Quando Donald Trump concedeu perdão a Changpeng “CZ” Zhao em outubro de 2025, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, descreveu o fundador da maior exchange (plataforma de troca) de criptomoedas do mundo como vítima de uma caça às bruxas política. “A guerra do governo Biden contra as criptomoedas acabou”, declarou Leavitt.
Zhao e sua empresa, a Binance, haviam se declarado culpados em novembro de 2023 por operar sem as garantias básicas para prevenir o crime de lavagem de dinheiro. As autoridades alegaram que ambos permitiram transações destinadas a “terroristas, cibercriminosos e pedófilos”.
Zhao aceitou renunciar ao cargo de diretor-executivo, e a empresa se comprometeu a mudar suas práticas.
Isso não aconteceu.
Entre a declaração de culpa e o perdão a Zhao, a Binance continuou lucrando centenas de milhões de dólares em transações de criptomoedas ligadas a alguns dos grupos criminosos organizados mais famosos do mundo, segundo análise do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês).
Enquanto a empresa estava sob a supervisão de um monitor designado pela Justiça, pelo menos 408 milhões de dólares em moedas digitais fluíram para contas da Binance a partir do Grupo Huione, uma financeira sediada no Camboja utilizada por quadrilhas criminosas chinesas para lavar dinheiro proveniente do tráfico de pessoas e de esquemas de fraude em escala industrial, de acordo com a análise do ICIJ.
A Binance não foi a única. Em fevereiro, a OKX, outra das maiores exchanges de criptomoedas do mundo, se declarou culpada nos Estados Unidos por operar como transmissora ilegal de dinheiro e concordou em contratar um consultor de compliance designado pela Justiça. Apesar disso, as contas de clientes da OKX continuaram a receber centenas de milhões de dólares do Grupo Huione, incluindo mais de 161 milhões de dólares. Isso mesmo depois que o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos classificou o Huione como uma “preocupação importante na área de lavagem de dinheiro”, em maio, segundo a investigação do ICIJ.
“Normalmente, isso interrompe tudo”, afirmou Ross Delston, advogado e especialista em combate à lavagem de dinheiro. “Se o governo federal disser que uma entidade representa alto risco de lavagem de dinheiro ou de financiamento ao terrorismo, é uma loucura continuar mantendo relações financeiras com ela.”
Em resposta às perguntas sobre as transações do Grupo Huione, a Binance afirmou que colabora estreitamente com as forças de segurança em nível global e que é líder do setor na identificação e resposta a depósitos suspeitos. “Os usuários que realizam transações com esse serviço estão sujeitos à investigação do nosso departamento de compliance, e as medidas adequadas serão tomadas se for identificada alguma atividade ilícita potencial”, disse a empresa em comunicado.
A Binance afirmou ainda que a tecnologia das criptomoedas não permite bloquear depósitos em seu sistema. A empresa não informou se congelou fundos ou encerrou contas relacionadas aos fluxos de dinheiro do Huione.
A OKX declarou ao ICIJ que investe fortemente em compliance regulatório e que “tomou medidas proativas para restringir as contas relevantes” mesmo antes de o grupo ser classificado como suspeito de lavagem de dinheiro. A empresa afirmou ainda que tem colaborado com o governo dos EUA nesse assunto, em alguns casos tomando a iniciativa.
O uso frequente de plataformas de grandes marcas por lavagem de dinheiro a serviço de narcotraficantes e centros de fraude é apenas uma das descobertas do especial “A Lavanderia Cripto”. A investigação transnacional foi liderada pelo ICIJ, consórcio do qual a Agência Pública faz parte, com parceiros de mídia em diversos países e revela como as empresas fornecem as ferramentas que criminosos exploram para lavar lucros provenientes de golpes, roubos e outros crimes, enquanto aqueles que perderam suas economias ou meios de subsistência têm poucas esperanças de ter justiça. As descobertas levantam dúvidas sobre se as exchanges estão fazendo o suficiente para interromper os fluxos ilícitos, seja congelando fundos, encerrando contas ou monitorando cuidadosamente as transações suspeitas.
Nos últimos 10 meses, o ICIJ e seus parceiros reuniram centenas de endereços de carteiras de criptomoedas — similares a números de contas bancárias — associados a cibercriminosos norte-coreanos, lavadores de dinheiro russos e fraudes em grande escala. Usando esses endereços, os jornalistas rastrearam dezenas de milhares de transações de criptomoedas registradas em livros digitais conhecidos como blockchains e descobriram que agentes ilícitos haviam criado contas em algumas das maiores exchanges ou enviado fundos de origem ilegal para contas nessas mesmas plataformas.
As exchanges são peças fundamentais no sistema financeiro das criptomoedas porque, assim como os bancos tradicionais, permitem que os clientes criem contas, armazenem fundos e realizem pagamentos. No entanto, diferentemente dos depósitos bancários, os fundos em criptomoedas não são garantidos pelos governos. Essas empresas também desempenham um papel central na facilitação de atividades ilícitas, pois viabilizam uma forma rápida de converter criptomoedas obtidas ilegalmente em moeda fiduciária (fiat). Por isso, reguladores e autoridades têm tentado pressionar as plataformas a implementar medidas de proteção contra a lavagem de dinheiro.
Essas medidas, porém, podem reduzir a receita das plataformas, que depende em grande parte das taxas por transação.
“Se eles expulsam os criminosos da plataforma, perdem uma fonte importante de receita. Então há um incentivo para permitir que essa atividade continue”, afirma John Griffin, especialista em dados de blockchain da Universidade do Texas em Austin. Griffin analisou como fundos provenientes de sofisticadas fraudes de phishing acontecem via Binance, OKX e HTX. Esta última é, uma exchange anteriormente registrada nas Ilhas Seicheles e afiliada a Justin Sun, que investiu bastante em uma empresa de criptomoedas da família Trump.
“As criptomoedas oferecem aos criminosos um sistema financeiro muito mais eficiente em comparação aos velhos tempos, quando um cartel precisava colocar dinheiro em espécie no porta-malas de um Cadillac”, disse Griffin.
