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Repórteres viajam ao rio Xingu para conhecer projeto de extração de ouro

Da Redação
8 de agosto de 2014
09:52
Este artigo tem mais de 10 ano

O dia 17 de junho de 2014 será marcado como um dia de derrota na história da mineradora canadense Belo Sun Mining Corporation. Nessa data a Justiça Federal publicou uma sentença ratificando uma decisão liminar de novembro do ano passado, suspendendo o licenciamento ambiental do projeto Volta Grande de Mineração, a menina dos olhos da Belo Sun, na região do rio Xingu, no Pará.

A Belo Sun pertence ao Forbes & Manhattan Inc, um banco de capital fechado que desenvolve projetos internacionais de mineração; em seu site qualifica o empreendimento que teve a licença suspensa como o “maior projeto de ouro em desenvolvimento no Brasil”. Os passos iniciais para a extração de ouro na Volta Grande do Xingu foram dados sob licença prévia concedida após a aprovação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente do Pará (Coema). Agora, porém, a Belo Sun só poderá retomar as atividades depois de entregar estudos de impactos do projeto sobre as populações indígenas e ambientais como determinou o juiz federal Cláudio Henrique Fonseca de Pina. Na sentença, o magistrado anota como “fato incontroverso” o impacto que o empreendimento vai exercer sobre populações indígenas “com reflexos negativos e irreversíveis”.

Esse é o mais recente capítulo da história da exploração mineral na Volta Grande do Xingu, visitada por um grupo de bolsistas do Reportagem Pública no início do ano. Durante dez dias, Francisco Vorcaro, Gerson Lima, Mário Lúcio de Paula, Rômulo Radicchi visitaram comunidades e ouviram algo que a população de lá conhece muito bem – mas que por aqui ainda pouco se sabe: a extração de ouro do entorno da usina de Belo Monte. Leia aqui o diário de bordo dessa viagem em busca das pegadas da Belo Sun.

Volta Grande do Xingu: o novo Eldorado brasileiro

Foto 1 Francisco Vorcaro
Nos muros da cidade de Altamira, pichações de protesto contra a Usina Belo Monte – Foto: Francisco Vorcaro

Desembarcamos em Altamira, em 7 de janeiro de 2014. Estávamos já na região conhecida como Volta Grande do Rio Xingu, trecho de cerca de 100 Km percorrido pelo rio nos municípios de Altamira, Senador José Porfírio, Anapu e Vitória do Xingu. Também conhecida como Linha de Queda, é uma área repleta de cachoeiras e ilhas, que concentra grande parte do potencial hidrelétrico do Xingu. São as terras que abrigam as etnias Juruna e Arara. Lá também vivem gerações de garimpeiros artesanais, pescadores e ribeirinhos.

Essa região tem sofrido grandes impactos sociais, econômicos e ambientais desde o início das obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, um dos maiores projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal. Milhares de operários oriundos de todas as regiões do país dirigiram-se a Altamira e municípios vizinhos em busca de emprego. O objetivo de nossa viagem, porém, era buscar o que não está à vista: o subsolo da Volta Grande, de grande  riqueza mineral, que trouxe em 2010 a mineradora canadense Belo Sun Mining Corporation à região.

Foto 2 Francisco Vorcaro
Foto: Francisco Vorcaro

Entramos em Altamira com as bagagens nas costas e fomos recebidos pela pichações nos muros de toda a cidade: “Belo Monstro”; dizia uma, acompanhada do stencil de uma caveira; “Morte Energia”, dizia outra, aludindo à Norte Energia, consórcio responsável pela construção da UHE Belo Monte.
A maioria da população vive de forma simples, em casas humildes. A sobrevivência é vinculada à natureza, ao rio, ao garimpo artesanal, à pesca, à agricultura e ao transporte cobrado por trecho das voadeiras, pequenas e velozes embarcações motorizadas. As águas caudalosas do Xingu, sua natureza exuberante, enchem os olhos, mas bem perto da margem do rio, dá para ver os canos que despejam dia e noite os rejeitos da cidade inchada pelo assustador crescimento demográfico com o início das obras da hidrelétrica: de cerca de 100 mil habitantes em 2010 (IBGE), a população agora ameaça ultrapassar 140 mil habitantes, segundo a assessoria de comunicação da Prefeitura de Altamira, devido ao grande fluxo de trabalhadores de outros estados para trabalhar nas obras de Belo Monte.  

