C ao alcance”. Marina Silva e negociadores batizaram o grupo, formado por Emirados Árabes Unidos, Azerbaijão e Brasil, de “tróica” (expressão que remete às carruagens de três cavalos, mas que serve também para definir trios em busca de alguma solução).
De acordo com a ministra, o pacote incluirá o lançamento de grupos de trabalho para se criar um “mapa do caminho” sobre temas que funcionam como “pilastras para alcançarmos o objetivo de 1,5 °C”, entre eles, o financiamento. Não está claro como esse encaminhamento se dará exatamente. Marina diz que isso precisará ser negociado pelos países, e as conversas já estão acontecendo, segundo apurou a Pública.
A questão pode ainda ser abordada pelo Brasil também no G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, que o país presidirá por um ano, até dezembro de 2024. “Este processo [das COPs] não pode resolver todos os problemas de financiamento. Nele, não temos acesso direto à composição institucional do sistema financeiro mundial”, pontua Alex Scott, líder do programa de Diplomacia Climática e Geopolítica da consultoria E3G.
Para ela, o G20 pode ser um espaço importante para que o Brasil discuta, por exemplo, o papel dos bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. “Houve um sinal claro, nesta COP, de que precisamos apoiar a evolução dos bancos multilaterais de desenvolvimento”, destaca. “É necessário garantir que tenham mais recursos, [é preciso] colocar mais financiamento nesses bancos para que possam, por sua vez, mobilizar investimentos para os planos climáticos dos países.
Questões internas também precisam ser resolvidas
O papel brasileiro de Dubai a Belém, no entanto, vai além da atuação internacional. O país precisa resolver questões internas, como a apresentação da sua própria NDC, que segundo especialistas entrevistados pela reportagem, deve estabelecer um padrão de ambição a ser seguido pelos outros países. A ideia do governo é que a nova meta sob o Acordo de Paris seja lançada ainda em 2024 para que o Brasil possa “liderar pelo exemplo”.
“O governo tem o Plano Clima, vários planos setoriais, o plano de transformação ecológica. Nada disso é NDC ou estratégia de longo prazo [para o desenvolvimento de uma economia com baixas emissões de gases com efeito de estufa, também apresentada pelos países sob o Acordo de Paris]”, afirma Natalie Unterstell, presidente do Talanoa, instituto de política climática.
“Esses planos todos podem ser insumos, mas [até Belém], o Brasil precisará ter esses instrumentos bastante transformadores e estratégicos: uma NDC ambiciosa, participativa e transparente, que sirva de modelo para o mundo, e entregar uma estratégia de longo prazo. “Ficam essas duas grandes tarefas”, complementa.