O ICIJ também descobriu que um endereço hospedado na Binance, atribuído pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos a um lavador de dinheiro ligado ao Cartel de Sinaloa, no México, recebeu quase todo o seu financiamento — mais de 700 mil dólares — de contas na Coinbase, exchange sediada nos EUA. Fundos de uma rede conhecida de traficantes chineses de fentanil e outras drogas foram para várias contas na OKX, e um lavador de dinheiro russo especializado em mover criptomoedas para o programa de armas da Coreia do Norte mantinha uma conta na HTX, segundo o ICIJ. Essa conta ainda estava ativa em agosto, depois que Justin Sun comprou mais de 75 milhões de dólares em criptomoedas da família Trump.
A Binance não respondeu a perguntas específicas sobre a hospedagem da conta ligada ao Cartel de Sinaloa. A Coinbase afirmou estar ciente das transações relacionadas ao cartel e que, “por comunicações com o governo dos EUA, o endereço da carteira foi sancionado”. Em resposta às perguntas sobre as carteiras de narcotraficantes, a OKX declarou “ter colaborado proativamente com as forças da lei nesse assunto e ter sido reconhecida em privado por seus esforços”. A HTX não respondeu às perguntas do ICIJ.
A Lavanderia Cripto também foi além das principais plataformas de troca e investigou outros tipos de serviços de criptomoedas com ainda menos salvaguardas contra o aumento dos crimes financeiros. Isso incluiu a análise do mundo obscuro dos chamados “cash desks” e dos serviços de mensagens que se especializam em trocar criptomoedas por dinheiro em espécie e vice-versa.
Para entender como a moeda digital é usada para ampliar o alcance das fraudes, o ICIJ e seus parceiros examinaram o caso da Forsage, uma das maiores supostas fraudes em criptomoedas dos últimos anos. As autoridades norte-americanas acusaram os líderes da Forsage de roubar centenas de milhões de dólares ao longo de dois anos e meio, utilizando contratos inteligentes — acordos autoexecutáveis escritos em código computacional na blockchain, extremamente difíceis de cancelar.
As conclusões da Lavanderia Cripto mostram como as empresas de criptomoedas lucram com atividades ilícitas sem temer as consequências, enquanto deixam as vítimas dos criminosos sem recursos. Só nos EUA, o FBI estima que os americanos perderam 9,3 bilhões de dólares em crimes relacionados a criptomoedas em 2024, um aumento de 67% em relação ao ano anterior. Esse valor equivale a aproximadamente metade da quantia que o fraudador Bernie Madoff arrecadou de investidores em seu esquema de pirâmide financeira ao longo de quatro décadas.
O setor alega que as criptomoedas são mais fáceis de monitorar do que as moedas tradicionais, já que todas as transações são registradas em uma blockchain. No entanto, as autoridades policiais geralmente enfrentam dificuldades para agir contra movimentos ilícitos, pois os ativos passam com frequência por diversas carteiras anônimas. Além disso, serviços automatizados de troca — que permitem aos usuários converter criptomoedas sem a devida verificação de identidade — também podem ocultar a origem das moedas ou tokens antes que cheguem às corretoras.
O ICIJ descobriu que algumas das maiores empresas de análise de blockchain, que se apresentam como vigilantes do setor, têm receio de citar publicamente as principais exchanges de criptomoedas associadas a dinheiro sujo.
Para garantir a precisão dos resultados da investigação, o ICIJ contou com mais de 20 analistas independentes sobre blockchain, incluindo especialistas do setor, acadêmicos e empresas, como a Crystal Intelligence e ChainArgos.
Para rastrear a atividade do Grupo Huione, o ICIJ desenvolveu seus próprios métodos para analisar as transações realizadas com a stablecoin Tether. Uma stablecoin é uma criptomoeda cujo valor está atrelado na proporção de 1 para 1 a outro ativo, como o dólar americano.
Os recursos necessários para rastrear com precisão as transações em criptomoedas dificultam o trabalho das exchanges e das forças da lei. Mais de 12 ex-funcionários de compliance das principais exchanges — entre elas OKX e Binance — disseram ao ICIJ e a um dos parceiros, o The Toronto Star, que mal conseguiam acompanhar o ritmo dos criminosos mais astutos.
“A principal forma de capturar os criminosos seria esperar que cometessem um erro”, disse Alessio Della Santa, especialista em blockchain e ex-funcionário de duas das maiores exchanges.
Em tese, os reguladores em todo o mundo deveriam supervisionar as exchanges para garantir que cumprem a lei. Mas, na prática, a disparidade das legislações e a fragmentação dos esforços de fiscalização podem resultar em menos supervisão governamental de um setor em que os principais agentes realizaram, no ano passado, transações em criptomoedas no valor de dezenas de trilhões de dólares.
No final de 2024, entraram em vigor na Europa novos requisitos de proteção ao consumidor e de transparência. No entanto, nos EUA, Trump tem realizado um retrocesso nas medidas de aplicação da lei contra a indústria das criptomoedas. Os reguladores retiraram ações civis contra Coinbase, Kraken e Binance, embora o Departamento de Justiça tenha continuado os processos criminais contra a OKX e o Tornado Cash, um serviço usado para ocultar a origem dos fundos, misturando criptomoedas de diferentes fontes.
Mesmo antes disso, os EUA impunham às empresas de criptomoedas padrões menos rigorosos de prevenção à lavagem de dinheiro do que aos bancos. Os reguladores norte-americanos classificam as exchanges na mesma categoria que empresas de transferência de dinheiro, como a Western Union. Como resultado, enquanto várias agências supervisionam práticas de combate à lavagem de dinheiro nos bancos, as plataformas de troca de criptomoedas são fiscalizadas pela divisão de pequenas empresas e autônomos da Receita Federal dos Estados Unidos (o IRS, na sigla em inglês). Esse departamento, com poucos funcionários, tem enfrentado grandes dificuldades nos últimos anos para supervisionar adequadamente as operações com criptomoedas, segundo o inspetor-geral da agência.
