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Confusão, emoção e manobra regimental: cassação é aprovada no Conselho de Ética e deputado anuncia “greve de fome”

Entrevista
9 de abril de 2025
18:34

Sob os gritos de “vergonha” e “Glauber Fica”, a bancada do PSOL protestou durante sessão do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados que decidiu hoje por 13 votos a favor e 5 contrários, pela cassação do mandato do deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), por quebra de decoro parlamentar. O político anunciou que não vai deixar o Congresso diante da decisão e que fará “greve de fome” a partir de hoje. Glauber ainda irá recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o caso não avance até o plenário da Casa, e aposta na pressão social de seus apoiadores para não perder o cargo. 

A acusação contra Glauber Braga foi apresentada pelo Partido Novo em abril do ano passado, por agressão ao militante do Movimento Brasil Livre (MBL), Guilherme Costenaro, dentro da Câmara. Na ocasião, Costenaro insultou o parlamentar e xingou a sua mãe. “Se tratou de uma reação a um sujeito que por sete vezes foi me atacar, me provocar em espaços públicos onde eu estava fazendo alguma atividade do mandato”, defendeu Glauber Braga em entrevista à Agência Pública na véspera da votação da cassação. 

O deputado fluminense afirmou que não se arrepende do que fez “em defesa da honra de sua mãe” e que é alvo de um processo político orquestrado pelo ex-presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP/AL). “O mandato denunciou de maneira insistente o orçamento secreto”, justificou Glauber. “Foram 21 ou 22 vezes que eu subi à tribuna para falar sobre isso”. 

A sessão desta quarta-feira (9) no Conselho de Ética durou durou seis horas e meia, com plenário lotado e ar condicionado desligado. A reunião se estendeu por toda a tarde porque o presidente da Câmara, deputado federal Hugo Motta (Republicanos – PB), não iniciou a “ordem do dia” no plenário às 16hrs, como de costume. Caso a ordem do dia tivesse sido iniciada, por uma questão regimental, a reunião no conselho teria de ser suspensa. 

“Aquilo que eu vinha dizendo desde o início dessa história se confirmou no dia de hoje. Tinha um script pré-estabelecido para que a cassação se operasse. Eles estavam esperando o melhor momento para fazê-lo. E evidentemente hoje ficou mais do que explícito que a decisão de não convocar a ordem do dia por parte do presidente [Hugo Motta] o envolve também nessa articulação de cassação do mandato operada pelo ex-presidente da Câmara, Arthur Lira”, ressaltou Glauber.

Por meio de  nota, Lira  afirmou que refuta “veementemente mais essa acusação ilegítima por parte do Deputado Glauber Braga” e ressalta “que qualquer insinuação da prática de irregularidades, descasada de elemento concreto de prova que a sustente, dará ensejo à adoção das medidas judiciais cabíveis”. 

Já o relator do processo, deputado federal Paulo Magalhães (PSD/BA), chamou de “infundadas” as acusações sobre “a existência de uma armação no Conselho de Ética”, ao longo da leitura de seu relatório, na quarta-feira passada, favorável à perda de mandato do colega. Hoje Magalhães se manteve em silêncio e não respondeu aos questionamentos dos parlamentares sobre seu relatório. 

O processo contra Glauber Braga iniciou na Comissão de Ética concomitantemente às discussões envolvendo a cassação do mandato do deputado federal Chiquinho Brazão, acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. Preso, Brazão foi cassado no Conselho de Ética em agosto do ano passado, mas o caso ainda não foi levado a plenário. 

Paulo Magalhães foi o único a se abster na votação contra Brazão. A discrepância em relação ao posicionamento do parlamentar diante dos dois casos – de Chiquinho Brazão e de Glauber Braga – foi criticada diversas vezes ao longo da sessão desta quarta-feira (9). A seguir, trechos da entrevista realizada com o deputado do PSOL, Glauber Braga:

Deputados contrários a cassação do Deputado Glauber Braga encamparam o slogan “Glauber Fica” no conselho de ética

Deputado, qual é a sua principal linha de defesa no processo?