Na esteira do crescimento populacional, inúmeros serviços se ampliaram, como bancos, comércio de materiais agropecuários, confecções e lojas. Mas o custo de vida aumentou assim como o número de assaltos, a violência policial, a prostituição. A impressão de quem passa nas ruas é de que Altamira está tomada pelo lixo. Praticamente não há saneamento básico. Num extremo da cidade vimos casas simples equilibradas em palafitas em meio a sujeira.

Ouvimos o grito de resistência

Foto 3 Xingu Vivo
Foto: Xingu Vivo

Em meados de 2012, quando começamos a pesquisar o tema, o canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte encontrava-se ocupado por povos indígenas e ribeirinhos que exigiam a interrupção das obras, fato que se repetiu pelo menos outras três vezes só no ano de 2013. Mais de 2.000 habitantes indígenas – Juruna, Asurini do Xingu, Araweté, Parakanã, Kararaô, Xikrin do Bacajá, Arara, Xipava e Kuruaya – habitam a área de influência direta e indireta de Belo Monte, e a previsível resistência desses povos às obras foi uma das principais razões para atrasar os projetos de exploração hídrica e mineral naquelas terras.

Foi sobre isso que conversamos com José Cleanton, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em Altamira. Ele foi enfático ao afirmar que Belo Monte tem representado um desastre para o território e à saúde das comunidades indígenas. “Belo Monte chega, como rolo compressor, passando por cima dos direitos, por cima da vida, de todo modo de vivência dessas comunidades. Vêm agindo de modo que no futuro esses povos deixem de viver como povos; passem a existir apenas como massa de manobra desse empreendimento. Vem causando rachas internos. Em 2009 tinha 19 aldeias; em 2010 chega Belo Monte, e hoje tem 38 aldeias…”. (De acordo com informações da SESAI, pedidas pelo ISA, em 2010 haviam 21 aldeias; o processo de divisão se intensificou em 2011, culminando em 2012 com 34 aldeias; hoje seriam 36).

Segundo ele, a estratégia governamental é dividir para dominar. “A Norte Energia utilizou recursos do BNDES e adotou a política de distribuição de presentes para lideranças indígenas: 30 mil reais em mercadorias – alimentação, combustível – e depois, voadeiras, motores de popa, e em seguida caminhonetes L200 Triton. Gastaram cerca de 14 milhões de reais em 2011. Índios deixaram de fazer roças, de fazer suas festas tradicionais, a Norte Energia passou a bancar até bolo para festa de aniversário, tipo de comemoração que não existia entre eles”.

Sobre a chegada da mineração de ouro, José Cleanton disse: “Há muito tempo a gente já vinha chamando a atenção para [o fato] que essa energia produzida por Belo Monte não seria para os altamirenses, para os brasileiros, para os paraenses e sim para as grandes empresas mineradoras. Até então nós não sabíamos da existência da Belo Sun. Em seguida surge Belo Sun, a empresa que vai fazer toda a prospecção de ouro ali na Volta Grande”.

Para o coordenador do CIMI o projeto vai agravar : a redução de vazão na Volta Grande, um dos problemas trazidos pela barragem de Belo Monte. “Com a implantação da Belo Sun, a tendência é secar ainda mais. Haverá desvio do curso do rio e as aldeias que existem são todas no curso do rio, dependem dele seja para pescar, seja para consumo próprio, seja para as atividades normais da comunidade”.

