Em 16 de julho, dias após o anúncio da tarifa de 50% sobre as importações do Brasil para os Estados Unidos (EUA), o influenciador Paulo Figueiredo apareceu em frente à Casa Branca, ao lado de Eduardo Bolsonaro, anunciando que as medidas eram o “início de uma jornada que pode ser tenebrosa para o Brasil”. Ambos haviam saído de uma “rodada de reuniões” em Washington com membros do governo de Donald Trump, dentro de uma campanha para aplicar sanções contra o governo brasileiro e o ministro Alexandre de Moraes. E prometeram que viriam mais sanções.
Dias depois, Paulo Figueiredo afirmou em um podcast: “Estou 100% convencido de que as tarifas foram um movimento correto para o Brasil. O presidente Trump agiu corretamente e eu sou muito grato a ele”. No fim de julho, Trump formalizou as sanções — com algumas exceções — e também impôs ao ministro Alexandre de Moraes a Lei Magnitsky, relacionando ambas diretamente ao processo contra Jair Bolsonaro. Moraes decretaria a prisão domiciliar de Bolsonaro dias depois, em 4 de agosto.
Enquanto isso, na justiça dos EUA, uma empresa do neto do ditador João Figueiredo é objeto de apuração com base no Código de Falências e na Lei de dívidas e créditos de Nova York. A ação é relacionada a um caso de falência que busca recuperar transferências que teriam sido parte de uma fraude bilionária liderada por um trumpista, o magnata chinês Miles Guo. Ele foi condenado por nove crimes, entre eles lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Auto-exilado nos EUA desde 2015, Guo, também conhecido como Guo Wengui, Ho Wan Kwok e Miles Kwok, foi colaborador e financiador de Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump e aliado da família Bolsonaro. O empresário chinês também é apontado pela Justiça dos EUA como “controlador” da rede social Gettr, que patrocinou eventos em apoio à reeleição de Jair Bolsonaro em 2022. O ex-CEO da Gettr, Jason Miller, também é próximo de Eduardo Bolsonaro.
Detido desde março de 2023, Guo ganhou notoriedade por causa de seu posicionamento crítico ao governo chinês e de apoio à extrema direita dos EUA, ajudando a difundir teorias da conspiração sobre a criação da Covid-19. O Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) também aponta que Guo pagou ao menos US$ 1 milhão para Bannon. Em 2024, reportagem da Mother Jones apurou que o valor foi destinado a serviços de consultoria à rede de empreendimentos de mídia e organizações do chinês, que incluía um grupo fundado por ele e Bannon para servir como um suposto governo paralelo ao Partido Comunista Chinês. Guo foi acusado de ter enganado milhares de seguidores na internet para investir em negócios sob seu controle e desviar mais de US$ 1 bilhão para financiar sua vida de luxo.
Paulo Figueiredo recebeu R$ 770 mil, segundo DOJ
O pedido de apuração na Justiça americana afirma que o pagamento de US$ 140 mil (cerca de 770 mil reais) à empresa de Figueiredo International Treasure Group, registrada na Flórida desde 2017, foi uma transferência fraudulenta. As informações constam em processo que tramita desde fevereiro de 2024 no Tribunal de Falências do Distrito de Connecticut (EUA), ao qual a Agência Pública e a Mother Jones tiveram acesso. O documento aponta que a transferência teria sido feita por uma das empresas de fachada do chinês, a HCHK Technologies Inc.
“Esta transferência foi, na verdade, fraudulenta, porque o devedor [Guo Wengui] a efetuou como parte de seu ‘jogo de fachada’ e foi feita com a intenção de dificultar, atrasar e/ou fraudar os credores do devedor”, diz o processo. O documento não traz a data exata nem a natureza da transação, mas, conforme os registros judiciais, ela teria ocorrido antes de 15 de fevereiro de 2022, quando Guo entrou com um pedido de falência na Justiça. A ação não alega irregularidade por parte do destinatário da transferência, no caso, a empresa de Figueiredo.
Embora tivesse um iate no valor de US$ 37 milhões e morasse em uma cobertura de 15 suítes avaliada em US$ 67,5 milhões no Central Park, em Nova York, no tribunal o chinês afirmou que possuía “ativos insuficientes para pagar suas dívidas e que seu estilo de vida luxuoso é financiado por sua família”. Ele declarou possuir apenas US$ 3.850 em bens, mas foi acusado de ter operado empresas de fachada para ocultar seu patrimônio e declarar falência.
Em março de 2023, Guo foi acusado de 12 crimes, incluindo lavagem de dinheiro, organização criminosa, fraudes eletrônicas e de valores imobiliários. Em julho de 2024, foi condenado por nove deles. Sua rede de “finanças labirínticas”, segundo consta no processo, teria movimentado cerca de 500 contas bancárias em nome de pelo menos 80 entidades ou indivíduos, dentre elas, a HCHK Technologies, por meio da qual teria sido realizada a transferência para a empresa de Figueiredo. A ação que tem a International Treasure Group como ré busca recuperar o valor da transação realizada para a empresa de Figueiredo.