Muitos dos que estão na linha de frente da luta contra os crimes relacionados às criptomoedas também carecem de ferramentas, recursos e treinamento adequados para rastrear criptomoedas roubadas e raramente conseguem recuperar os valores perdidos.
“As forças da lei não conseguem lidar com a enorme quantidade de atividades ilícitas nesse setor”, afirma Julia Hardy, cofundadora da empresa de investigação em blockchain zeroShadow, que trabalha em estreita colaboração com policiais e vítimas de fraudes em todo o mundo. “Isso não pode continuar assim.”
Um policial em patrulha
Desde sua criação, na crise financeira de 2008, as criptomoedas passaram de tecnologia de nicho — concebida para libertar as pessoas das instituições financeiras tradicionais — a indústria avaliada entre 3 e 4 trilhões de dólares, com anúncios no Super Bowl [a final do futebol americano] e nomes de empresas estampados em estádios.
As exchanges de criptomoedas abriram caminho para a adoção em massa da tecnologia, ao permitir que os usuários mantivessem e transferissem ativos digitais sem depender de bancos. No entanto, uma vez que essas plataformas começaram a aceitar depósitos de clientes, na maioria das jurisdições elas passaram a estar sujeitas às regulamentações governamentais aplicáveis às empresas financeiras.
Isso inclui medidas de segurança, como a coleta de informações dos clientes e o monitoramento de transações em busca de atividades suspeitas, que dificultam o movimento de dinheiro por parte dos criminosos.
Os países adotaram diferentes abordagens para regular as empresas de criptomoedas. Alguns, como China e Argélia, proibiram o comércio de criptomoedas. Outros, como Cingapura e os membros da União Europeia, exigem que as empresas obtenham uma licença e cumpram as leis contra a lavagem de dinheiro.
Nos EUA, as exchanges são tratadas como empresas de transferência de dinheiro, designação que as obriga a cumprir muitas das mesmas leis de combate à lavagem que os bancos seguem, embora com fiscalização menos direta. As exchanges também vendem tokens de criptomoedas, prática que atraiu maior escrutínio dos reguladores.
O governo de Joe Biden (2020-2024) argumentou que a maioria dos tokens digitais deve ser tratada como valores mobiliários, o que, na prática, coloca muitas plataformas sob a jurisdição da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês).
“Muitos empreendedores cresceram nesse setor e decidiram não cumprir a lei”, declarou o então presidente da SEC, Gary Gensler, ao jornal The New York Times em outubro de 2022. “Seremos os guardiões da lei.”
Naquele ano, após o colapso da plataforma FTX, sediada nas Bahamas, a SEC desencadeou uma série de ações coercitivas contra a indústria das criptomoedas.
A SEC processou várias corretoras por não estarem devidamente registradas, e os promotores também acusaram diversas delas, incluindo a Binance, de crimes relacionados à lavagem de dinheiro.
Após fundar a Binance em 2017, Changpeng “CZ” Zhao transformou a empresa na maior corretora de criptomoedas do mundo, cobrando algumas das menores taxas por transação, investindo em tecnologia de negociação em alta velocidade e grande volume e adotando uma postura agressiva na listagem de novas criptomoedas. Isso fez de Zhao uma das pessoas mais ricas do planeta.
A Binance também patrocinou equipes e associações esportivas, especialmente no futebol e nas corridas de Fórmula 1. A empresa ajudou o astro do futebol Cristiano Ronaldo a lançar seu próprio token digital dantes da Copa do Mundo de 2022.
No final de 2023, a Binance administrava metade do volume total de operações das principais bolsas — cerca de 18,4 trilhões de dólares de um total de 35,2 trilhões, segundo um estudo da CoinGecko. No entanto, segundo as autoridades norte-americanas, Zhao e a empresa priorizaram o crescimento e o enriquecimento pessoal em detrimento do cumprimento da lei.
Os investigadores federais revelaram que as contas da Binance processaram mais de 250 milhões de dólares em transações para o Hydra Market, uma plataforma russa da dark web conhecida por lavar receitas provenientes do tráfico de drogas, material de abuso sexual infantil, cartões de crédito roubados e outros crimes.
Como parte do acordo de admissão culpa firmado em novembro de 2023, Zhao pagou uma multa de 50 milhões de dólares e foi condenado a quatro meses de prisão. Entre outras exigências, a Binance deveria manter registros padrão dos clientes — que incluem, obrigatoriamente, nome, endereço e data de nascimento — para rastrear a origem dos fundos e reportar atividades suspeitas às autoridades.
No entanto, no ano seguinte, a indústria das criptomoedas se opôs tanto à aplicação da lei pelo governo quanto à perspectiva de novas regulamentações, passando a apoiar o então candidato presidencial Donald Trump.

Os gêmeos Tyler e Cameron Winklevoss, cofundadores da plataforma Gemini, manifestaram publicamente seu apoio a Trump e doaram, cada um, 1 milhão de dólares em bitcoins para financiar sua campanha. As plataformas Kraken, Crypto.com e Coinbase também contribuíram com 1 milhão de dólares cada para o comitê inaugural de Trump.
Trump, que em 2021 havia chamado o bitcoin de “fraude”, tornou-se o defensor político mais fervoroso do setor, prometendo transformar os EUA na “capital mundial das criptomoedas”. Em setembro de 2024, ele e seus filhos lançaram sua própria empresa de criptomoedas, chamada World Liberty Financial.
No entanto, durante o segundo mandato de Trump, o governo revogou as medidas coercitivas contra mais de 12 empresas de criptomoedas. Além disso, o presidente concedeu indulto a três fundadores da BitMEX, que haviam se declarado culpados por violar leis de combate à lavagem de dinheiro. Ele também dissolveu uma unidade do Departamento de Justiça responsável por investigar crimes relacionados a criptomoedas.