Ouro e sangue

A mineração não é novidade na região, como nos conta, ainda em Altamira, Gilberto Amaral, da cooperativa Mista dos Garimpeiros da Ressaca, Itatá, Galo, Ouro Verde e Ilha da Fazenda (Coomgrif). Os pioneiros do garimpo artesanal chegaram àquelas terras nos anos de 1930 e 1940, ele diz, e a maior parte das áreas onde hoje vivem as famílias dos garimpeiros artesanais eram de povos indígenas, que se internavam na mata à medida que as levas de imigrantes em busca da “sorte grande” chegavam.

A primeira grande empresa mineradora, a Oca Mineração, se instalou na Volta Grande em meados dos anos de 1970, e a partir dali povos indígenas, garimpeiros artesanais, ribeirinhos, camponeses, pescadores passaram a ser alvo de tentativas de expulsão, muitas delas violentas, destaca Gilberto. Os conflitos foram registrados em reportagens e documentos da época; em um discurso em 5 de março de 1986 na Câmara dos Deputados, o ex-deputado Ademir Andrade (PMDB-Pará) denunciava dois despejos realizados nos anos anteriores e afirmava: “E agora, no dia 8 de fevereiro, ocorreu o mais grave dos conflitos: de dia, chegaram técnicos do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) junto com a Polícia Federal e deram aos garimpeiros que lá estavam há anos e anos, 24 horas para se retirarem com as suas máquinas daquele local, ameaçando-os e chegando a bater em alguns deles… No dia seguinte, novamente funcionários da segurança da Oca, unidos a policiais federais e funcionários do DNPM, foram ao acampamento dos garimpeiros e prenderam, bateram, metralharam por cima de redes; pintaram o que é até difícil de se admitir; destruíram as máquinas dos garimpeiros e os expulsaram, na carreira, por dentro das matas.”

Em meados dos anos de 1980, a exploração mineral da Volta Grande passou a ser realizada por outra empresa, a Verena Minerals Corporation, mas, até o início da década de 1990, o nome da Oca Mineradora ainda era relacionado na região a tentativas de expulsão de pequenos garimpeiros e processos envolvendo pistolagem. Em 1992, por exemplo, garimpeiros enviaram um telex para o delegado da Polícia Federal de Santarém relatando que na noite de 29 de dezembro, “pistoleiros da empresa Oca junto com policiais militares do batalhão de Santarém que guarnecem o patrimônio da empresa em Volta Grande do rio Xingu, que reiteradamente patrocinam atos de tortura de silvícolas, crianças, mulheres e pessoas de idade, por ordem do indiciado Carlos Otto de Noli Vergueiro (superintendente da Oca Mineração) atentaram contra a vida dos moradores Franciel Pereira de Oliveira e Francisco Costa da Conceição, o primeiro com lesões gravíssimas e o segundo em estado desesperador, com iminente risco de vida, tudo visando desestimular o reingresso dos moradores, clientes do projeto latifundiário de Altamira, com lotes já demarcados pelo governo federal”.

Anexo 1 Telex

Verena vira Belo Sun

Em um lugar bem distante dali, em Toronto no Canadá, reuniu-se no dia 30 de junho de 2010 a assembleia geral dos acionistas da Verena Minerals Corporation aprovando alterações na composição da administração da empresa e a adoção de um novonome: Belo Sun Mining Corporation. Nesse mesmo ano, outro evento marcou o início de transformações para Volta Grande: o leilão para a obra da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, vencido pela Norte Energia, consórcio composto por Eletrobrás, Vale, Cemig , Light e fundos de pensão, que daria início às obras em agosto de 2011.

No último trimestre de 2013, após uma série de reuniões entre o gerente da Belo Sun, Cláudio Lyra, o governo do Estado, a Fiepa (Federação das Indústrias do Estado do Pará) e a Redes (Rede de Desenvolvimento de Fornecedores do Pará), a mineradora canadense obteve, no dia 2 de dezembro, a Licença Prévia do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Pará para o projeto de lavra e beneficiamento de ouro no município de Senador José Porfírio. À época, foi anunciado que a mineradora previa uma produção de nove toneladas de ouro por ano em Volta Grande. Meses depois – ainda antes da decisão judicial – a assessoria de imprensa nos informou que Projeto Volta Grande estava em “fase de estudos de viabilidade”.

