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“Caos climático” pode ser evitado: veja os caminhos indicados pela Ciência

Mudanças precisam ser estruturais, com corte na emissão de gases e queda no consumo dos mais ricos, dizem cientistas

Reportagem
18 de novembro de 2025
16:00
Imagem aérea mostra alagamentos no Jardim Pantanal, Zona Leste de São Paulo, em fevereiro de 2025
José Cícero/Agência Pública

Evitar cada fração de grau do aquecimento global é criticamente importante e, ainda que estejamos caminhando a passos largos para o “caos climático”, há caminhos possíveis para evitar o pior. Esse é um dos principais recados de um relatório escrito por alguns dos principais cientistas climáticos do planeta, publicado pouco antes do início da 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30), em Belém (PA). 

É necessário, alertam os especialistas, cortar emissões de gases do efeito estufa, reduzir o consumo excessivo – especialmente entre os mais ricos – e promover mudanças estruturais, inclusive com a adoção de “modelos econômicos ecológicos e que priorizem o bem-estar, a equidade e a sustentabilidade ao invés de crescimento [econômico] perpétuo”.

O relatório “Estado do Clima 2025”, publicado na revista científica BioScience, é co-assinado por 20 cientistas, liderados por William Ripple, da Universidade do Estado do Oregon, e por Christopher Wolf, afiliado à Associação de Pesquisa em Ecossistemas Terrestres, também do Oregon, nos Estados Unidos. A primeira edição do monitoramento foi publicada em 2019, no artigo “Aviso dos Cientistas do Mundo sobre uma Emergência Climática”, que já recebeu mais de 15 mil assinaturas de cientistas de 167 países. 

Por que isso importa?

  • O aquecimento global está causando mudanças no clima que podem acarretar o fim de várias espécies da fauna global e o aumento do nível do mar a ponto de cidades desaparecerem.
  • Para evitar essa situação, é necessário diminuir drasticamente as emissões de carbono que ocorrem, em sua maioria, com a queima de combustíveis fósseis.

A lista de estudiosos que assinam o relatório de 2025 inclui Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático e um dos maiores especialistas na temática no mundo, e o brasileiro Roberto Schaeffer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que colabora com o Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC) da ONU há mais de duas décadas.

Para os pesquisadores, “estratégias de mitigação das mudanças climáticas estão disponíveis, são economicamente viáveis e urgentemente necessárias” e “ainda podemos limitar o aquecimento se agirmos com ousadia e rapidez”. Os estudiosos ressaltam ainda que os custos de frear as mudanças climáticas são muito menores do que os danos à economia global que seus impactos podem causar.

Com base no último relatório do IPCC, eles listam 43 opções de mitigação das mudanças climáticas até 2030 e seus respectivos potenciais de redução de emissões. A expansão do uso de energias renováveis (como eólica e solar) em substituição aos combustíveis fósseis – um consenso científico de longa data – é reforçada como a medida com maior potencial de redução de emissões. Mas o estudo aponta outras abordagens, que vão de proteção das florestas, restauração florestal e sequestro de carbono na agricultura, até dietas ricas em vegetais, redução das perdas e desperdício de alimentos, aumento da reciclagem e do uso de transporte público.

Para a professora da Universidade de Brasília (UnB), Mercedes Bustamante, que colaborou com o último relatório do IPCC e foi co-coordenadora do Grupo de Trabalho “Mitigação”, do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, “as ações de mitigação têm que ser amplas e multifacetadas”. “No nível que a gente está de emissões e no tempo de resposta [que temos], as ações de mitigação têm que estar em todos os setores, independente das suas contribuições. Tudo isso nos [permite ganhar] tempo até 2030, reduzindo o incremento das emissões. Mas, vamos ter que fazer muito mais [dali] para frente, realmente neutralizando as emissões até 2040, 2050, e chegando no final do século com emissões negativas”, diz.

Sinais vitais da terra estão “em alerta máximo”

Se as políticas atuais forem mantidas, aponta o relatório, a Terra caminhará para um aquecimento de 3,1 ºC, bem acima do compromisso firmado no Acordo de Paris, em 2015, de limitá-lo ao máximo de 2,0 ºC, idealmente a 1,5 ºC. 

Segundo Bustamante, isso pode nos levar a alterações “que não vão ser reversíveis na escala de tempo humana”. “A redução da cobertura de gelo, a elevação do nível do mar pela expansão térmica dos oceanos e a sua acidificação (…) são sistemas que não necessariamente vão chegar a um ponto de não retorno – mas pode ser que cheguem –, mas que o retorno talvez seja muito lento. Isso abre a perspectiva de entrarmos em um território desconhecido”, aponta.

De acordo com o estudo, 22 dos 34 “sinais vitais” planetários bateram recordes, a maior parte deles em indicativos negativos para a “saúde” da Terra. O ano de 2024 foi o mais quente e com o maior número de dias extremamente quentes da história, teve a maior emissão de CO₂ de todos os tempos e a maior perda de cobertura arbórea por incêndios já registrada. Além disso, o fogo em florestas tropicais primárias foi 370% acima do ano anterior. 

Os últimos anos registraram ainda o menor nível histórico de gelo na Groenlândia e na Antártida e o maior consumo de carvão, petróleo e gás, principais responsáveis pelo avanço das mudanças climáticas. O consumo de energia solar e eólica também bateu recordes – em um dos poucos sinais positivos –, mas ainda é 31 vezes menor do que o consumo energético de fontes fósseis. As energias poluentes, como petróleo, gás e carvão, tiveram o segundo maior montante de subsídios da história em 2023, 616 bilhões de dólares.