A acusação é difusa. Em relação ao provocador do MBL (Movimento Brasil Livre), tratou-se de uma reação minha a um sujeito que por sete vezes veio me atacar em espaços públicos onde eu estava fazendo alguma atividade do mandato. Da última vez, no espaço da Câmara, ele me agrediu verbalmente, violentamente citou minha mãe, que estava com Alzheimer avançado e que veio a falecer dias depois. Depois desse episódio, por mais de duas vezes, esse mesmo sujeito esteve em atividades em que eu estava para provocação. 

Além disso, utilizei-me do espaço no Conselho de Ética para demonstrar que isso é uma forma de atuação do MBL, que o faz por dinheiro. Esse cara era pago e ganha apoio político para fazer isso. Procurei utilizar os instrumentos que eu tinha no Conselho para demonstrar o que é o MBL e as relações que eles têm com grupos fascistas e supremacistas brancos.

Ele é o agente oculto da representação contra mim no Conselho de Ética. Essa tentativa de silenciamento é um modus operandi do próprio Lira. A minha defesa se baseou, portanto, nesses pontos políticos e jurídicos, fazendo o questionamento sobre acusações de natureza difusa e sobre a parcialidade do relator [Paulo Magalhães] num acordo previamente fixado com o próprio Arthur Lira.

Durante a minha defesa, depois da apresentação do voto do relator, apresentei o cruzamento dos recursos que ele [Paulo Magalhães] já tinha indicado como orçamento secreto para cidades da sua base eleitoral.

[Nota do editor: Glauber Braga apresentou um levantamento com municípios baianos que supostamente teriam recebido recursos do orçamento secreto, indicados por Paulo Magalhães, como argumento de que ele estaria agindo sob a influência de Arthur Lira, que era quem liberava os recursos].

Por que o deputado Arthur Lira teria interesse em tirar o seu mandato?

Primeiro, ele já indicava há muito tempo que o faria. Chegou a dizer isso no microfone do plenário, que ficaria muito feliz quando eu ali não estivesse mais. E porque o mandato [do PSOL] denunciou de maneira insistente o orçamento secreto associando às falcatruas dele. Foram 21 ou 22 vezes que eu subi à tribuna para falar sobre isso. E com observações objetivas. Fiz na tribuna, fiz nas redes, e fiz no meu depoimento à Polícia Federal também.

[Nota do editor: Glauber Braga prestou depoimento à Polícia Federal em investigação sobre uma suposta manobra de Arthur Lira para liberar R$ 4,2 bilhões em emendas].

Por que o Partido Novo foi o autor da representação contra o senhor?

Porque Gabriel Costenaro foi candidato pelo partido Novo [Costenaro foi candidato a vereador em 2024 pela legenda]. Agora, uma curiosidade interessante: o partido Novo não esteve presente em nenhuma sessão do Conselho de Ética com seus parlamentares neste período de um ano, e foram muitas as reuniões. E o próprio Paulo Magalhães, o relator, que pede a cassação, não me fez qualquer pergunta na oitiva.

No início, o senhor chegou a entrar com o pedido para trocar o relator justificando parcialidade de Paulo Magalhães. Quais eram seus argumentos?

Ele era o julgador e ele já estava dizendo no microfone que eu merecia ser cassado [no início do processo]. Esse foi um dos pontos que motivou o pedido de impedimento dele.

Quais as testemunhas o senhor apresentou na sua defesa. Por que algumas não foram aceitas?

Apresentei todas as que eu tinha direito: oito ou dez. Metade das testemunhas foram negadas pelo relator. Ou seja, eu peguei pessoas ou representantes de veículos de imprensa que, em algum momento da sua vida, passaram por uma tentativa de silenciamento por parte do Lira. O objetivo era demonstrar que esse sujeito, esse agente oculto, utiliza isso como prática. E ele [o relator] negou essas testemunhas se baseando em postagens minhas nas redes sociais de que isso era para fustigar o presidente da Câmara e não para tratar do processo em si. Do lado deles, indicaram como testemunhas os deputados Alberto Fraga (PL/DF), Kim Kataguiri (União/SP), o próprio provocador [Guilherme Costenaro], e chamaram alguém da polícia legislativa que não prestou depoimento.