Para o procurador do Ministério Público Federal no Pará (MPF), Felício Pontes, a extração do ouro pode gerar “irremediáveis impactos às populações indígenas, garimpeiros artesanais, ribeirinhos, a flora e fauna da Volta Grande do Xingu”.

Para ver de perto como a atuação da Belo Sun tem afetado a população, nos dirigimos à Ilha da Fazenda, povoada principalmente por famílias de pescadores, à Ilha do Galo e à Vila da Ressaca, povoadas principalmente por famílias de garimpeiros artesanais.

A voadeira corta o rio com velocidade. O piloto, que pediu para não ser identificado temendo “ser marcado pela Norte Energia e não poder mais trabalhar”, diz acreditar que o lago formado pela usina Belo Monte irá “desaparecer com cerca de 60 ilhas” que existem no trecho do Xingu, entre elas a exuberante Ilha de Arapujá, de 3 mil metros quadrados, que fica defronte ao cais do porto da cidade.

Foto 5 Francisco Vorcaro
O Rio Xingu visto de uma “voadeira”, rumo às ilhas – Foto: Francisco Vorcaro

Durante o trajeto, ele nos conta que as ilhas possuem vegetação nativa relativamente intacta, com castanheiras, seringueiras, palmeiras, babaçu, e abrigam um grande número de animais, como macacos Guariba, pacas, tatus, iraras, quatis, veados, catitus, além de diversas espécies de pássaros. As ilhas do Xingu e seus igapós (vegetação que cresce nas áreas alagadas) são fundamentais para a alimentação e reprodução dos peixes que lá habitam. “No inverno várias espécies de peixes se alimentam de frutas da região, como landi, araçá, bananinha, figo, gulosa, sarão, goiaba, caferana, e no verão eles se alimentam mais de rama”, explica o piloto.

As casas nas ilhas da Volta Grande são muito simples. As mais próximas das margens equilibram-se em palafitas, e as demais são construções de madeira, rústicas. Segundo o barqueiro, o comércio local era impulsionado principalmente pelo garimpo artesanal; com a chegada da Belo Sun, muitas pessoas abandonaram suas casas e o comércio definha.

Nas ilhas, a riqueza e exuberância da natureza contrastam com a pobreza, o clima de abandono e de incerteza da população.

Conversamos com vários ribeirinhos e garimpeiros. Os que se dispuseram a conceder entrevistas pediram para não ter suas imagens e nomes divulgados, temendo represálias. “Tem muito minério aqui” diz o Sr. Otávio, morador há mais de cinquenta anos na região.

“Tem muito minério no rio”, acrescenta Sr. Manoel, outro antigo morador da Volta Grande do Xingu, dono de uma pequena venda na ilha do Galo. “Tem até diamante. Num lugar chamado Paletó, tem bastante ouro no fundo do rio. Dali saía um gás que afetava os mergulhadores das balsas, que ficavam com dores nos ossos; pra fazer oitenta gramas de ouro era ligeiro, poucos minutos que aguentasse ficar em baixo d’água… Secando o rio vai ficar bom para tirar esse minério”.

Os garimpeiros nos contam que, após realizar perfurações e pesquisas, a Belo Sun anunciou ter adquirido terras na Volta Grande do Xingu.

De fato, tivemos acesso a cópias dos contratos de Cessão e Transferência de Direitos de Uso e Possessórios, onde consta que a empresa adquiriu áreas de 824, 503 e 405 hectares, respectivamente de William Paz Aragão, Geisel José Uchoa Tenório e Henrique Gomes Pereira, declarados nas escrituras “únicos e legítimos proprietários”. Parte do pagamento pela aquisição das áreas é condicionada à retirada dos barracos e moradores, ou mesmo dos “requeiros” (catadores de restos de minério nos garimpos) ou “faisqueiros”( garimpeiro de ouro de aluvião, ou seja, do ouro em pó que aflora no leito dos rios) nas áreas dos garimpos do Galo, Curimã, Ressaca e Ouro Verde.