A justiça americana notificou Paulo Figueiredo, mas ele não respondeu no prazo legal previsto e o processo agora corre à sua revelia. Segundo a última atualização da Justiça até a data de publicação desta reportagem, um mediador foi apontado para resolver o caso.
Um ex-executivo sênior da Gettr contou à reportagem, sob condição de anonimato, que o influenciador bolsonarista participou dos esforços iniciais para lançar a rede social globalmente. Sua atuação na empresa teria acontecido “nos primeiros dias, antes que a documentação corporativa da Gettr fosse concluída.” Ainda segundo o executivo, “amigos em comum trouxeram” Figueiredo à Gettr e ele teria trabalhado “ajudando a recrutar influenciadores de mídias sociais para se juntarem à plataforma” após o seu lançamento. A Gettr já havia admitido à Mother Jones que pagou pessoas de direita para usarem a plataforma.
Procurado pela reportagem, Figueiredo não respondeu às perguntas sobre este e outro processo no qual está citado no Brasil (ver adiante), tampouco sobre sua suposta conexão com a Gettr. O influenciador chamou as perguntas de “babaquice” e ameaçou: “Eu sei bem como lidar com gente assim”.
A Gettr e duas empresas de Steve Bannon (a Warroom Broadcasting & Media Communications LLC e a Bannon Strategic Advisors) também são rés em outras ações relacionadas ao caso. Procurado pela reportagem, Bannon disse que é um “processo de falência padrão — que já dura anos.”
Outro processo acessado pela reportagem alega que a mesma HCHK Technologies, de Guo, e outra empresa de fachada do chinês, a Lexington Property and Staffing Inc., teria transferido US$ 353.269 para o ex-assessor de Trump e ex-CEO da Gettr, Jason Miller. Em resposta no tribunal de falências em maio de 2025, Miller negou qualquer relação entre a transferência em questão” e os crimes cometidos por Guo e “as transferências em questão”. Steve Bannon e Jason Miller são aliados de Eduardo Bolsonaro nos EUA.
Gettr promoveu imagem de Bolsonaro
Desde que chegou ao Brasil, em julho de 2021, a rede social pró-Trump se tornou um espaço de propagação de desinformação do bolsonarismo e entrou na mira da Polícia Federal (PF) no inquérito das milícias digitais, que investiga a existência de uma organização criminosa atuando online contra a democracia brasileira.
O fundador e ex-CEO da Gettr, Jason Miller, veio diversas vezes ao Brasil, e inclusive esteve na manifestação organizada por Jair Bolsonaro em 7 de setembro de 2022 em Copacabana. Naquele ano, o perfil “Gettr Brasil Oficial” promoveu a imagem de Bolsonaro, à época candidato à reeleição. A plataforma fez a cobertura das transmissões ao vivo semanais do presidente; compartilhou informações de mídias bolsonaristas; divulgou a agenda de Bolsonaro e fez lives com seus apoiadores.

Em 2021, em uma de suas visitas ao Brasil, para participar da CPAC (Conservative Political Action Conference), Miller foi interrogado pela PF, no âmbito do inquérito das milícias digitais. Em entrevista em 2025 para um podcast, Eduardo Bolsonaro deu crédito a Miller por ajudar a “chamar a atenção do presidente Trump para o que está acontecendo no Brasil”.
Para a PF, a rede de apoiadores de Jair Bolsonaro envolvida na difusão de desinformação durante as eleições, como por exemplo nos ataques às urnas eletrônicas, se valeu da mesma estratégia de comunicação utilizada nas eleições de 2016 nos EUA, vencidas por Donald Trump, e creditada a Steve Bannon.
Neto do último presidente da ditadura militar, Figueiredo está entre os 34 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por tentativa de golpe, mas é o único que ainda não teve a denúncia analisada pelo STF. Ele foi notificado por edital público, uma vez que tem endereço no exterior. Segundo a denúncia, ele teria utilizado sua influência como comentarista da Rádio Jovem Pan para pressionar militares a aderirem às articulações que resultaram no 8 de janeiro de 2023.
Empreendimento com Trump deixou dívida de R$ 15 milhões

Paulo Figueiredo é conhecido do entorno de Trump desde 2013, quando se aliou a ele para construir o Trump Hotel, empreendimento de luxo na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O neto do ditador conta que conheceu o presidente dos EUA em um dos campos de golfe de Trump na Flórida.
No entanto, em 2016, a Trump Organization deixou o projeto antes do fim da construção e semanas após a abertura de investigação sobre o empreendimento. Sob o nome de Lifestyle Laghetto Collection e com diárias que variam de R$ 617 a R$ 1.870 (em baixa temporada), hoje o hotel de frente para o mar funciona normalmente na cidade.
Até maio de 2025, o empreendimento devia R$ 15 milhões em impostos à prefeitura carioca, mas não pagava com o argumento de estar em recuperação judicial desde 2019. O processo que cobra a dívida tramita na justiça do Rio. O fundo de investimento Polo Special Situations, que emprestou dinheiro ao empreendimento, em 2016, na forma de debêntures (títulos de dívida), cobra o valor de Paulo Figueiredo e de mais oito pessoas físicas e 18 pessoas jurídicas.