E da sua parte, quem foi de testemunha?

O Fábio, que é coordenador do meu mandato, e que o Costenaro já tinha ameaçado a mãe dele dizendo: ‘Fabinho, eu sei onde sua mãe mora’. Isso antes do ocorrido comigo, o que já levou a fazermos um boletim de ocorrência contra Costenaro. Então além do Fábio, a deputada Luiza Erundina (PSOL/SP) e o Milton Temer [ex-deputado federal e fundador do PSOL] falaram especificamente do que representava a tentativa de silenciamento de um parlamentar por motivações políticas. Além deles, Carolline Sardá [pesquisadora], que falou sobre o modus operandi do MBL, porque é uma estudiosa de como o MBL age para desestabilizar os seus inimigos e lucrar com isso.

O senhor falou que o Guilherme Costenaro já tinha aparecido outras vezes em eventos onde o senhor estava. O senhor pode detalhar como o conheceu e como ocorreram esses encontros?

Eu faço uma roda de conversa toda segunda-feira, meio-dia, no Largo da Carioca, há mais de dez anos. Chego lá, caixote, caixa de som, abro o microfone para quem quiser falar. Eu não conhecia o sujeito [Costenaro]. Ele chega ao final da roda e pede para fazer uma entrevista. E ele começa a perguntar coisas do MST. Eu faço a defesa do MST e ele vai ficando mais agressivo e eu respondo também de maneira enfática. Foi ali que eu conheci ele. E aí ele começou a voltar. Então, ele volta na segunda vez mais violento. Ele volta na terceira vez mais violento. E vai fazendo vídeos cada vez mais violentos. 

Naquele dia, aqui na Câmara, ele disse que estava aqui para defender motoristas de aplicativo. Tem uma controvérsia até hoje, porque na entrada está Nikolas Ferreira (PL/MG) como quem o autorizou [a entrada do Costenaro na Câmara]. Ao mesmo tempo, eles alegam que tinha sido o Partido Novo que o fez. Mas o Kim Kataguiri que os recebeu.  Ninguém do Partido Novo assumiu que autorizou a entrada dele.

O senhor se arrepende da sua reação?

Não me arrependo porque como que eu me sentiria se não tivesse defendido a honra da minha mãe em vida. Ela faleceu alguns dias depois. Agora, ao mesmo tempo, essa foi a desculpa que eles utilizaram para dar prosseguimento a esse processo. Mas se não fosse isso, utilizariam outra e dariam manutenção a essa máquina de provocação. 

E tem uma questão para o diálogo. O que a esquerda faz com isso? Sou um cara que vive na rua. O tempo inteiro eu faço audiência na rua, toda semana o mandato está na rua. Eu faço emenda participativa na rua, discutindo com as comunidades, formando comitê de acompanhamento. Se você pegar a minha agenda, é rua, rua, rua. É uma organização política principalmente na base. E em todo lugar que você chega tem um sujeito desse. É pago pra fazer isso. E aí? Como é que a esquerda reage a isso? A essa tentativa de intimidação, que quer fazer com que você saia da rua. Porque assim, isso exerceu uma influência muito negativa para o mandato. Eles estavam conseguindo fazer o que queriam, que era botar medo. A gente teve que contratar segurança para poder cuidar disso.

Glauber Braga ainda irá recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para que o caso não avance até o plenário da Casa

Partidos aliados estão te apoiando caso o processo de cassação avance?

Tem quem já se declarou publicamente, e fez as suas respectivas publicações, falando de solidariedade. Eu fui procurado por um grupo de deputados do PSOL, perguntando se eu autorizava eles fazerem conversas com figuras públicas, com líderes partidários, indicando o que estava acontecendo e falando que se tratava de um absurdo. Eu falei ‘claro, fiquem à vontade, agradeço, inclusive’. A única coisa que não vou fazer é desarmar minha linha política de denunciar publicamente o que está acontecendo e apostar no processo de mobilização. Então, tem conversas sendo realizadas.

Edição:
Lula Marques/Agência Brasil
Lula Marques/Agência Brasil

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