Ao justificar a decisão, o Departamento afirmou que continuaria investigando o financiamento ilícito realizado por indivíduos e empresas, inclusive envolvendo ativos digitais, mas não tomaria medidas contra as plataformas utilizadas para executar essas atividades ilegais.
Assim, as exchanges ficaram livres de culpa.
Fluxos ilícitos
A classificação do Grupo Huione como entidade de lavagem de dinheiro, feita em maio pelo Departamento do Tesouro dos EUA, seguiu a linha da política do governo em relação ao financiamento de atividades criminosas. A decisão veio acompanhada de uma proposta para excluir formalmente o Huione do sistema financeiro norte-americano.
As razões para o status de pária da Huione no sistema financeiro global estão nos hotéis abandonados e alojamentos improvisados espalhados pelo Sudeste Asiático, onde grupos do crime organizado chinês, clientes da empresa, instalaram call centers fraudulentos.
Nesses locais, centenas de trabalhadores — muitos deles vítimas de tráfico humano — passam longas horas buscando e contatando vítimas no Facebook e em outras redes sociais. Fingindo ser pretendentes amorosos ou funcionários de suporte técnico, os golpistas direcionam as vítimas a sites sofisticados que se passam por plataformas legítimas de criptomoedas, prometendo oportunidades de investimento altamente lucrativas.
Quando as vítimas fazem depósitos, os sites mostram saldos falsos em crescimento, mas na realidade, os criminosos já estão lavando o dinheiro, frequentemente usando as principais plataformas de criptomoedas para fazê-lo.
O ICIJ analisou dezenas de milhares de transações, totalizando centenas de milhões de dólares, enviadas pelo Huione para endereços de clientes na Binance e na OKX.
Durante um ano, o Huione canalizou uma média de 1 milhão de dólares diários na moeda tether para contas de clientes da Binance, segundo o ICIJ. Mesmo após ser classificado como suspeito de lavagem de dinheiro, esse volume permaneceu praticamente inalterado.
A análise do ICIJ revelou que, entre julho de 2024 e julho de 2025, após seu acordo com o Ministério Público, as contas da Binance receberam pelo menos 408 milhões de dólares em tether provenientes da Huione.
Por outro lado, o ICIJ descobriu que as contas de clientes da OKX receberam pelo menos 226 milhões de dólares em tether do Huione, mesmo depois de a empresa se declarar culpada, em fevereiro, de operar como transmissora ilegal de dinheiro.
Como parte dos acordos judiciais, a Binance havia aceitado a nomeação de dois supervisores de compliance para fiscalizar o cumprimento das leis norte-americanas de combate à lavagem de dinheiro, enquanto a OKX se comprometeu a contratar um consultor de compliance.
O ICIJ utilizou dados públicos da blockchain para analisar as transações enviadas a partir de endereços de criptomoedas mencionados em um relatório financeiro trimestral do Grupo Huione em chinês, de 2024.
Usando informações da Arkham Intelligence e da Tronscan — fontes de dados da blockchain —, o ICIJ examinou o fluxo de fundos em tether enviados a partir de três desses endereços para mais de 35 mil endereços de depósito usados pela Binance ou pela OKX para receber fundos de seus clientes.
Em seguida, o consórcio analisou como os recursos se movimentavam desses endereços de depósito para as grandes carteiras que as exchanges utilizam para consolidar e administrar o dinheiro dos usuários.
O ICIJ recorreu a várias fontes independentes para verificar que essas carteiras realmente pertenciam às exchanges.
“A Binance utiliza os mais altos padrões de segurança”, declarou um porta-voz da empresa ao ICIJ, acrescentando que a plataforma “monitora continuamente atividades, transações e contas de alto risco para mitigar riscos e identificar possíveis agentes mal-intencionados em todo o ecossistema de criptomoedas, trabalhando em estreita colaboração com autoridades policiais internacionais e os principais provedores de serviços de ativos digitais.”
A OKX, por sua vez, afirmou que havia submetido um dos três endereços de criptomoedas do Huione destacados na análise do ICIJ a um controle reforçado de transações, antes mesmo de os EUA alertarem sobre o grupo em maio.
A empresa disse ainda que, depois que o Departamento do Tesouro incluiu oficialmente o Huione na lista negra em 14 de outubro, “suspendeu todas as interações entre as carteiras da OKX e as do Huione, até que possamos confirmar de forma definitiva que a conta em questão é usada exclusivamente para transações legítimas.”
A OKX tomou essa medida após o ICIJ ter enviado perguntas detalhadas sobre sua exposição ao Grupo Huione.
“A OKX cooperou ativamente com as autoridades e com a FinCEN neste caso, em alguns casos iniciando proativamente a colaboração”, afirmou um porta-voz da empresa, acrescentando que essas ações estão em conformidade com as rígidas “políticas e procedimentos” da OKX contra a lavagem de dinheiro, “projetados para detectar, prevenir e responder a possíveis atividades ilícitas em nossa plataforma”.
O Departamento do Tesouro e o Departamento de Justiça dos EUA não responderam aos pedidos de comentário sobre as transações do Huione. Os dois supervisores de compliance da Binance e o consultor de compliance da OKX também não responderam aos pedidos de comentários sobre esta reportagem.
Uma subsidiária do Huione, chamada Xinbi Guarantee, recebeu 95 milhões de dólares em pagamentos com tether de contas da OKX entre julho de 2022 e junho de 2025, segundo análise da empresa de monitoramento de blockchain Crystal Intelligence.
A OKX se recusou a comentar suas transações com a Xinbi Guarantee, mas afirmou em comunicado que “pode adotar medidas como congelar e/ou encerrar contas suspeitas de estarem ligadas a agentes ilícitos, além de cooperar com as autoridades conforme apropriado”.
As plataformas de criptomoedas também desempenharam um papel fundamental na transferência de moedas digitais roubadas por outros criminosos.
No final de fevereiro, hackers norte-coreanos realizaram o maior roubo de criptomoedas da história, subtraindo cerca de 1,5 bilhão de dólares em ether da plataforma de câmbio Bybit, sediada em Dubai. O Departamento do Tesouro dos EUA afirmou que roubos anteriores cometidos por esse grupo contribuíram para financiar o programa de armas nucleares da Coreia do Norte.
