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Como a geopolítica impactou o péssimo resultado da COP29

A pressão por fechar um acordo, mesmo que ruim, considerou que nada indica que as condições vão melhorar no ano que vem

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29 de novembro de 2024
06:00

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Durante a cobertura da 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29), que foi realizada em Baku, no Azerbaijão, um colega da sociedade civil compartilhou em um grupo de jornalistas que cobriam a cúpula uma brincadeira: o bingo da COP do clima. A ideia era conferir quantas daquelas frases já tínhamos ouvido dos líderes mundiais até aquele momento. 

Eram mensagens como: “A janela está se fechando”; “1,5 °C ainda está dentro do alcance, mas…”, “O mundo está nos assistindo”; “Esta pode ser nossa última chance”; “Precisamos mudar urgentemente para a implementação”; “Vamos resolver isso”; “Não há planeta B”.

Dei uma sonora gargalhada quando vi a mensagem. Todas aquelas frases estavam sendo ditas naqueles dias. Bingo. E é assim ano após ano, COP após COP.

Uma coisa que causa incômodo nessas cúpulas é essa disparidade entre discursos efusivos, no tom da urgência que a mudança do clima pede, versus resultados muito aquém do necessário. São poucos os momentos de grandes avanços. Na maior parte dos anos, eles são apenas incrementais, às vezes no ritmo de dois passos para a frente, um para trás. 

É natural, considerando que acordos só são fechados na base do consenso. E estamos falando dos interesses de quase 200 países nas mais diversas condições socioeconômicas e de vulnerabilidade à crise climática. Desde aqueles cujas economias são ancoradas no petróleo àqueles que podem sucumbir ao aumento do nível do mar. Dos que historicamente causaram o problema aos menos desenvolvidos, que emitiram quase nada de gases de efeito estufa.

Em Baku, porém – no ano que deve se encerrar como o mais quente do registro histórico, quebrando o recorde que era de 2023, e eventos extremos se espalharam pelo planeta –, quem falou mais alto foi a geopolítica e não o clima. Esta cúpula já era enroscada porque tinha de definir um novo modelo de financiamento climático. 

Já de partida havia uma animosidade entre os países. Por um lado, os desenvolvidos fazendo pressão para que a conta não fosse paga somente por eles, mas dividida com nações emergentes, como China e Arábia Saudita. Por outro, as nações em desenvolvimento não apenas demandando mais de 1 trilhão de dólares como também que o recurso viesse prioritariamente de fontes públicas.

Tudo ficou mais azedo quando os Estados Unidos elegeram Donald Trump apenas alguns dias antes de começar a conferência. Já é dado como certo que ele vai novamente sair do Acordo de Paris. Ou seja, o maior emissor histórico de gases de efeito estufa e o segundo maior da atualidade não vai pagar sua parte.

Foi a chave para as ambições dos demais países ricos despencarem. Por mais que, nos discursos – eles, de novo – muitos negociadores tenham buscado dizer que o resto do mundo ia continuar a luta contra a crise climática, com ou sem os Estados Unidos, não foi bem assim. Ao final, um acordo fraco, considerado uma piada pelos países em desenvolvimento, foi fechado em Baku, diluindo as responsabilidades das nações ricas. Do 1,3 trilhão de dólares desejado, passaram apenas 300 bilhões.

“Os países em desenvolvimento são os culpados. Eles usaram o resultado das eleições americanas como desculpa para empurrar este resultado fraco”, resumiu a Rede de Ação Climática (CAN), que reúne mais de 1,3 mil organizações não governamentais ambientais do mundo inteiro, em comunicado após a conclusão da COP29.

“Estas foram as negociações climáticas mais horrendas dos últimos anos devido à má-fé dos países desenvolvidos. Esta deveria ser a COP do financiamento, mas o Norte global apareceu com um plano para trair o Sul global. No final, vimos os países em desenvolvimento não terem outra escolha senão aceitar um mau acordo”, afirmou na mesma nota a ambientalista Tasneem Essop, diretora-executiva da CAN.

Houve um apelo forte das organizações para que não se fechasse um acordo ruim. Que era melhor não ter uma conclusão se fosse para ser nesses termos. Mas ao fim prevaleceu a ideia de que empurrar essa decisão para o ano que vem poderia significar um resultado ainda pior. 

