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Pouco antes do primeiro turno das eleições, um estudo acadêmico mobilizou as redes sociais: nele, pesquisadores do NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), demonstravam que o algoritmo do YouTube privilegiava a Jovem Pan, incluindo conteúdos de desinformação, na sua aba de “vídeos recomendados”. Os dados preliminares foram publicados pela jornalista Patrícia Campos Mello na Folha de S.Paulo, o que gerou mobilização nas redes e uma campanha contra a Jovem Pan, que de fato levou a intervenções no sistema de recomendação das plataformas. Nos dias seguintes, os vídeos da Jovem Pan passaram a ser menos recomendados e o YouTube começou a publicar em sua página inicial banners que levavam a conteúdos confiáveis sobre as eleições de 2022.
Entretanto, segundo o estudo completo, publicado na revista acadêmica Policy & Internet, essa mudança de recomendação durou pouco tempo e os vídeos da Jovem Pan voltaram a ser até mesmo mais recomendados do que antes.
“Com base em nossas descobertas, levantamos a questão do que motiva o viés sistemático nas recomendações do YouTube. Especulamos que existem acordos comerciais opacos e estratégias de negócios em jogo, com base na suposição de que as decisões de recomendação da plataforma têm um ‘efeito publicitário’ de patrocínio e endosso aos usuários”, escrevem os autores do estudo, os pesquisadores Rose Marie Santini, Débora Salles e Bruno Mattos.
Para a diretora do NetLab, Rose Santini, “devido ao modelo de negócios das plataformas digitais, elas acabam sendo sócias dos fabricantes de fake news, porque os ajudam a monetizar com conteúdo falso e ficam com parte dessa monetização”.
O estudo do NetLab parece ser mais um que aponta para uma realidade cada vez mais difícil de esconder: as plataformas de tecnologia lucram com a desinformação e têm pouca ou nenhuma intenção real de combater o problema.
Vamos aos números.
A equipe de pesquisadores criou 205 novos usuários brasileiros, que, sem dados históricos na plataforma, estariam buscando notícias confiáveis ao longo das eleições para se informar e decidir seu voto.
Com esses perfis “virgens”, usaram a metodologia de “amostragem sequencial”, referendada pela academia, para ver quais vídeos sobre as eleições eram os mais recomendados aos usuários.
Assim, visitaram o YouTube 205 vezes entre 23 de agosto e 1º de novembro de 2022, simulando assim 205 novos usuários.
A primeira etapa aconteceu entre 23 e 30 de agosto de 2022, com 18 visitas à página inicial do YouTube; a segunda etapa, entre 15 de setembro e 1º de novembro de 2022, dois dias após o segundo turno das eleições. Durante essa fase, foram feitas 187 visitas, resultando em um total de 205 testes.
A pesquisa descobriu que os 11 canais do grupo Jovem Pan estavam sobrerrepresentados em relação a outros canais noticiosos. Canais da Jovem Pan apareceram como as primeiras fontes de notícia em 53,2% dos testes e estiveram presentes em 180 das 205 visitas.
Nessas mesmas visitas, foram recomendados nada menos de 525 vídeos por 962 vezes.
Para comparação, canais da CNN Brasil, grupo UOL e grupo Bandeirantes foram recomendados cerca de 6% das vezes.
Os pesquisadores destacam que entre esses vídeos havia conteúdo problemático e com disseminação de desinformação, como é o caso da entrevista de Jair Bolsonaro ao programa Pânico, no qual ele levantou suspeitas sobre as urnas eletrônicas, o programa Pingos nos Is que acusava o STF de censura a mando do PT e a cobertura do relatório do PL que colocava em dúvida as urnas eletrônicas, incluindo comentaristas que diziam que as urnas “não são auditáveis”, uma fake news desmentida inúmeras vezes por jornais, agências de checagens e TSE. Outro destaque no relatório é o vídeo em que uma voz pretensamente do chefe do PCC declarava apoio à candidatura de Lula. O vídeo viralizou e só deixou de ser público depois de decisão do TSE na manhã de 2 de outubro, dia da eleição.
O maior problema, aponta o estudo, é que os vídeos recomendados, que são personalizados, “reforçam a percepção dos usuários de que tais sugestões são corretas, neutras e isentas” – o que não é o caso.
O estudo demonstra ainda como a pressão pública leva de fato a mudanças na plataforma, mostrando como existem, sim, decisões políticas que influenciam a exibição de conteúdos. Para isso, vale olhar os dados de cada fase da pesquisa em separado.
Vejam só: durante a primeira fase da pesquisa, os vídeos da Jovem Pan foram recomendados em 77,8% das visitas; foram os primeiros vídeos recomendados em 55,6% das vezes. Depois da publicação da reportagem da Folha, entre os dias 15 e 24 de setembro, os vídeos apareceram em menos visitas (55,2%) e se tornaram a primeira recomendação apenas em 35% das visitas.
Entretanto, durante o segundo turno das eleições – potencialmente empurrados pela fake news do PCC, que rendeu cliques, views e dinheiro para o Youtube –, os vídeos da Jovem Pan foram recomendados em 95,2% das visitas e os primeiros a serem recomendados em 64,8% das vezes.
A mudança é criticada pelos autores do estudo, que o chamam de brandwashing, lavagem de marca. “Nosso estudo reforça o argumento de Bossetta (2020) de que as plataformas respondem a escândalos públicos fazendo mudanças programáticas em seus serviços, bem como em suas políticas, mas sem alterações estruturais em seu modelo de negócios. Em última análise, a reação do YouTube pode ser considerada uma forma de brandwashing, já que a empresa pretende dar uma impressão de compromisso”, escrevem os autores.
Eles apontam, ainda, que a falta de regulação das plataformas levou à falta de isonomia entre os candidatos à eleição – algo obrigatório para os canais de TV, por exemplo.
Outro problema detectado é que a maioria dos vídeos problemáticos não chegou a ser deletada, mas eles foram apenas “tornados privados”.
O estudo levanta muitas questões sobre as relações estabelecidas no mundo real entre o YouTube e o Google e canais desinformativos como a Jovem Pan. Afinal, a empresa não só foi agraciada com verba do programa Google News Initiative como é uma das receptoras de verba do programa Google Destaques, que paga anualmente a jornais e sites noticiosos valores que vão de US$ 25 mil a milhões de dólares para exporem os seus conteúdos na aba de “destaques” do browser.
Como nos demais contratos firmados pelo Google com empresas de mídia, os valores pagos à Jovem Pan não são divulgados, e pior: os veículos que entram nesse acordo têm que assinar um Non-Disclosure Agreement, um acordo legal que os proíbe de falar sobre os valores e obrigações constantes no contrato.
Assim, não sabemos quanto o Google e o YouTube apoiaram a Jovem Pan antes de o canal passar a ser investigado pelo Ministério Público Federal por deliberadamente espalhar desinformação que serviu de pretexto para a tentativa de golpe de 8 de janeiro.
Mas de uma coisa podemos ter certeza: eles lucraram com isso.