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Parlamentarismo à brasileira: Congresso manda no país e quem perde é a população

A derrota não é só do governo; todos perdemos com o Executivo paralisado pelos interesses dos parlamentares

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27 de junho de 2025
17:00

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Miriam Leitão tem razão. O PDL (projeto de decreto de lei) aprovado na quarta-feira pelo Senado e Câmara dos Deputados é inconstitucional. A mudança de alíquota do IOF é prerrogativa do Executivo e, portanto, o governo não extrapolou o poder regulamentar, condição prevista pela legislação para que o Congresso possa sustar decretos do governo.

Destaco o que disse a jornalista, assim como os especialistas em Direito Constitucional, porque esse fato essencial se perdeu no noticiário, que preferiu enfatizar a derrota do governo em vez de apontar para o abuso de poder por parte do Congresso. De quebra, tirou o foco do interesse público já que a derrubada da alta do IOF, que atingiria os mais ricos, pode significar mais cortes no orçamento, prejudicando os programas sociais do governo.

Se a imprensa foi unânime em condenar o aumento de cadeiras do Legislativo – que de acordo com levantamento da Agência Pública pode elevar em 845 milhões de reais os custos para os cofres públicos – faltou fazer o link entre a ganância do Congresso e a invasão das competências do Executivo, que terá de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) se quiser garantir as prerrogativas que lhe sobram depois que o Congresso vem extrapolando seus poderes.

Principalmente através das emendas parlamentares, que somam 50 bilhões de reais, e estão por trás da chantagem do Legislativo ao governo, em momento de baixa popularidade.

Goste-se ou não do governo Lula, foi ele o presidente eleito em 2022 com a missão de governar o país de acordo com os princípios declarados em campanha e já exercidos nos mandatos anteriores, de privilegiar os mais pobres nesse país tão desigual, missão que o Congresso tornou quase impossível. Afinal, não é apenas a alta do IOF que foi barrada, mas também as propostas alternativas de arrecadação do governo, como mudanças na tributação dos bancos, fintechs, bets, setores predatórios da economia popular.

Quanto à alegação de que o governo “gasta demais”, que pula na boca de políticos conservadores com endosso de boa parte da imprensa, vamos lembrar que além de aumentar gastos com 18 novas cadeiras na Câmara dos Deputados, o que não traz nenhum benefício para a população, o Congresso se posiciona contra as alternativas de corte de custos que beneficiam apenas os mais ricos, caso das isenções tributárias.

“O governo atual estava certo de falar ‘precisamos recompor as receitas’, inclusive porque teve muita desoneração eleitoreira mesmo, ali em 2021, 2022. E o governo começou a recompor essas receitas, em parte, corrigindo algumas distorções e algumas isenções tributárias que não faziam mais sentido. Só que foi um esforço meio de enxugar gelo porque o governo fazia uma coisa, o Congresso ia lá e desonerava outra”, como explicou o economista Bráulio Borges à BBC.

Aliás, os grandes veículos de imprensa também não se mostram favoráveis a esse tipo de corte, talvez por serem beneficiados pela desoneração da folha de pagamento, que contempla as empresas de comunicação. Uma falta de transparência que, na minha opinião, compromete a credibilidade de seu jornalismo.

Não estou dizendo que o Congresso é o único obstáculo para uma melhor performance do governo, que por incompetência ou (mau) cálculo político dá a impressão de se encolher em vez de comunicar claramente à população o que está em jogo, debatendo publicamente questões tratadas em jantares e reuniões fechadas com empresários e líderes do Congresso.

Ceder cargos para aliados – que não são de fato aliados – e ceder à chantagem dos parlamentares, que paralisam as iniciativas do governo, promete se tornar marca do terceiro mandato de Lula, que agora se vê coagido pelos seus próprios deputados a não reagir à medida inconstitucional e dispensar o recurso ao STF. O argumento (risível diante do que assistimos) é de que isso acirraria ainda mais os ânimos contra o governo no Congresso.

Ao contrário do que propaga a direita vingativa, depois de atingida pela Justiça em suas intenções golpistas, não é o STF que governa o país, mas o Congresso. Seria saudável para a democracia que o presidente eleito por seu projeto político mantivesse sua prerrogativa de governar o Brasil.

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