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Pai de Neymar anuncia novo CT do Santos, mas obra pode destruir Mata Atlântica

Projeto financiado pelo pai do jogador Neymar Jr ainda não tem liberação no licenciamento ambiental

Reportagem
17 de julho de 2025
04:00
Imagem aérea de Santos, litoral de São Paulo
José Cícero/Agência Pública

O projeto do novo Centro de Treinamento (CT) do Santos Futebol Clube ameaça 90 mil metros quadrados de vegetação nativa de Mata Atlântica, em Praia Grande, no litoral sul paulista. O complexo esportivo será bancado pelo pai do jogador Neymar Junior, o empresário Neymar da Silva Santos, que já respondeu por infrações ambientais e foi multado em 2023 no valor de R$ 16 milhões, junto ao filho, pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Mangaratiba, no Rio de Janeiro. A multa foi revogada em 2024.

Apesar da inauguração do CT ser anunciada para 2026, a obra entra em choque com o artigo 2º da lei 11.428, de dezembro de 2006, conhecida como a “lei da Mata Atlântica”, que não permite a destruição do bioma para um empreendimento como o anunciado pelo pai de Neymar.

“A gente só pode derrubar a Mata Atlântica, no Brasil, em áreas privadas, como nesse terreno, se essa obra comprovadamente atender a um interesse social ou utilidade pública, que não é o caso de um empreendimento privado, neste caso”, explica Luís Fernando Guedes Pinto, diretor da ONG SOS Mata Atlântica. 

A obra do CT prevê a construção de três campos de futebol, um estádio para 25 mil pessoas, uma rede de hoteis, clube e academia. A vegetação que está no terreno é remanescente do Parque Estadual Xixová-Japuí, criado em 1993 e que possui 900 hectares, o equivalente a mais de mil campos de futebol. O orçamento previsto para a obra ainda não foi informado, mas, segundo a promessa de Neymar pai, será totalmente paga por ele e terá custo zero ao clube. 

Por que isso importa?

  • Projeto anunciado pelo pai do jogador Neymar Jr é um exemplo de obra na qual o processo de licenciamento deve avaliar o impacto ambiental.
  • Lei que pode ser aprovada na Câmara dos Deputados prevê diminuir o rigor do licenciamento.

O Santos já possui o CT Rei Pelé, em atividade desde 2005, que fica próximo ao estádio da Vila Belmiro e, recentemente, passou por uma reforma que custou R$ 10 milhões, também patrocinada pelo pai do jogador Neymar. Com a construção do novo centro de treinamento, o antigo CT ficará à disposição dos times de base e femino do alvinegro santista. 

A Agência Pública consultou a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMA) da Praia Grande que disseram ainda não ter recebido pedido de licenciamento para a construção da nova sede do clube santista. 

Em frente ao terreno, há uma placa que autoriza a exploração da vegetação protegida, mas, segundo a Cetesb, a finalidade é para a “realização de levantamento planialtimétrico — atividade de baixo impacto, que pode envolver abertura de picadas e eventual bosqueamento”, ou seja, uma ação para levantar as características topográficas do espaço. Leia a nota na íntegra.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da NR Sports e de Neymar Santos respondeu que “não há um projeto formalizado, nem informações oficiais a serem divulgadas”, mesmo após o empresário ter apresentado o projeto ao Santos e à imprensa.   

Neymar pai já foi multado em 2023 por descumprir a legislação ambiental, após a reforma de um lago na mansão de seu filho, em Mangaratiba, no Rio de Janeiro. Na época, a fiscalização ambiental constatou que foram utilizadas areia de uma praia próxima e um curso d’água natural foi desviado. Na ocasião, Santos foi detido por desacato, mas acabou liberado. O processo foi tramitado em segredo de justiça e a multa revogada, em agosto de 2024.

Pai de Neymar, prefeito e presidente do Santos comemoraram CT

O anúncio do novo complexo esportivo foi feito em junho deste ano, em Santos, no litoral paulista, sob os holofotes da imprensa, patrocinadores e convidados. No evento, estavam lado a lado o pai do jogador Neymar; o prefeito da Praia Grande, Alberto Mourão, do MDB; o presidente do Santos Futebol Clube, Marcelo Teixeira; e o diretor do Grupo Peralta, Julio Peralta, que é posseiro do terreno que o projeto prevê o novo complexo esportivo. 

Em seu discurso, Mourão destacou que a prefeitura recebeu com muita alegria a notícia e disse que o CT do Santos – Vila Praia Grande “já é realidade” e que o empreendimento está caminhando para “o avanço da cidade”.

Diferente de Mourão, a assessoria de imprensa da prefeitura da Praia Grande, por meio de nota, explicou que ainda não há ações concretas sobre a construção no terreno e que a “intervenção dependerá de processo de licenciamento junto à Cetesb – Estado de São Paulo, com a definição da área para avaliação ambiental, considerando áreas de preservação e compensação”. 

Segundo os financiadores do complexo, embora o local tenha planos de ser administrado pela NR Sports, o Santos poderá utilizar o espaço a qualquer momento, seja para treinos ou jogos. A novidade foi dita por Neymar pai ao lado do presidente do clube, Marcelo Teixeira. 

Ao ser questionado pela Pública se o clube tem conhecimento dos impactos ambientais, a assessoria de imprensa do alvinegro santista respondeu que “trata-se de um empreendimento privado” e que a sugestão era tentar “contato com os empreendedores”.

