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Julieta e Jullyene: duas faces da violência contra a mulher

O assassinato da artista e o silenciamento de denúncias mostram a vulnerabilidade dos direitos da mulher no país

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13 de janeiro de 2024
06:00

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Nesta sexta-feira (12), a palhaça venezuelana Julieta Hernández, brutalmente assassinada em Presidente Figueiredo (AM) na véspera do Natal, será homenageada em diversas capitais e centros urbanos do país. A morte de Miss Jujuba, artista itinerante que viajava de bicicleta desde 2015 pelo Brasil, comoveu principalmente ciclistas e mulheres que de pronto reconheceram como feminicídio o crime contra mais uma de nós que ousou exercer com plenitude seu direito humano à liberdade.

Vídeos e depoimentos sobre a artista, velada pela família e amigos na quarta-feira (10) em Manaus, antes do enterro na Venezuela, revelam uma mulher sensível, generosa, feminista, talentosa, independente. Não é à toa que, mais uma vez, o estupro antecedeu o assassinato, movido pelo ódio. Julieta não nasceu para esperar o seu Romeu; Miss Jujuba tem outro lugar no mundo. 

Lembro quando em 2018 a jornalista Andrea Dip lançou o minidoc “Sob Constante Ameaça”, seguido de um debate na Casa Pública, sobre a vulnerabilidade da mulher no exercício de seu direito à cidade. Ir e vir cotidianamente do trabalho, por exemplo, já significa ameaça para boa parte das mulheres, como mostra o doc. No mesmo ano, uma pesquisa da organização Think Olga apontava que 90% das mulheres já desistiram de usar roupas mais curtas ou decotadas para evitar assédio nas ruas. Outra pesquisa, divulgada no ano seguinte pela ONG Patrícia Galvão, sobre violência contra a mulher no transporte público revelou que 97%(!!!) das entrevistadas já haviam sofrido assédio ao utilizar esse serviço em suas cidades. 

Não achei dados mais recentes sobre a violação ao direito de ir e vir das mulheres, mas nesse contexto não é difícil imaginar o desafio que representa para o machismo estrutural a liberdade de Miss Jujuba, sua bike e sua arte, percorrendo sozinha os caminhos do país. 

Para todas nós, sua vida é um símbolo e seu assassinato tem de ser um novo marco na luta pelo direito das mulheres no Brasil. Não ficaremos em casa. Não viveremos dentro de limites preestabelecidos. Não nos negaremos a dar nossa contribuição ao mundo, como fazia a palhaça Jujuba alegrando crianças e adultos por onde passava. 

Mais um detalhe cruel: antes de morrer, Juli, como é chamada pelos amigos, havia comprado leite para os cinco filhos do casal que a matou.

Entre 2017 e 2022, segundo dados do Monitor da Violência, houve uma queda de 31% no número de homicídios no Brasil. O registro de casos de feminicídio, porém, aumentou 37% nesse mesmo período, fazendo com que o país ocupe o quinto lugar no ranking da ONU desse tipo de crime. Entre os motivos para a alta, de acordo com especialistas, está o corte de 90% dos recursos públicos para o enfrentamento da violência doméstica, causa número 1 de assassinatos e outras formas de agressão contra a mulher.

Nós, os frutos de “fraquejadas”, não contávamos com a simpatia do ex-presidente, para dizer o mínimo. 

O que nos leva a outra Ju, a brasileira Julyenne, ex-mulher do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que aproveitou o feriado de fim de ano para receber Jair Bolsonaro em sua bela casa de praia em Alagoas. No ano passado, depois de um longo trâmite de processo por violência contra o ex-marido que terminou com a absolvição dele no STF, Julyenne fez novas e graves denúncias à Agência Pública, publicadas em junho de 2023. A reportagem, como é regra no jornalismo da Pública, foi apoiada em documentos e em outros depoimentos. Dois meses depois, porém, o presidente da Câmara obteve uma decisão monocrática obrigando à retirada da reportagem do ar. 

São quatro meses de censura, agravada por nova investida da defesa do deputado nesta semana, quando a Justiça nos obrigou a tirar do ar mais dois conteúdos que repercutiam a reportagem: o episódio número 78 do podcast Pauta Pública e esta coluna, na edição publicada no dia 24 de junho de 2023.

Nós, da Pública, repudiamos essa tentativa de calar a imprensa e apagar denúncias de violência doméstica e reafirmamos os princípios do nosso jornalismo, guiado exclusivamente pelo interesse público em um país que continua a punir mulheres pelo mero exercício de seus direitos.

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