O ataque à Bybit “num só golpe… destrói um ano inteiro de esforços para pressionar a economia norte-coreana”, declarou recentemente Steve Biegun, ex-subsecretário de Estado dos EUA na primeira administração Trump, ao podcast da BBC The Lazarus Heist.
“Os lavadores de dinheiro norte-coreanos começaram rapidamente a desviar grandes quantidades de fundos roubados para um serviço de criptomoedas chamado THORChain, que permite a troca de moedas digitais. Estavam convertendo Ether em Bitcoin, segundo a empresa de análise de criptomoedas TRM Labs. Mas, para que essa conversão de moedas em grande escala funcionasse, alguém teria que comprar o Ether roubado, e em grandes quantidades.”
Foi aí que entrou a Binance.
O ICIJ pediu à empresa de rastreamento de transações ChainArgos que examinasse cinco endereços de depósito da Binance que recebiam principalmente ativos vindos da THORChain. A ChainArgos encontrou um grande aumento espetacular nos depósitos feitos a esses endereços, vindos da THORChain, no valor de mais de 900 milhões de dólares em ether, durante os dez dias em que o ether roubado circulou pelo THORChain.”
Em alguns casos, a ChainArgos conseguiu rastrear o fluxo de ether do suposto grupo de lavagem norte-coreano até as contas da Binance, passando pela THORChain.
Não há provas de que as contas da Binance em questão fossem controladas pelos lavadores norte-coreanos. No entanto, especialistas disseram ao ICIJ que é provável que centenas de milhões em ether tenham mudado de mãos durante as transações na THORChain, antes de chegarem às contas da Binance. Mesmo assim, analistas de blockchain afirmam que a Binance deveria ter tomado medidas, já que estava recebendo grandes somas de um serviço conhecido por ser usado ativamente para lavagem de dinheiro.
“A Binance deveria ter detectado isso”, declarou Jonathan Reiter, CEO da ChainArgos, ao ICIJ. “Mesmo uma ferramenta de detecção ruim, talvez até defeituosa, deveria ter percebido.”
A Binance não respondeu diretamente às perguntas sobre o aumento de depósitos provenientes da THORChain. “A segurança e a conformidade regulatória são pilares fundamentais das operações da Binance”, afirmou a porta-voz Heloiza Canassa. “Contamos com mais de 1.280 funcionários e investimos milhões de dólares todos os anos para oferecer uma plataforma segura e confiável aos usuários e ao ecossistema Web3 como um todo.”
Canassa acrescentou que a empresa possui um programa de compliance de múltiplas camadas, “baseado em monitoramento rápido e rigoroso de transações”, bem como em processos de conhecimento do cliente (KYC) e combate à lavagem de dinheiro (AML).
Em resposta às perguntas sobre as transações, a THORChain disse ao ICIJ que as cinco contas da Binance pareciam estar em nome de operadores e não eram controladas ou associadas à THORChain.
A THORChain afirmou ainda que esses operadores não teriam visibilidade sobre a origem das moedas recebidas.
Segundo relatos, a Binance tem trabalhado com supervisores designados pelo tribunal como parte de seu acordo de compliance de 2023. A Bloomberg informou, em setembro, que a Binance estava prestes a fechar um acordo com o Departamento de Justiça para eliminar a exigência desta supervisão independente.
Em abril, o The Wall Street Journal relatou que a equipe da Binance estava “debatendo mudanças nos controles contra lavagem de dinheiro. Alguns funcionários consideravam que esta era uma tentativa de relaxar os controles sobre clientes mais arriscados”. A Binance criticou os “encargos ineficazes e caros” impostos pelos supervisores.
Vários especialistas em blockchain disseram ao ICIJ que muitas exchanges não examinam minuciosamente os depósitos provenientes de serviços como a THORChain, embora a origem desses fundos frequentemente seja duvidosa, a menos que um analista rastreie manualmente o caminho do dinheiro até sua fonte.
“Uma vez que o dinheiro sai das exchanges, a maioria das plataformas o trata como dinheiro limpo”, disse John Griffin, professor da Universidade do Texas. “Isso dá a eles uma negação plausível.”
Os lavadores de dinheiro russos também recorreram às principais plataformas de troca de criptomoedas para realizar suas atividades, segundo a investigação do ICIJ.
Em dezembro, as autoridades britânicas anunciaram a Operação Desestabilizar, que resultou no desmantelamento de duas redes de lavagem de dinheiro especializadas em trocar criptomoedas por dinheiro em espécie e vice-versa. A Agência Nacional contra o Crime do Reino Unido afirmou que se tratava da maior operação contra a lavagem de dinheiro da última década.
Os grupos Smart e TGR, identificados pela agência como redes criminosas de fala russa que atuavam em conjunto, haviam movimentado dinheiro para diversos grupos do crime organizado, incluindo o cartel Kinahan, traficantes de cocaína irlandeses que a Interpol vinculou a pelo menos 20 assassinatos. As autoridades também afirmaram que as duas redes financiavam grupos de ransomware e operações de espionagem russas.
A análise do ICIJ revelou que a gigante de criptomoedas com sede nos EUA, Kraken, forneceu uma conta através da qual Elena Chirkinyan, figura central da TGR, ajudou a organizar trocas em massa de criptomoedas por moeda tradicional.
Em resposta às perguntas do ICIJ sobre essa conta, um porta-voz da Kraken afirmou que a empresa coopera com autoridades policiais de todo o mundo, inclusive em assuntos como a sanção do Departamento do Tesouro à carteira em questão. “A Kraken monitora continuamente pessoas, grupos e entidades sancionados para garantir o pleno cumprimento das leis aplicáveis”, disse o porta-voz.
