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Na véspera da manifestação de apoio a Jair Bolsonaro na avenida Paulista, enquanto o ex-presidente pedia moderação nos discursos e os organizadores avisavam o público para evitar cartazes contra Alexandre de Moraes, o filho 03, Eduardo Bolsonaro, adotava um tom oposto no maior evento conservador dos Estados Unidos, o Conservative Political Action Conference (CPAC), em Washington.
Revigorado pelo bom desempenho de Donald Trump na corrida pela nomeação republicana, o CPAC deste ano teve a presença do pré-candidato e do presidente da Argentina, Javier Milei – o encontro entre os dois foi um dos momentos importantes do evento, que serviu como “photo op”, uma oportunidade para tirarem uma foto juntos.
No enorme palco iluminado como um show de rock e cercado por imagens da bandeira americana, Eduardo discursou por apenas cinco minutos, depois de Trump e antes de Milei. Cada vez mais à vontade no papel de embaixador do bolsonarismo, Eduardo chegou ao palco acenando para Mike Lindell, empresário que recomendou a Trump decretar “lei marcial” para permanecer no poder depois da derrota eleitoral em 2020.
“Hoje vou contar a vocês como um país perde sua liberdade”, disse, afirmando em seguida que “homens e mulheres comuns são deixados em uma prisão suja como se fossem menos que animais”. Em seguida, comparou Filipe Martins, o ex-assessor internacional e olavista, a Jared Kushner, marido de Ivanka Trump, e chamou-o de “um jovem brilhante e com um futuro promissor” que estaria preso “acusado de um golpe de Estado que nunca foi tentado ou planejado”. Disse, ainda, que “devida defesa e processo justo” não existem mais no Brasil e chamou o governo Lula de “tirania”.
Segundo ele, haveria censura e uma verdadeira “caçada” aos críticos do atual governo.
“Velhos, mulheres grávidas, idosos e até crianças” foram acusados de terrorismo, disse. Segundo o deputado, o maior objetivo seria a prisão do seu pai por ser um presidente que “ousou colocar os interesses das pessoas em primeiro lugar”.
No final do discurso, ele pediu aos congressistas americanos presentes uma audiência sobre o Brasil no Congresso. “Vocês são os líderes do mundo livre, ajudem-nos a expor essa tirania.”
Como se vê, um tom bem diferente do que se viu na Paulista.
O futuro de Jair está atrelado ao futuro de Donald Trump. Este ano, o evento essencial para a reorganização da rede internacional de extrema direita populista se dará, claro, em torno das eleições presidenciais americanas, que vão retomar a campanha de desinformação sobre fraudes também nos EUA. E as duas narrativas seguem vivas e são, a esta altura, indissociáveis. Ambos os políticos dependem delas.
Donald Trump deixa cada dia mais claro que não apenas levará o seu discurso mentiroso sobre uma fraude inexistente nas eleições de 2020 como foco da campanha, mas também que, se eleito, buscará vingança. No próprio CPAC, ele afirmou que o dia 5 de novembro será “dia da libertação” para os trabalhadores americanos. “Mas para os mentirosos, trapaceiros, fraudadores, censores e impostores que tomaram conta do nosso governo será o dia do julgamento!”
“De muitas maneiras, estamos vivendo no inferno agora porque o fato é que Joe Biden é uma ameaça à democracia.”, disse ele. “Um voto para Trump é o seu bilhete de volta à liberdade”.
Mas o CPAC foi seguido de um lance ainda mais ousado, a entrevista que Eduardo deu, junto com Paulo Figueiredo, ao ex-apresentador da Fox News Tucker Carlson. Carlson, aliás, tem se tornado uma das vozes mais relevantes na articulação internacional da extrema direita. Fora da TV americana, no seu canal online, tem dado proeminência para populistas de toda parte. Em novembro de 2022, ele ajudou a espalhar mentiras sobre fraude nas eleições brasileiras para um público americano; ano passado, entrevistou Javier Milei durante a campanha eleitoral. E mais recentemente, entrevistou Vladimir Putin.
O fato de que o deputado federal deu sua entrevista junto a Paulo Figueiredo, que foi um dos alvos da Operação Tempus Veritatis, embora more no EUA, demonstra que, internacionalmente, o clã Bolsonaro pretende fortalecer a mesma visão sobre o Brasil, que Trump tenta emplacar nos EUA: de que são perseguidos por um governo “tirânico”.
Eduardo disse que o Brasil não é um país livre, pois “pessoas e jornalistas” estariam sendo censurados. “Tem pessoas exiladas vivendo aqui nos Estados Unidos”, afirmou.
Diferentemente de Jair na Paulista, Eduardo criticou Moraes. “Você sempre corre o risco de ser preso pelo Supremo Tribunal Federal. Para ser honesto, não todo o Supremo, mas um juiz chamado Alexandre de Moraes. Ele abriu uma investigação, que dura mais de cinco anos, perseguindo, geralmente, conservadores.”
Tucker Carlson, então, afirmou que a eleição de Lula “foi, obviamente, manipulada”. Ao que Eduardo respondeu:“O fato é que há tanto poder para evitar as emendas de voto impresso… Por que alguém trabalha para não ter mais transparência na eleição? É estranho”.
“Não posso acusar que as eleições foram fraudadas, mas de fato eles não podem provar que não foram.”
Há dois aspectos que chamam atenção na entrevista com Tucker Carlson. Primeiro, o fato de Carlson falar abertamente sobre fraudes nas eleições brasileiras viola as próprias regras do YouTube. No entanto, o vídeo continua no ar, com mais de 273 mil visualizações – o fato de o canal ser americano pode ser uma brecha na implementação das próprias políticas pela plataforma.
Por outro lado, a equipe de Eduardo Bolsonaro lançou mão, pela primeira vez, de dublagem feita por inteligência artificial (IA), um serviço que tem sido oferecido pela empresa ElevenLabs. E o resultado é estarrecedor. Embora a entrevista tenha sido em inglês, na versão postada pelo canal de Eduardo Bolsonaro no YouTube, ambos falam em português, com a própria voz, e com seus lábios se movimentando de acordo com a fala em português.
O vídeo tem quase 100 mil visualizações.
É uma ferramenta semelhante à que usamos aqui na Pública para permitir ao leitor ouvir nossas reportagens mais longas: uma pessoa precisa gravar apenas 5 minutos de áudio no site do ElevenLabs e, com isso, a IA recria a voz, inclusive em outras línguas.
Vale notar que o uso de IA pelo canal não descumpre as regras estabelecidas na semana passada pelo TSE: afinal, conforme sinalizado pelo tribunal, o conteúdo está claramente marcado como produzido por IA. Entretanto, a mesma resolução do TSE vedou a utilização “de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral”.
De qualquer forma, essa adoção do IA, em especial por Eduardo, que aqui na Pública já demonstramos diversas vezes ser o principal elo entre figuras-chave das narrativas golpistas dos EUA e do Brasil, significa um divisor de águas na estratégia do bolsonarismo digital. A partir de agora, será muito mais fácil unir as narrativas em inglês e em português e, portanto, reutilizar entrevistas, comentários, lives, feitas nos EUA para um público brasileiro, e vice-versa.
Em um momento em que a campanha de Trump terá o trabalho de elaborar uma infinidade de conteúdos radicalizantes para manter coeso seu eleitorado, devemos ver muito mais deles por aqui.
Ou seja: ainda mais que em 2020, as eleições americanas e a narrativa de fraude nos EUA serão um espetáculo fundamental para mobilizar os bolsonaristas por aqui. E a evolução da tecnologia só vai ajudar.