A aquisição dessas terras é tida como irregular pela Defensoria Pública do Pará, que ajuizou  uma ação pública na Vara Agrária de Altamira (que tramitava desde 15 de  julho de 2013) contra a empresa Belo Sun Mineração Ltda. e os supostos “proprietários”. Nessa ação foi requerido que “Belo Sun seja impedida de praticar o despejo forçado dos moradores da Vila Ressaca, Galo e Ouro Verde, garantindo o direito de posse de terras rurais, o direito ao trabalho, e a determinação da retirada de placas de restrição de pesca, caça, garimpagem e entrada de pessoas, das áreas comuns (como travessões, estradas ou ramais) ocupadas pelas populações locais, para livre acesso da população aos recursos naturais, para a subsistência.”. Após um ano, essa Ação Civil Pública de nº 0005149-44.2013.8.14.0005 foi definitivamente arquivada pelo juiz Horacio de Miranda Lobato Neto.

Quando estivemos nas localidades do Galo e Vila da Ressaca, garimpeiros artesanais nos disseram que vigorava uma “proibição” velada feita pela Belo Sun, que os impedia de trabalhar.

Na comunidade do Galo, moradores disseram que até mesmo a atividade de garimpar rejeitos estava “proibida”. Garimpeiros nos relataram que, no dia 20 de junho de 2013, a Belo Sun cercou a mina cuja escavação já atingia a profundidade de 400 metros e que os vigilantes da empresa não deixavam ninguém se aproximar.

Num trecho do rio, registramos placas de demarcação de área da Belo Sun em troncos de árvores.

Foto 6 Francisco Vorcaro
Num trecho do rio, registramos placas de demarcação de área da Belo Sun em troncos de árvores – Foto: Francisco Vorcaro

“Estamos sendo judiados. Estou com 30 anos trabalhando aqui. Não tive indenização nem nada. Só promessa. Estou com 60 anos e o que vou fazer? As firmas não querem mais pessoas com mais de 50 anos de idade. Sou do Rio Grande do Norte”, disse o velho garimpeiro Juvenal. Outro garimpeiro, que não quis se identificar, contou: “Tenho seis filhos, tudo nascido aqui. A Belo Sun prometeu que se o garimpo fechasse, antes do pagamento da indenização, durante 90 dias, eles iam fornecer cesta básica. Mas até hoje, nada…”

As explosões na obra de Belo Monte também afetam os povoados da região. “Arreia as telhas e racha os pisos e paredes das casas”, diz o sr. Manoel, morador da Ilha do Galo, que teve que fechar a sua venda por causa da das atividades.

Através da Coomgrif, os garimpeiros artesanais da região protocolaram documentos no DNPM pedindo que não seja concedido o direito de lavra para a Belo Sun. “Nós temos 70 anos de trabalho aqui… Vem uma empresa privada de outro país, tira nós que somos natos, nascemos e fomos criados aqui e se apossa do que é nosso, sem dar direito pra gente”, resume o garimpeiro Francisco Pereira.

Além disso, na região à jusante (lado voltado para o sentido da correnteza do Rio) do barramento do Xingu, nas comunidades do Galo, Ilha da Fazenda e Vila Ressaca, moradores relatam que a contaminação das águas do rio estaria provocando uma alergia chamada por eles de “pira” ou “coceira brava”. Na Ilha da Fazenda, o Sr. Otávio, que vive ali há 63 anos na localidade e trabalha com peixes há mais de 20, lamenta: “Os peixes próximo ao barramento estão doentes, com vermes. Isso não existia na região. Hoje, você vai mergulhar, tem lodo nas pedras, isso não existia, os peixes estão doentes e desaparecendo!”.