Entre 2019 e 2021, uma carteira controlada por Khadzhi Magomedov, do grupo Smart, enviou ou recebeu pelo menos 40 milhões de dólares em criptomoedas diretamente de e para contas da Binance, segundo análise da ChainArgos. A WhiteBIT, uma exchange lituana, enviou pelo menos mais 8 milhões de dólares diretamente para a carteira de Magomedov, que por sua vez transferiu mais 5 milhões de dólares para contas da HTX, então chamada Huobi, conforme dados reunidos pela ChainArgos para o ICIJ.
A HTX não respondeu aos pedidos de comentário. A Binance disse em comunicado que não pode bloquear transações de criptomoedas recebidas, sendo essa uma “característica fundamental de todas as transações de ativos digitais”. A WhiteBIT não respondeu a tempo para a publicação.
“Essas redes têm grande exposição às principais exchanges de criptomoedas do mercado”, afirmou um agente do Reino Unido que trabalhou no caso, falando ao ICIJ sob condição de anonimato. “Isso permite que convertam criptomoedas em moeda tradicional e, na prática, deem uma aparência de legitimidade às criptomoedas ao transferi-las.”
“Ninguém está fazendo nada”
A Operação Desestabilizar foi um caso de raro sucesso para as autoridades na luta contra crimes relacionados a criptomoedas. No entanto, o mais comum é que as autoridades tenham dificuldades para interromper essas operações ou recuperar fundos roubados.
O ICIJ e os parceiros membros desta investigação entrevistaram 45 vítimas de sofisticadas fraudes com criptomoedas em quatro continentes. Na maioria dos casos, o ICIJ descobriu que os fundos provenientes das carteiras dos supostos golpistas eram canalizados para contas em grandes plataformas de criptomoedas, como Binance, OKX, HTX e Bybit.
Das vítimas que denunciaram os roubos às autoridades, a maioria não viu progresso em seus casos.
Carrissa Weber, de 58 anos, moradora da região metropolitana de Calgary, no Canadá, estava desesperada por trabalho no início do ano. Ela se candidatou a vagas de atendimento ao cliente, a trabalhos administrativos e a outras funções no setor de cuidados com a pele. Durante anos, ela perdeu a conta da quantidade de empresas para onde havia enviado seu currículo.
Em março, ela ficou animada quando uma pessoa entrou em contato pelo WhatsApp dizendo que havia analisado seu currículo. Pouco tempo depois, o recrutador colocou Weber em contato com “Emily”, uma gerente simpática de uma suposta startup, que buscava pessoas para investir e realizar trabalhos por hora. Weber aceitou.
“Estava há três anos com um orçamento muito apertado”, disse Weber em entrevista ao ICIJ. “Ter um pouco mais de dinheiro é se sentir otimista e esperançosa, e pensar: ‘Talvez isso me ajude a seguir em frente’.”
Era um golpe.
As autoridades dos EUA alertaram sobre a prevalência crescente das chamadas fraudes de trabalho, enfatizando que “não há comissões e ninguém, exceto os golpistas, ganha dinheiro”.
Weber perdeu mais de 25 mil dólares, as economias de toda a vida, incluindo empréstimos que a plataforma a incentivou a solicitar. Quando alertou as autoridades, ela ouviu: “Você não vai recuperar seu dinheiro”. Seus esforços não tiveram resposta.
“Meu caso está arquivado em um armário e ninguém está fazendo nada a respeito”, disse Weber.
A Real Polícia Montada do Canadá, agência à qual Weber denunciou o roubo, não comentou o caso.
Poucas forças policiais locais e regionais têm treinamento em criptomoedas e o custo de softwares privados de rastreamento de blockchain necessário para conduzir investigações relacionadas a criptoativos é elevado.
No entanto, o rastro dos fundos roubados de Weber foi fácil de seguir.
Eles acabaram em carteiras de criptomoedas que transferiram a maior parte dos fundos para duas contas da OKX, segundo análise do ICIJ dos endereços de carteiras para as quais Weber enviou o dinheiro.
No início de agosto, o ICIJ enviou à OKX perguntas detalhadas sobre o caso de Weber, incluindo os endereços das carteiras onde se constatou que os golpistas haviam depositado a maior parte dos fundos. No final de outubro, um porta-voz da OKX disse ao ICIJ que a empresa havia congelado essas contas no início do mês porque estavam vinculadas ao Grupo Huione e apresentavam “outras características suspeitas”. O porta-voz também afirmou que essas contas estavam sob maior monitoramento da OKX desde novembro de 2024.
Além de perder suas economias, Weber disse que havia solicitado um empréstimo hipotecário sobre sua casa, que já havia quitado. Agora, mais do que nunca, ela precisa de renda.
Em Tóquio, Asako Nishizaki, uma mulher de 68 anos que trabalha em uma startup de inteligência artificial, perdeu mais de 74 mil dólares em três anos e meio nas mãos de um homem que conheceu no site de encontros Match.com.
O homem, que se apresentava como Milan Novak, disse ser croata e trabalhar em Sydney.
Eles iniciaram um relacionamento intenso online, durante o qual ele pediu ajuda financeira.
Ela enviou pagamentos primeiro por serviços de transferência de dinheiro, como Western Union e World Remit, e depois para endereços de carteiras de criptomoedas fornecidos por ele.
Nishizaki pagou mais de 30 mil dólares em dezenas de transferências de criptomoedas entre março de 2024 e junho de 2025, segundo registros de transações que ela forneceu ao ICIJ.
Ela perdeu seu apartamento e teve que se mudar para uma habitação social. Seu relacionamento com os dois filhos também piorou.
“Eles sentiam que eu os havia traído”, disse Nishizaki. “Sou mãe solo desde que eles tinham 2 e 3 anos, me dediquei a criá-los e não tive minha própria vida por muito tempo… Durante quase um ano, eles não falaram comigo. Há apenas um mês, meu segundo filho me disse que estava tudo bem, que me perdoava.”
Ela denunciou o golpe à polícia de Tóquio, que informou que era impossível fazer qualquer coisa porque o golpista estava no exterior.
“A polícia japonesa não faz nada”, disse Nishizaki.
