A Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou já perto da meia-noite desta segunda à noite (14) o pedido de condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 7 réus na ação da trama golpista referente ao chamado “núcleo crucial”.
“A cooperação entre si dos denunciados para esse objetivo derradeiro, sob a coordenação, inspiração e determinação derradeira do ex-presidente da República denunciado, torna nítida a organização criminosa, no seu significado penal”, registrou o procurador-geral da República, Paulo Gonet, no documento de mais de 500 páginas com as alegações finais enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas, afinal, o que acontece depois dessas alegações finais? E os outros núcleos, como ficam? A prisão pode ser decretada antes, durante ou após a sentença? E como fatores como o perigo de fuga e a chamada ‘taxa de Trump’ influenciam o desfecho judicial?
As alegações finais da PGR marcam o encerramento da fase de instrução processual, onde acusação e defesa apresentam seus últimos argumentos e provas. Após essa etapa, o processo entra na fase decisória. Caberá ao STF analisar todo o conjunto probatório e os argumentos apresentados para, então, proferir a sentença, que pode ser de condenação ou absolvição. A expectativa no STF é que o processo sobre a tentativa de golpe de Estado possa ocorrer ainda em setembro.
O que mais diz a PGR pela condenação de Bolsonaro?
As 500 páginas de alegações finais corroboram a denúncia apresentada pela PGR em fevereiro deste ano e recapitula os pontos cruciais da acusação contra Jair Bolsonaro. Ao abordar a conduta do ex-presidente, Gonet enfatizou que as evidências apontam para uma atuação sistemática do réu, tanto durante seu mandato quanto após a derrota eleitoral, com o intuito de incitar à insurreição e desestabilizar o Estado Democrático de Direito.
Segundo o PGR, as ações de Bolsonaro transcenderam a mera resistência passiva à derrota, configurando uma articulação deliberada para criar um ambiente propício à violência e a um golpe. A manipulação da máquina pública, a instrumentalização de recursos estatais e o uso indevido de suas funções foram, conforme Gonet, empregados para fomentar a radicalização e a ruptura da ordem democrática.
Gonet ainda ressaltou que as provas indicam que Bolsonaro foi o principal orquestrador da disseminação de notícias falsas e ataques às instituições, valendo-se da estrutura governamental para subverter a ordem estabelecida.
Gonet sugeriu que, embora não fosse o objetivo primordial do grupo, a insurreição do 8 de janeiro de 2023 tornou-se uma opção desejada e incentivada quando se configurou como a última alternativa disponível.
Gonet destacou que o líder reverenciado pelos manifestantes era Bolsonaro, e a pauta defendida era um reflexo de seu discurso persistente e reiterado de radicalização, fundamentado em alegações infundadas sobre fraudes no sistema eletrônico de votação e em uma descrença injustificada na lisura dos poderes constitucionais, em consonância com a narrativa construída e propagada pela organização criminosa. O procurador-geral da República afirmou ainda que todos os crimes detalhados na denúncia estão solidamente embasados em provas, muitas das quais foram documentadas pela própria organização criminosa.
Gonet reforça que a organização criminosa registrou a quase totalidade das ações narradas na denúncia por meio de gravações, manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens eletrônicas, o que, segundo ele, torna a materialidade delitiva ainda mais evidente.
Gonet concluiu que não há como negar fatos publicamente praticados, planos apreendidos, diálogos documentados e bens públicos deteriorados, e que, embora as defesas tenham tentado minimizar a contribuição individual de cada acusado e buscar interpretações distintas dos fatos, a negação dos mesmos não foi possível.

Além de Bolsonaro, por quais crimes cada réu do núcleo central é acusado?
- Jair Bolsonaro: liderar organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado. Caso seja condenado, a pena pode passar de 40 anos de prisão.
- Alexandre Ramagem, deputado federal (PL-RJ) e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin): crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado.
- Almir Garnier, o almirante da Marinha e ex-comandante da Força: crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; deterioração de patrimônio tombado.
- Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal: crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; deterioração de patrimônio tombado; concurso material.
- Augusto Heleno, o general da reserva e ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI): crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; deterioração de patrimônio tombado.
- Mauro Cid, o tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro: crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; deterioração de patrimônio tombado
- Paulo Nogueira, general da reserva e ex-ministro da Defesa: crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; deterioração de patrimônio tombado.
- Braga Netto, o general da reserva e ex-ministro da Defesa e da Casa Civil: crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; deterioração de patrimônio tombado.
As alegações finais são apenas sobre o núcleo 1?
Sim. Embora o Supremo ainda esteja colhendo depoimentos de testemunhas durante os próximos dias, elas se referem a outras ações penais. Os depoimentos em curso fazem parte dos processos dos núcleos 2 (gerenciamento de ações), 3 (de ações táticas) e 4 (Desinformação) e ainda estão em fase de interrogatório nesta e na próxima semana.
As alegações finais entregues pela PGR referem-se à ação penal contra o chamado “núcleo 1” da suposta tentativa de golpe de Estado para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ouvido pela Agência Pública, o coordenador executivo nacional da Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD), Paulo Freire explica: “Apesar de estar tudo envolvido no bojo da tentativa de golpe, são ações penais distintas, outros réus, outras pessoas. Por isso que esse primeiro processo [do núcleo 1] já deve terminar em agosto, setembro”.
Bolsonaro já pode ser preso antes do julgamento?
A princípio, não. O ex-presidente não foi condenado. Um pedido de prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, e outros réus, não precisa estar necessariamente relacionado às alegações finais.
Segundo juristas ouvidos pela Pública, esse tipo de prisão só é autorizado em casos de risco concreto de ameaça à ordem pública ou obstrução da Justiça, como tentativa de atrapalhar o processo ou fugir do país. “Como o passaporte dele [Bolsonaro] está retido, em tese, não teria esse risco. A não ser que [a fuga] seja em países que fazem fronteiras terrestres com o Brasil”, diz Freire. “O Braga Neto, por exemplo, é o único que está preso porque ele tentou influenciar testemunhas e interferir nas provas dos autos”.
E o que acontece agora?
Com a entrega das alegações finais pela PGR, o processo entra na reta final. O próximo passo é a manifestação das defesas dos réus. O primeiro a apresentar suas alegações será o tenente-coronel Mauro Cid, delator no caso, que terá 15 dias para se manifestar. Em seguida, será a vez dos outros sete acusados, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, apresentarem suas defesas em prazo conjunto.
Depois das manifestações das partes, o processo segue para a análise do relator, o ministro Alexandre de Moraes, responsável por conduzir a investigação no Supremo Tribunal Federal (STF). Moraes elaborará seu voto, que será submetido aos demais ministros da primeira turma do STF. “Após o cômputo final de votos que vai dizer se aquelas pessoas processadas, os réus, são culpados ou não. E no caso da culpa, vem a imputação da pena”, explica o professor da Faculdade Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, Rubens Beçak.

As pressões de Trump e articulações de Eduardo Bolsonaro nos EUA influenciam a decisão?
Na última semana, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, passou a fazer acusações contra o STF e o julgamento do caso, afirmando se tratar de uma “caça às bruxas”. Na ofensiva em defesa de Bolsonaro, o americano anunciou uma sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros.
Movimentos políticos no exterior, como os articulados pelo deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos e as taxações impostas pelo presidente americano Donald Trump, são acompanhados com atenção, mas não alteram diretamente os rumos do julgamento, segundo os juristas. Para Beçak, a Corte já está inserida em um contexto naturalmente politizado, dada a gravidade do caso e o perfil dos réus — um ex-presidente da República e ex-ministros. “Esse tipo de influência acaba entrando, sim. Não que o Supremo vá condenar ou deixar de condenar por causa disso, mas vai apressar a necessidade da decisão. Até como reafirmação da soberania, deixando um recado assim: ‘pressões estrangeiras não nos afetam na soberania brasileira’”, afirma o professor da USP.