O clã Bolsonaro sairá vitorioso de um jeito ou de outro das eleições municipais em Lucas do Rio Verde, polo do agronegócio a 330 km da capital Cuiabá. Entre os dias 25 e 27 de setembro, o ex-presidente e seus dois filhos com mandato no Congresso Nacional dividiram seu apoio entre os dois únicos candidatos à prefeitura.
Enquanto o senador Flávio Bolsonaro (PL) pediu votos para a reeleição do prefeito Miguel Vaz (Republicanos), um dos candidatos mais ricos do país, com R$ 219 milhões declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Jair demonstrou seu apoio e enviou seu filho 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), ao “Nortão” de Mato Grosso para pedir votos a Cristiano Ossuchi (PL), um “cristão, líder coach” e fazendeiro sem bens declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A Agência Pública acompanhou a barulhenta, mas esvaziada, carreata de Eduardo Bolsonaro em Lucas do Rio Verde na tarde da última sexta (27). Contando políticos, seguranças e assessores de campanha, havia menos de 100 pessoas assistindo ao discurso do filho 03 do ex-presidente à beira da BR-163.
No trajeto, a reportagem observou poucas pessoas interagindo com a comitiva, além de bolsonaristas provocando apoiadores da esquerda que faziam a letra L com as mãos, em referência ao presidente Lula (PT).
Estiveram presentes candidatos a vereador na cidade, como Hélio José Kaminski (PL), empresário na mira da Polícia Federal (PF) por sua relação com atos golpistas de 2022; o deputado federal José Medeiros (PL), dos mais ferrenhos bolsonaristas no Congresso; e o deputado estadual Gilberto Cattani (PL), irmão da vice na chapa de Ossuchi, Marli Cattani. Gilberto se tornou um guia político do clã Bolsonaro na região graças à sua proximidade tanto com a elite quanto com o “baixo clero” do agronegócio local.
Por que isso importa?
- A Agência Pública está percorrendo a BR-163, entre os estados de Mato Grosso e Pará, e o município de Lucas do Rio Verde é um dos locais dessa rota onde nossa equipe investiga como o tema das mudanças climáticas e meio ambiente vem sendo discutido nas eleições municipais. A região é extremamente marcada por fogo, conflitos e desmatamento, com cidades que registram grande adesão ao bolsonarismo.
“Lucas do Rio Verde começou como um assentamento da ‘verdadeira’ reforma agrária, a que os militares fizeram lá na década de 1970. Essa cidade é o resultado do que eu sempre falo para você, Eduardo, quando tu me pergunta qual o modelo de reforma agrária que devemos seguir”, disse Gilberto Cattani no comício.
Sabe-se hoje que o projeto dos militares citado por Cattani mirava a destruição do Cerrado nativo, com a expulsão de indígenas e comunidades tradicionais deste ponto de Mato Grosso, para dar imensas porções de terras para empresas colonizadoras do Sul do país desenvolverem atividades agrícolas em larga escala – criando as bases para a concentração de terras em curso na região.
Como revelado pelo jornalista Rubens Valente, em 2020 Gilberto Cattani defendeu junto ao Incra do governo Bolsonaro latifundiários acusados de grilagem no projeto de reforma agrária Tapurah/Itanhangá, a menos de 100 km de Lucas do Rio Verde – alvo de operações da Polícia Federal (PF) há anos e de uma turbulenta reintegração de posse atualmente, já reportada pela Pública.
Como esperado de uma fala sua, o filho 03 de Jair Bolsonaro enalteceu a “ampliação do acesso às armas de fogo” pelo governo de seu pai, defendeu a anistia para golpistas que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, muitos deles vindos de todo o “Nortão” – “me desculpem, mas são uns coitados” –, e reforçou o projeto de poder de sua família. “Acredito que, somando forças, dá para a gente colocar um pouquinho de Bolsonaro na política de cada cantinho desse país”, afirmou.
Nenhum dos políticos que discursou no evento mencionou as queimadas que assolam Mato Grosso em 2024, líder em focos de incêndios no país neste ano, nem temas ambientais, rejeitados tanto pela direita quanto pela extrema direita na região.