Em resposta às perguntas da Nippon TV, parceira do ICIJ, a Delegacia de Nakahara, na prefeitura de Kanagawa, disse que não podia comentar sobre casos ou assuntos individuais.
Para cumprir as leis contra lavagem de dinheiro, as exchanges de criptomoedas monitoram internamente as transações utilizando ferramentas de empresas de análise de blockchain, como Chainalysis e TRM. Mas Pamela Clegg, pesquisadora com ampla experiência que trabalhou para empresas de criptomoedas e bancos, disse que as exchanges geralmente adotam uma abordagem mais informal e menos científica que os bancos ao avaliar transações suspeitas.
“Não há o mesmo nível de rigor”, disse Clegg. “É aí que realmente falta supervisão no setor de criptomoedas.”
No setor bancário, por exemplo, os reguladores esperam que as empresas demonstrem que testaram cuidadosamente seus sistemas de controle contra dinheiro sujo. Esse processo visa garantir que os bancos sinalizem um número adequado de contas ou transferências de risco, para que seus responsáveis de compliance as investiguem mais a fundo. Um número alto de alertas pode sobrecarregar os responsáveis de compliance, enquanto um número baixo permite que o dinheiro sujo passe despercebido.
Golpistas e outros lavadores de criptomoedas geralmente movem ativos ilícitos entre várias carteiras anônimas antes de depositar os fundos em uma exchange mais estabelecida. Segundo especialistas, as exchanges poderiam examinar mais de perto fundos que pulam entre múltiplos endereços desconhecidos ou que transitam por serviços de troca intermediários.
Os trabalhadores de compliance de algumas das maiores exchanges, em geral, estão sobrecarregados e sem recursos suficientes, de acordo com mais de 12 ex-funcionários das principais exchanges que conversaram com o ICIJ e um dos parceiros desta investigação, o The Toronto Star.
“Os volumes são uma loucura”, disse um ex-funcionário da Coinbase, que falou sob condição de anonimato sobre sua experiência na empresa. “O número de casos em relação ao número de funcionários é totalmente desproporcional.” (A Coinbase não respondeu às perguntas sobre estas declarações.)
Uma antiga analista do departamento de combate à lavagem de dinheiro da OKX afirmou que os funcionários enfrentavam um fluxo interminável de alertas. Eles tinham que processar cada um deles em poucos minutos:
“No caso das criptomoedas, há muitos clientes, então prioriza-se a quantidade em detrimento da qualidade, e os agentes cometem muitos erros.”
Um porta-voz da OKX disse que sua equipe global utiliza “uma combinação de profissionais com experiência em compliance e sistemas avançados de monitoramento baseados em inteligência artificial para garantir que cada alerta seja revisado de forma eficiente e completa”. A empresa acrescentou que se associou a empresas de análise de blockchain, como a Chainalysis, e que faz parte de uma plataforma de colaboração policial em tempo real, permitindo identificar e escalar atividades suspeitas de forma rápida e segura.
Ex-funcionários afirmaram que o compromisso de uma empresa com compliance se resume a uma coisa: recursos. O trabalho de compliance é caro e não gera receita, e seu impacto não é evidente nos resultados da empresa.
Mesmo empresas que atuam em jurisdições altamente reguladas e afirmam estar comprometidas com controles rigorosos muitas vezes não estão dispostas a investir o dinheiro necessário para atender às suas demandas de compliance, segundo os ex-funcionários.
Alessio Della Santa, que trabalhou no departamento de compliance da Binance na Itália até setembro de 2024, disse ao ICIJ que seu escritório não tinha autonomia para conduzir investigações significativas sobre transações suspeitas, mesmo depois de a Binance se comprometer a melhorar. Della Santa disse que investigava vários casos aparentemente triviais envolvendo pequenas quantias, o que dificultava destinar recursos suficientes para analisar os casos mais graves.
“Quando se trata de apenas 2 ou 3 dólares, você se pergunta: ‘O que estou fazendo?’”, disse Della Santa. “Está perdendo tempo. Você poderia estar revisando casos mais importantes.”
Della Santa afirmou que a empresa não fornecia ao pessoal de compliance informações suficientes sobre as contas dos clientes, incluindo endereços específicos.
“Isso é uma loucura, porque é algo importante de se ver”, disse Della Santa. Ele afirmou que essas lacunas de informação permitiam que contas permanecessem ativas, mesmo parecendo vinculadas a atividades criminosas. “Isso tornava o trabalho muito insatisfatório”, concluiu Della Santa.
“Isso me arruinou como pessoa”
Quando as exchanges ignoram sinais de alerta, as consequências para as vítimas podem ser devastadoras. Em Minnesota (EUA), um homem perdeu mais de um milhão de dólares em uma plataforma de investimento falsa.
Para proteger a privacidade de sua família, ele pediu para permanecer anônimo e contou que contatou mais de seis órgãos de segurança em busca de ajuda.
“Minha família e eu ficamos destruídos econômica e emocionalmente”, disse em março, por e-mail a um especialista do FBI em Minneapolis, que compartilhou a mensagem com o ICIJ. “Por favor, não deixem que este seja mais um caso perdido no sistema. O futuro da minha família depende disso”, pediu a vítima.
O agente respondeu com o número de uma linha de apoio à saúde mental.
Quando as autoridades não conseguiram recuperar o dinheiro roubado, o homem contratou um investigador particular especializado em blockchain, que rastreou mais de 500 mil dólares dos fundos desaparecidos até contas de clientes na Binance e outras exchanges. O ICIJ trabalhou com especialistas para confirmar de forma independente o caminho desses fundos.
As forças de segurança de Minnesota também forneceram ao ICIJ os arquivos de clientes que a Binance entregou em resposta a uma intimação judicial no caso.
Em uma foto, uma mulher aparece em frente a uma parede de metal ondulado. Ela é a cliente de uma conta que movimentou mais de 7 milhões de dólares em tether em poucos meses até julho do ano passado. O arquivo indica um endereço em uma vila rural chinesa.