Usina e mineradora andam juntas?

Foto 7 Ruy Sposati ocupação do canteiro de obras de Belo Monte por indígenas em maio de 2013
Ocupação do canteiro de obras da Usina Belo Monte por indígenas em 9 de maio de 2013 – Foto: Ruy Sposati

Como última etapa de nossa viagem, retornamos a Altamira, onde entrevistamos Antônia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre, ONG que tem defendido povos indígenas e ribeirinhos da região dos impactos das obras da hidrelétrica, chamada de “um projeto de destruição” por Antônia: “Mais de 500 famílias de pescadores perderam sua atividade pesqueira. Aqueles que ainda moram na beira do rio, onde o rio vai secar – e a água já apresenta uma mudança incalculável de impactos para a vida tanto do ser humano como da própria vida do rio – já sofrem muito com a falta dos peixes. Os peixes ornamentais, que eram atividade para mais de duas mil famílias, com o início da construção da usina, essa atividade também já foi perdida. Os animais (silvestres), com a destruição provocada pelos canteiros, canais e diques, os que escapam, saem sem destino. Os porcos do mato comem as roças, as onças atacam os animais (domésticos), as cobras vão para dentro de casas dos colonos…”.

Para ela, há uma estreita relação entre a usina e o projeto de mineração na Volta Grande do Xingu. “Tudo é bem casado: barragem e mineração caminham juntos. Além da Belo Sun, tem a Vale e outras empresas que já estão chegando por aqui. Tudo indica que os indígenas serão forçados a sair de suas áreas porque o rio vai secar”.

Os trechos que publicamos abaixo foram extraídos da página da Belo Sun Mining Corp, traduzidos pela nossa equipe de reportagem, explicam um pouco a estreita ligação entre os projetos de exploração hídrica e mineral da Volta Grande do Xingu e como a mineradora canadense pretende utilizar a energia gerada pela UHE Belo Monte na fase inicial do seu projeto.

Trata-se de um estudo sobre a infraestrutura da Volta Grande apresentado pela mineradora em que a Belo Sun destaca que a cidade de Altamira “é equipado com uma linha de transmissão de 230 quilowatts a partir do qual o projeto vai utilizar a energia para os primeiros anos de produção. A própria Volta Grande está situada ao lado do rio Xingu, sobre a qual o governo brasileiro iniciou a construção terceira maior instalação de  hidro-represamento do mundo – a Usina Hidrelétrica de Belo Monte.”

E continua: Belo Monte “aumentou acesso a Volta Grande, sem nenhum custo adicional para Belo Sun, e “após a conclusão da barragem”, poderá ter “acesso à eletricidade alternativa de baixo custo a uma taxa estimada de US $ 0,055 por quilowatt-hora”.

Em outro trecho, informa: “O estado do Pará é uma das regiões de menor custo do Brasil no que diz respeito a energia – com acesso a uma linha de energia de 230 quilowatts, neste momento (pré-barragem) a taxas de US $0,07 por quilowatt-hora. Belo Sun está bem situada para desfrutar de energia de baixo custo com adição limitada a despesas de capital iniciais”.

Em seu estudo, a Belo Sun também “antecipa que irá tirar a sua eletricidade a partir da linha de energia a ser construída para apoiar a construção da barragem (138 kV), que será localizada a curta distância da Volta Grande, a fim de reduzir as despesas operacionais em curso para acesso à energia”. E avalia que “através do desenvolvimento da hidrelétrica de Belo Monte”, o nível das águas do Xingu naquele trecho será mantido no “ponto de ‘baixo nível’ de forma consistente ao longo do ano” e que a “redução consistente dos níveis de água irá beneficiar potencialmente ainda mais o acesso de Belo Sun aos recursos no depósito Ouro Verde”.

A mineradora ressalta que, no Brasil “a mineração é permitida perto de um rio, uma vez é aplicada uma ‘compensação ambiental’ e que com a “redução permanente do nível dos rios”, poderá expandir a descoberta de novos depósitos de ouro e a expansão dos atuais.