Outra das poucas exceções positivas entre os sinais vitais monitorados pelos pesquisadores foi o desmatamento da Amazônia brasileira, que em 2024 caiu 30%, em seu mais baixo nível em nove anos. “A queda é atribuída ao fortalecimento da fiscalização ambiental durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que priorizou os esforços de conservação”, afirmam os pesquisadores. A próxima edição do estudo, no ano que vem, terá novamente o desmatamento na região como um dos pontos positivos, já que o sistema Prodes, do Inpe, registrou nova queda de 11%.

Em contrapartida, a população humana, o consumo de carne per capita, o número de cabeças de gado e o PIB global também estão em máximos históricos. “Embora esse crescimento [econômico] seja frequentemente celebrado como um sinal de progresso, a expansão econômica contínua permanece amplamente associada ao aumento do consumo de recursos, à degradação ecológica e ao aumento das emissões de gases de efeito estufa”, aponta o relatório.

“Em conjunto, essas tendências sugerem que a humanidade está em um estado de sobrecarga ecológica – uma condição na qual os recursos são consumidos mais rapidamente do que podem ser repostos, em um indicativo de sobrecarga ecológica do planeta”, diz o texto.

Parte dos pesquisadores argumenta que, para haver mudanças, é necessária “a mobilização de movimentos sociais de base que defendam uma eliminação justa dos combustíveis fósseis e limites à influência financeira e política da indústria de combustíveis fósseis”. 

Uma seção do relatório é dedicada aos “tipping points” (pontos de inflexão) sociais, que “podem desencadear ações climáticas aceleradas por meio de efeitos em cascata nas sociedades, instituições e sistemas econômicos”. Um dos estudos citados pelos especialistas revela que protestos não violentos e sustentados envolvendo uma pequena parcela da população, cerca de 3,5%, “podem ajudar a desencadear mudanças transformadoras”. 

O relatório ecoa algo que o “The 89 Percent Project”, idealizado pelo Covering Climate Now e que tem a participação da Agência Pública, tem enfatizado: apesar da maior parte da população ser a favor de medidas efetivas para conter a crise climática (em uma média entre 80% e 89% da população mundial), a maioria dos indivíduos acreditam compor uma minoria pró-clima – o que as inibe de cobrar por ações concretas da classe política.

O estudo destaca ainda que dois terços do aquecimento global desde 1990 são atribuíveis aos 10% mais ricos da população, graças a seus estilos de vida de alto consumo, elevado uso per capita de combustíveis fósseis e investimentos.

Para Mercedes Bustamante, da UnB, é preciso se questionar “qual é o nível de riqueza aceitável”, em um momento em que Elon Musk, da Tesla, pode estar prestes a se tornar o primeiro trilionário da história

“Quando a gente fala da proteção do clima, de repensar a nossa relação com a natureza – da qual a gente faz parte –, isso vai melhorar a vida das pessoas de uma forma geral. Um sistema que opera melhor, com menos desigualdade, traz benefícios para todo mundo. Não significa as pessoas terem que abrir mão da sua riqueza, não precisa ter uma sociedade em que todo mundo é homogêneo, mas não pode ter indignidade convivendo com acúmulo de riqueza”, afirma a pesquisadora.

Desastres já causaram prejuízo trilionário para o planeta

Cada décimo adicional de grau de aquecimento global, lembra o relatório, “leva a um aumento desproporcionalmente maior nos desastres relacionados a eventos climáticos extremos”, que estão ficando mais frequentes, intensos e caros. Segundo o estudo, desastres ligados às mudanças climáticas já causaram prejuízos da ordem de 18 trilhões de dólares desde 2000. 

No Brasil, por exemplo, a passagem de um ciclone extratropical e de tornados pela região Sul no início de novembro causou um prejuízo de mais de R$ 335 milhões, segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM). As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, por sua vez, geraram um impacto de quase R$ 89 bilhões, de acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

“Embora todos os eventos climáticos e meteorológicos extremos tenham múltiplos fatores físicos, esses desastres fazem parte de um padrão mais amplo de risco crescente impulsionado por um planeta em aquecimento. Temperaturas mais altas alimentam tempestades mais poderosas, amplificam secas e chuvas extremas e aumentam a probabilidade de incêndios florestais de grande escala”, afirma o estudo.

A mudança do clima, ressaltam os pesquisadores, afeta especialmente comunidades vulneráveis em países de baixa renda, que já vêm “sofrendo impactos duradouros na segurança alimentar, na disponibilidade e qualidade da água, na infraestrutura e na saúde pública”, diz o relatório. 

O artigo aponta que a aceleração da crise climática apresenta risco “profundamente interconectados que ameaçam desestabilizar o sistema terrestre e a sociedade”, destacando “quatro ameaças particularmente urgentes”: os riscos para os animais selvagens do planeta; o possível colapso da Circulação Meridional do Atlântico (AMOC, na sigla em inglês), que tem papel crucial na regulação do clima global; as perdas na qualidade e na disponibilidade de água; e o risco de ultrapassarmos pontos de inflexão climáticos que podem levar a Terra a uma retroalimentação do efeito estufa, o que impediria a queda da temperatura, mesmo com a diminuição de emissão gases pelos humanos.

Edição:
Joédson Alves/Agência Brasil
BUIOBUIONE/Wikimedia Commons
Ricardo Ribeiro/AEN/PR

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