A geopolítica acabou gritando mais alto. Trump estará à frente dos Estados Unidos e certamente não vai dar um tostão para a ação climática em nenhum lugar. E, mesmo que ele anuncie a saída do Acordo de Paris já no primeiro dia de seu governo, o processo para isso se concretizar vai levar um ano. Ou seja, os EUA de Trump estarão atazanando na próxima COP, que vai ser realizada em novembro de 2025 em Belém. 

Os países europeus, por sua vez, que tradicionalmente são os que mais colocam recursos em financiamento climático, expressaram não estar dispostos a se comprometer com um volume mais vultoso com medo da repercussão dentro dos próprios países. 

Há um discurso, inflamado pela extrema direita em ascensão, em especial na França e na Alemanha, de que o dinheiro europeu não deveria ir para outros países, quando há questões internas complexas a serem resolvidas – inclusive os próprios impactos das mudanças climáticas.

A presidência da COP29, comandada por Mukhtar Babayev, ministro da Ecologia e dos Recursos Naturais do Azerbaijão, foi muito fraca e se deixou levar pelos europeus, hoje importantes compradores do gás natural extraído no Azerbaijão depois que o fluxo do gás russo foi cortado por causa da guerra contra a Ucrânia.

Não que Babayev tenha admitido isso. Nesta segunda-feira (25), um dia após o fim da cúpula, ele publicou um artigo no jornal britânico The Guardian lembrando que o valor inicial proposto pelas nações desenvolvidas era ainda menor, de 250 bilhões de dólares – cifra que só apareceu na mesa na quinta-feira (21) cedo, faltando menos de 48 horas para o que deveria ser o fim da conferência (no fim da sexta-feira). As negociações acabaram se arrastando até a madrugada de domingo, mas sobrou pouco tempo para evoluir em algo melhor.

Babayev tentou se justificar, dizendo saber que o acordo é imperfeito. E buscou se eximir da culpa, trazendo à tona a pouca habilidade diplomática que o país exibiu ao longo de toda a conferência. 

“É o negócio que quase não aconteceu”, escreveu. “Minha equipe de negociação e eu não apresentamos esta proposta de US$ 250 bilhões porque a consideramos suficiente para combater a crise climática, nem quisemos adiar o seu anúncio para os últimos dias da cúpula, deixando tão pouco tempo para alterá-la. Em vez disso, trouxemos isso para a mesa porque o norte global tinha simplesmente se mostrado irredutível aos nossos esforços para aumentar este número ou anunciá-lo mais cedo.” 

Ele revelou ainda que foi por insistência dos países ricos que a proposta não fosse apresentada até o penúltimo dia. “Para o sul global isso, com razão, fez com que tudo parecesse um fato consumado. A minha equipe de negociação defendeu veementemente que os rascunhos fossem tornados públicos muito mais cedo. Mas isso não aconteceria.”

Segundo Babayev, a China, cobrada a colaborar com a meta financeira, estava se articulando para também colocar dinheiro na mesa e fazer com o que o recurso chegasse ao menos a 500 bilhões de dólares, desde que explícito que era de modo voluntário e que os desenvolvidos fizessem mais. “Mas eles não fizeram”, disse o ministro. 

Honestidade interessante, porém pouco típica do que reza a boa diplomacia, sempre cuidadosa em apontar o dedo ou revelar detalhes das negociações. Seja como for, a verdade é que os acontecimentos em Baku abalaram o multilateralismo.

O peso de tudo isso recai agora sobre o Brasil, sede da próxima COP. Bati um papo rápido com Ana Toni, secretária de Mudança de Clima do Ministério do Meio Ambiente, que participou ativamente dos esforços para melhorar o acordo e não deixar que Baku terminasse sem uma solução. Ela lamentou que tenha sido assim.

“A COP29 foi um triste reflexo da política nacional dos principais países ocidentais. Dos principais países desenvolvidos e doadores. Eles não mais conseguem convencer seus eleitores da importância da política multilateral do clima. Se esquecem que este é um problema global, que as emissões não têm fronteiras, e que somente soluções globais, que envolvam a todos, podem combater as mudanças do clima. Isso significa que, sem ajudar os países em desenvolvimento, não haverá solução global”, afirmou.

Nas redes sociais, ela complementou. “Ao Brasil, como presidente da COP30, resta agora a tarefa de recuperar a confiança no processo multilateral, que saiu esgarçada de Baku.” A competente diplomacia brasileira vai ter de sambar. 

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