Outro arquivo de um dos clientes da Binance pertence a uma mulher de 24 anos com residência em uma aldeia rural de Mianmar, onde a maioria das pessoas cozinha com lenha. Durante nove meses, até meados de 2024, essa conta movimentou 2 milhões de dólares em tether, mais de mil vezes o salário médio por ano no país.
Nenhum dos dois arquivos continha informações sobre a origem dos fundos das contas nem sobre a natureza de suas atividades.
Erin West, ex-procuradora e fundadora da Operation Shamrock, ONG dedicada a combater fraudes cibernéticas, revisou ambos os arquivos para o ICIJ e afirmou que eles pareciam ser contas “mula” de criptomoedas, abertas por criminosos em nome de pessoas não vinculadas às transações.
Em outros casos, as contas podem ter sido abertas por vítimas de tráfico humano, obrigadas a trabalhar em complexos dedicados a fraudes, disse West.
“Não há nada que pareça legítimo nisso de forma alguma”, disse West. “Nós vemos isso o tempo todo.”
A Binance se recusou a comentar este caso.
Paul DiLello, outra vítima de uma fraude de investimento em criptomoedas que perdeu mais de 150 mil dólares, disse ao ICIJ que a experiência mudou sua vida para pior. Em novembro de 2024, o homem, de 67 anos, residente do estado de Nova York, foi contatado pelo Facebook por uma mulher com quem parecia ter amigos em comum.
DiLello começou a trocar mensagens de texto via WhatsApp com ela, que se apresentava como Braelyn Ayra. Quando ela propôs um investimento com altos lucros, ele se interessou.
Ele havia trabalhado mais de 15 anos em uma empresa de telecomunicações e, ao se aposentar em 2019, optou por receber um pagamento único em vez de uma pensão. DiLello então investiu estes 100 mil dólares em uma conta individual de aposentadoria, mas esperava aumentar suas economias.
DiLello fez um pequeno investimento por meio da “OnChain”, uma plataforma recomendada por Ayra, e obteve um retorno inicial de 1.900 dólares, o que reforçou sua confiança no plano, segundo afirmou. Ele utilizou parte do dinheiro para comprar um presente para a esposa e levá-la para jantar. (Essa plataforma não é a mesma que o serviço de criptomoedas Onchain, propriedade da Crypto.com.)
Em pouco tempo, ele retirou seus fundos de aposentadoria e sacou mais dinheiro de uma conta poupança separada para investir na OnChain. Ele nunca mais veria estes valores. Uma análise do ICIJ mostra que seus fundos foram transferidos para uma carteira de depósito da OKX apenas um dia após ele ter feito o “investimento”.
A OKX não comentou o caso.
DiLello e sua esposa não têm certeza se terão que pagar impostos sobre os fundos de aposentadoria que ele retirou. A fraude causou tensão e mudou seu casamento.
“Perdi a fé em muitas coisas, não confio mais nas pessoas. Isso me arruinou como pessoa”, disse ele.
Quando DiLello foi à delegacia local para denunciar o crime, o policial que o atendeu disse que não queria lhe dar falsas esperanças e acrescentou que o sogro dele também havia sido vítima de fraude semelhante. Isso enfureceu DiLello, tanto pela falta de recursos para investigar o caso, quanto pela impunidade dos estelionatários.
“Há entidades que não passam de golpistas. Elas agem como se estivessem trabalhando num negócio legítimo, mas não é assim. Roubam tudo o que você tem”, disse DiLello. “Não há justiça. Não há nada.”
Coda
Em uma terça-feira, no final de outubro, uma estátua de Zhao de 3 metros de altura apareceu em um caminho de cascalho a menos de um quilômetro e meio do Capitólio, sede do Poder Legislativo dos EUA. A estátua, feita de espuma densa e pintada com spray dourado, mostrava Zhao levantando quatro dedos, em referência à sua resolução de Ano Novo para 2023, que se tornou um símbolo de desafio ao ceticismo em relação às criptomoedas.
Quase 11 meses após a resolução, o fundador da Binance e sua empresa se declararam culpados de crimes de lavagem de dinheiro, os mesmos delitos pelos quais Trump o perdoou em 21 de outubro.
Quando um jornalista da CNN perguntou ao presidente sobre a decisão, Trump respondeu: “Você se refere ao cara das criptomoedas? Muita gente diz que ele não era culpado de nada… E dizem que o que ele fez nem sequer é um crime”.
Zhao, que agora promove a subsidiária da Binance, a BNB Chain, expressou seu agradecimento no X. “Estou profundamente agradecido pelo indulto de hoje e pelo fato de o presidente Trump ter defendido o compromisso dos EUA com a equidade, a inovação e a justiça”, escreveu. “Faremos tudo o que pudermos para ajudar os EUA a se tornarem a capital das criptomoedas.”
A estátua dourada ao lado do Capitólio foi instalada por um pequeno grupo de entusiastas das criptomoedas para celebrar o indulto de Zhao. Hichem Zaghdoudi, de 31 anos, seu porta-voz, posicionou-se perto dela transmitindo ao vivo pelas redes sociais diante de transeuntes que passavam boquiabertos.
Naquela manhã, Zaghdoudi e sua equipe também lançaram uma moeda meme, a “CZ statue”, e se ofereceram para enviar a estátua física a Zhao. “Fizemos para você!”, escreveram no X, pedindo um endereço de envio.
Zhao recusou.
“Embora eu agradeça o gesto, o fato de haver uma moeda meme associada a esta [estátua] significa que o criador provavelmente só queria ganhar dinheiro rápido com uma interação minha”, escreveu Zhao no X no dia seguinte. “Não gosto disso.”
O comentário foi suficiente para que o valor da moeda despencasse, informou posteriormente o CoinDesk, deixando mais de mil detentores com moedas “quase sem valor”.
Naquela sexta-feira, o bilionário já havia deixado de comentar sobre o perdão e voltou a promover a BNB Chain:
“Feliz Halloween”, escreveu no X. “Estamos contratando.”
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