PL aposta em dupla ligada à crise golpista de 2022
Dois candidatos a vereador presentes na carreata bolsonarista se destacam entre os postulantes a uma vaga na Câmara Municipal de Lucas do Rio Verde: Jadiel Carvalho e Hélio Kaminski, o “Hélio da Boys Express”, ambos do PL.
O partido comandado por Valdemar da Costa Neto aposta pesado em ambos: Carvalho já recebeu R$ 95 mil do PL para fazer sua campanha, enquanto Kaminski recebeu outros R$ 35 mil. Em cidades do mesmo porte, a maior parte dos candidatos a vereador não recebe nem R$ 5 mil de seus partidos para fazer campanha.
Kaminski está na mira da PF por seu papel na crise golpista de 2022: a polícia investiga sua relação com a tentativa de destruição de uma ponte na divisa entre Lucas do Rio Verde e Sorriso (MT). Segundo a mídia mato-grossense, o candidato chegou a alertar seus seguidores de que poderia ser preso à época da Operação Ignem Pontis, da PF.
Segundo a PF, a “queima da ponte [na BR-163] acarretou na queda do fornecimento de internet em mais de 50 cidades, pois o cabeamento que passava por baixo da ponte foi atingido pelas chamas, causando graves prejuízos para esse serviço essencial” em todo o norte mato-grossense.
Kaminski acampou por mais de um mês em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília (DF) no fim de 2022, produzindo conteúdos contra o resultado das urnas. Dono da transportadora Boys Express, ele defende típicas pautas bolsonaristas, como a “liberdade de expressão” – para espalhar fake news sobre o sistema eleitoral, por vezes repercutidas em perfis sem donos conhecidos, como Lucas Ordinário, no Facebook, e atacar o Judiciário como um todo. O candidato também se opõe a quaisquer causas identitárias e progressistas na cidade.
Já a outra aposta do PL para vereador, Jadiel Carvalho, integra o Movimento Conservador de Lucas do Rio Verde, responsável por pressionar a prefeitura pela mudança do nome da Escola Municipal Paulo Freire apenas por motivos ideológicos e por atacar a diretoria de outro colégio municipal simplesmente por ter pintado um gradeado da escola com as cores do arco-íris.
Muito ativo nas redes sociais, Carvalho investe contra a causa LGBT e defende pautas conservadoras na educação. Ele produziu conteúdos em suas redes à época da crise golpista, em mobilizações antidemocráticas em frente a quartéis militares em Mato Grosso. Além disso, compartilha materiais pejorativos contra o atual governo e diz ter “articulação política” no Congresso Nacional.
Intimidações de longa data
A virulência nos discursos contra reforma agrária, educação progressista e a causa LGBT vem de longa data em Lucas do Rio Verde. Ex-secretária de Educação e ex-vereadora por dois mandatos no município, a professora Cleusa de Marco é uma testemunha disso.
“Lembro que no meu tempo de vereadora tinha um candidato da direita que assumiria minha vaga, caso eu renunciasse ou acontecesse algo comigo. Por anos eu tive de ouvir comentários absurdos, do tipo ‘se ela morrer, ele assume’. Aí morreu outra pessoa chamada Cleusa na cidade e o comentário nos corredores da Câmara era ‘ô, fulano, encomendaram a morte da Cleusa errada’”, contou De Marco.
Militante de esquerda há décadas, a ex-secretária municipal relata uma melhora no clima político da cidade após a posse de Lula em 2023 – “na época dos bloqueios na BR-163, a gente tinha de ficar quietinho em casa, por segurança”, disse.
“Hoje podemos fazer ações de campanha sem tanto medo das intimidações nas ruas, mas o retrocesso em temas fundamentais persiste. Veja o caso da educação: temos colégios bem estruturados, modernos até, mas o ensino é apostilado, padronizado, e o professor vive tenso, receoso de passar conteúdos diferentes pela pressão conservadora”, afirmou.
Para De Marco, o conservadorismo na cidade se aproveita do poder do agronegócio para “fazer barulho e intimidar”, mas há uma parcela relevante da população luverdense interessada em pautas progressistas como a defesa do meio ambiente.
“As eleições de 2022 mostraram que há muitos cidadãos que acreditam em outro projeto de sociedade por aqui, especialmente nos bairros populares, mas esse público guarda sua posição política para si, com medo de retaliações no ambiente de trabalho ou no dia a dia da cidade”, disse.