Moradores se manifestaram contra obra

O anúncio do novo complexo esportivo caiu como um gol contra à preservação ambiental, na opinião da associação local de moradores. O grupo critica que Neymar pai fez o anúncio do projeto à direção do Santos e à imprensa, sem que houvesse uma consulta aos moradores da área onde o terreno está sediado. 

Segundo Leniro Guedes, o presidente da Associação dos Moradores do Canto do Forte (Amoforte), na Praia Grande, o conselho de preservação do Parque Estadual Xixová-Japi, vizinho ao futuro empreendimento esportivo, deve se reunir nos próximos dias para discutir meios de exigir clareza sobre o projeto. 

“O desenvolvimento é bem-vindo, mas a gente vê com certo pesar, por se tratar de mata nativa, preservada com espécies da mata atlântica”, disse Guedes. 

“A gente vai questionar, fazer apontamentos, sobre afluentes, nascentes, espécies e desmatamento, preservação e a reposição florestal”, acrescentou o representante da Amoforte.  

Lázaro Zeferino, de 65 anos, é professor de futebol para amputados e vizinho ao parque Xixová-Japuí. Ele disse à reportagem que espera que o grupo de empresários apresente o pedido de licenciamento à população. “Destruir a vegetação, derrubar árvores que hoje a gente necessita para melhorar as condições climáticas do planeta, a gente precisa de compensação gigantesca […] se não tiver isso, vai ser uma obra contra o planeta e contra a natureza”, classificou. 

Uma petição online mobilizou 1,2 mil assinaturas de pessoas de todo o país contra a construção do centro de treinamento. No texto de descrição, o peticionário descreve como “um gol contra” a natureza e que “não há necessidade de sacrificar nossas árvores, bioma e ecossistema neste local. Somos a favor do desenvolvimento e progresso de nossa cidade, mas não a esse custo.” 

Procurado pela Pública, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) informou que a “promotoria de Justiça de Praia Grande recebeu a representação que está na fase de análise, aguardando informações” e que a denúncia não fala em “derrubada da vegetação, mas possibilidade de que isso venha a ocorrer”. 

Mata Atlântica é bioma mais degradado do Brasil

Em ano de Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP) – e não de Copa do Mundo – o que está em jogo é o debate sobre a preservação dos biomas brasileiros, entre elas a Mata Atlântica, considerado o mais destruído do Brasil, com apenas 12% de sua vegetação nativa ainda em pé. 

“O governo brasileiro tem um compromisso do desmatamento zero, que ele assumiu até 2030. Não adianta parar lá na Amazônia e desmatar nove hectares aqui na Baixada Santista. Nós estamos no ano da COP. E a gente vai levar pra COP que nós estamos desmatando Mata Atlântica pra fazer campo de futebol?”, questionou Luís Pinto. 

Segundo o diretor da SOS Mata Atlântica, o Projeto de Lei 2.159/2021, que ficou conhecido como o PL da Devastação – e que foi aprovado na Câmara dos Deputados na madrugada de 17 de julho, agora dependendo da sanção do presidente Lula -, pode colocar em xeque a legislação que protege o bioma e beneficiar projetos como o proposto pela NR Sports. 

“O ‘PL da devastação’, ele permite que [o projeto do futuro] estádio passe do jeitinho que tá. O licenciamento passa a ser um processo menos burocrático e ele tem um ‘jabuti’ lá que altera essa proteção da lei da Mata Atlântica”, disse. 

O PL 2.159/2021 flexibiliza as leis de licenciamento ao dar autonomia para que os municípios possam permitir ou vetar que áreas verdes possam ser desmatadas, principalmente em áreas rurais, podendo tirar a autonomia de órgãos de fiscalização com o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio). 

Shopping e Havan são vizinhos do futuro CT 

O vizinho do terreno onde foi anunciado o CT Vila Praia Grande é o shopping Plaza Litoral, inaugurado em 1998, em um ponto estratégico: a entrada da cidade. O espaço é um grande bloco de concreto, rodeado pelo verde do Parque Xixová-Japuí. Em 2013, foi construída na área uma loja da Havan, do empresário bolsonarista Luciano Hang

O pedido de licenciamento para a construção do shopping, segundo a Cetesb, ocorreu em meados da década de 1990 e o órgão responsável por conceder o aval foi o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN) e o Instituto Florestal. 

Para Priscila Artigas, presidente da Comissão de Direito Ambiental, do Instituto de Advogados de São Paulo (IASP), a legislação menos rigorosa, sobre a preservação da Mata Atlântica pode ter levado à autorização da construção na década de 1990 . 

“Antes, existia uma legislação que protegia a Mata Atlântica, mas era um decreto federal, 750, de 1993, e provavelmente ele não estabelecia essas restrições para a implantação desse empreendimento”, apontou a advogada. 
No caso da construção da loja da Havan, a Cetesb disse à Pública que a obra foi “licenciada pela Cetesb entre 2013 e 2017, com base em análise de impacto. Entre as condicionantes, foi exigido o plantio de espécies nativas, monitorado por vistorias técnicas. A última inspeção ocorreu em maio deste ano”, explicou o órgão. A nota da Cetesb na íntegra está aqui.

Edição:

*Correção às 10:10 de 17/07/2025: atualizamos o nome do presidente do Santos, Marcelo Teixeira, antes Marcos Teixeira.

Fred Casagrande - PMPG
José Cícero/Agência Pública
José Cícero/Agência Pública

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