Figueiredo foi CEO do grupo Polaris Projetos e Empreendimentos, empresa que fez consultoria para a construção do empreendimento, além de ex-sócio da LSH Barra Empreendimentos Imobiliários S.A., a incorporadora do hotel. Pelo menos quatro executivos atuais da LSH também são cobrados no processo.
Em 2019, Figueiredo foi preso nos EUA no marco da operação Circus Máximus, da Polícia Federal, que investigava um esquema de pagamento de propinas a dirigentes e ex-dirigentes do BRB, banco estatal de Brasília, em troca de investimentos em alguns projetos, entre eles a construção do ex-Trump Hotel.
Sanções e Lei Magnitsky são “missão cumprida”
A Pública revelou que Eduardo Bolsonaro tem Paulo Figueiredo como o “cérebro” por trás das articulações internacionais do deputado, que em março deste ano se licenciou de seu mandato e se mudou para o Texas com a família para se dedicar em tempo integral a convencer o governo de Donald Trump a defender Jair Bolsonaro e aplicar sanções ao ministro Alexandre de Moraes e ao governo brasileiro.
Em julho, quando Trump anunciou uma tarifa de 50% para as exportações brasileiras e relacionou a medida ao julgamento de Bolsonaro, Eduardo e Figueiredo afirmaram que a ação “confirma o sucesso na transmissão daquilo que viemos apresentando com seriedade e responsabilidade”.
De acordo com eles, a medida visa fazer com que o “establishment político, empresarial e institucional” brasileiro, que estaria compactuando com a “escalada autoritária” de Moraes, arque com o “custo dessa aventura”.
Quando a Agência Pública revelou, em abril de 2024, que Eduardo e uma comitiva de deputados estavam articulando por sanções contra o Brasil nos EUA, o deputado gravou um vídeo negando as informações.
Figueiredo já participou de duas audiências na Câmara de Deputados dos EUA. Em maio de 2024, em um subcomitê do Comitê de Assuntos Internacionais da Casa, ele reforçou o pedido por sanções e se negou a responder se repudia o período de 1979 a 1985, quando seu avô, João Figueiredo, foi presidente da ditadura militar brasileira.
Em entrevista à reportagem em junho de 2025, Figueiredo descreveu aquela audiência como um momento de “virada de chave” em sua campanha de “informar” a opinião pública e políticos nos EUA sobre o contexto brasileiro, que ele caracterizou como a deterioração de uma “democracia consolidada.” Este trabalho, segundo Figueiredo, iniciado após as eleições de 2022, envolveu aparições em podcasts e veículos de mídia de direita dos EUA.
Outra frente de atuação foram reuniões com ao menos 40 parlamentares, inclusive para discutir projetos de lei a serem propostos pelos congressistas dos EUA para pressionar as autoridades brasileiras. Ele diz que foram as ações de Alexandre de Moraes que o deram “lugar de fala” para essa atuação.
Figueiredo considera a fase inicial de “conscientização” concluída. De acordo com ele, o retorno de Trump à Casa Branca permitiu iniciar a etapa de “implementação” de políticas públicas, com o objetivo final de aplicar sanções financeiras contra Moraes.
Em junho deste ano, em depoimento à Comissão Tom Lantos de Direitos Humanos do Congresso dos EUA, ele pediu urgência à adoção de sanções contra Alexandre de Moraes pela Lei Magnitsky, conforme anunciado por Marco Rubio. A lei foi sancionada em 2016 pelo ex-presidente Barack Obama e tem sido usada para punir pessoas ligadas a esquemas de corrupção ou acusadas de violações de direitos humanos.
Em 18 de julho de 2025, Moraes e outros sete ministros do STF tiveram os vistos para os EUA suspensos. A Lei Magnitsky foi anunciada apenas para Moraes no dia 30 de julho. “De Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro”, disse o secretário do Tesouro, Scott Bessent, em comunicado oficial. Eduardo e Figueiredo celebraram a sanção como “missão cumprida“.
Figueiredo vê as articulações do bolsonarismo nos EUA como uma forma de fortalecer o poder do grupo no Brasil. “Eu diria que se o Bolsonaro tivesse feito o trabalho internacional que a gente está fazendo agora, se ele tivesse dado valor, e ele não dava, ele não teria saído do governo, não teria, o Lula não teria chegado ao poder”, disse em uma live no início de 2024.
Ainda que hoje atue ao lado de Eduardo Bolsonaro, o comentarista iniciou sua interação com políticos e autoridades americanas para denunciar a atuação do STF sem o deputado. Em dezembro de 2022, ao lado da ex-deputada Carla Zambelli (PL/SP), ele apresentou uma denúncia e um pedido de medida cautelar contra o tribunal à Corte Interamericana de Direitos Humanos. O pedido não obteve resultados. Neste ano, Zambelli foi cassada por uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político sobre o processo eleitoral de 2022. A deputada foi presa na Itália na última semana.