2.238 processos minerários

Buscamos contato com a Belo Sun Mining Corporation para pedir uma entrevista, mas a assessoria de imprensa informou que o Projeto Volta Grande está em “fase de estudos de viabilidade”. A assessora nos comunicou que “os executivos (da Belo Sun) estão com a agenda cheia neste período, já que  acabaram de receber a Licença Prévia e têm muitas providências a tomar”.

No levantamento contido no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da UHE Belo Monte, feito pela Leme Engenharia em 23 de junho de 2010, haviam sido identificados 127 processos minerários abrangendo as ditas Área Diretamente Afetada (ADA) e a Área de Influência Direta (AID) da Usina Hidrelétrica Belo Monte, com potencialidade de extração de ouro, diamante, bauxita, cassiterita, cobre, fosfato, tantalita, zinco, granito, saibro, argila e areia. Porém, dados atuais do “Cadastro Mineiro” do DNPM apontam que nos onze municípios do entorno de Belo Monte existem 2.238 processos minerários relativos a requerimentos de autorização de pesquisa, registro de licença ou de lavra garimpeira (Altamira (1.459), Anapu (158), Brasil Novo (58), Gurupá (1), Medicilândia (60), Pacajá (110), Placas (84), Porto de Moz (15), Senador José Porfírio (142), Uruará (75) e Vitória do Xingu (76), segundo consulta feita no dia 31/07/2014 no site do DNPM. Esses requerimentos abrangem as seguintes substâncias minerais: ouro, diamante, cassiterita, cobre, estanho, fosfato, chumbo, cassiterita, basalto, granito, zinco, níquel, paládio, platina, columbita, tantalita, cromo, manganês, ilmenita, ametista, tungstênio, molibdênio, wolfranita, bauxita, quartzo, alumínio, areia, cascalho, saibro e argila (link e documento).

A Belo Sun figura em 42 processos minerários nos municípios de Altamira, Anapú, Pacajá, Senador José Porfírio, Vitória do Xingú e em Itaituba. Nos municípios situados na região da Volta Grande do Rio Xingu os requerimentos da Belo Sun são de autorização de pesquisa e de disponibilidade para pesquisa de ouro, minério de ouro e tantalita.

A assessoria de comunicação da Belo Sun aponta 2016/2017 como prazo previsto para a mineradora entrar em funcionamento e estima a retirada de cerca de “45 toneladas de ouro em 13 anos de operação”. No entanto, em sua página na internet, a Belo Sun Mining Corp afirma que “O Projeto Volta Grande hospeda um recurso de ouro compatível com 5,1 milhões de onças” (unidade de medida que equivale a aproximadamente 31,1 gramas) o que corresponderia a aproximadamente 158,6 toneladas de ouro. Em um relatório da Belo Sun datado de 3 de outubro de 2013, a mineradora canadense menciona “um aumento importante nas categorias medidas e indicadas”, baseando-se em “resultados de 94 furos adicionais (22.595 metros de perfuração) que representam os resultados de todos os buracos concluídos no Projeto Volta Grande até o momento”.

Perguntamos a Belo Sun se há alguma relação da mineradora com os projetos anteriores de prospecção mineral na região da Volta Grande do Xingu como a Oca, Verena, ou outras. A assessoria de comunicação negou, mas apuramos que Verena foi adquirida pela Belo Sun e, segundo nos informou o procurador da Coomgrif, Gilberto Amaral, as instalações da Belo Sun em Altamira ficam exatamente no local onde antes funcionava o escritório da antiga Mineração Oca.

Sobre a política da empresa para a população local, a assessoria da Belo Sun respondeu que a empresa “tem o compromisso de realizar a capacitação da população local, gerar emprego, renda e oportunidades, entre outros programas de apoio social, em um município carente e sem perspectiva atual de emprego e desenvolvimento”.

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