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Decisão do STF: a montanha pariu um rato

Na prática, polícia continuará a apontar quem é usuário e quem é traficante; também não há avanços para a saúde pública

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29 de junho de 2024
06:00

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Foram sete anos para o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovar a descriminalização da maconha, e o resultado não só não modifica as políticas letais de segurança pública, baseadas na famigerada guerra às drogas, mas sequer corrige a injustiça comprovada em levantamentos e estudos: flagrados com a mesma quantidade de drogas, negros são processados por tráfico enquanto brancos são enquadrados como usuários. 

Como resumiu a ministra Cármen Lúcia ao defender, com base nessas pesquisas, a definição de um critério objetivo (a quantidade) para essa separação: “Aquele menino ou aquele rapaz ou aquela pessoa que fosse pega numa determinada localidade, com determinadas características pessoais, era considerado traficante com a quantidade muito menor de drogas do que outro, em outra situação, em outro local, com outras características pessoais, passava a ser considerado apenas usuário”.

O problema é que, ao contrário do que pretendia a ministra, na forma em que foi formulada a decisão de tratar como usuário, não sujeito a processo penal, os que forem flagrados com até 40 gramas de maconha não protege os meninos negros e pobres da arbitrariedade de policiais, promotores e juízes.

Isso porque, de acordo com a decisão do STF, “essa presunção relativa de uso pode ser afastada quando estiverem presentes outras circunstâncias que caracterizariam tráfico de drogas”, como explicou o advogado especialista em direito penal e legislação sobre drogas Cristiano Maronna à jornalista Natuza Nery no podcast O Assunto.

O modo de embalar a erva, as circunstâncias e local da apreensão estão entre os exemplos citados pelo ministro Alexandre de Moraes que poderiam levar o portador de uma quantidade pequena de maconha a um processo penal por tráfico. 

Todas elas sujeitas “ao valor probatório do testemunho policial e das provas a ele ancoradas”, nas palavras de Maronna. 

“A gente sabe pelas pesquisas que a grande maioria dos processos por tráfico de drogas, primeiro, envolve pequenas quantidades, compatíveis com o uso pessoal e, segundo, são processos em que as únicas testemunhas são os policiais envolvidos na ocorrência, que naturalmente confirmam a versão que eles próprios deram na fase de inquérito policial. Essa mecânica viciada que orienta a aplicação da lei de drogas infelizmente continua intacta, continua ilesa”, completou o advogado.

Ou seja, na prática “vai mudar muito pouco porque, afinal de contas, qualquer pessoa que for flagrada com a posse de drogas vai ser conduzida a uma delegacia para que se avalie se o caso é de uso ou de tráfico de drogas”. Tal como acontece atualmente.

Do lado dos considerados usuários, cabe acrescentar: tanto a legislação vigente como a decisão do STF tratam todos os que eventualmente consomem drogas como “doentes”. Já pensou, por exemplo, se qualquer pessoa flagrada com um drinque fosse tratada como alcoólatra?

Há outro ponto delicado na decisão do STF: ela é transitória, valendo até que uma legislação completa sobre o assunto seja aprovada pelo Congresso Nacional. E aí, como sabemos todos, tudo indica que também essa questão será utilizada politicamente para agradar aos direitistas de olho na virtude alheia que compõem a maioria do Legislativo. 

Afinal, a obscurantista PEC (proposta de emenda constitucional) de autoria de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que propõe a criminalização de porte ou posse de qualquer quantidade de droga, já foi aprovada no Senado por ele presidido. Falta agora a votação na Câmara, que pouco alento traz para os que, de fato, se preocupam com o uso abusivo de drogas.

Como acontece no debate sobre o aborto, em que o proibicionismo acaba com qualquer possibilidade de prevenção consequente da gravidez indesejada – como a educação sexual nas escolas ou o acesso à pílula do dia seguinte –, há muito pouca informação disponível e confiável sobre o impacto real das diferentes drogas na saúde, impedindo uma abordagem mais consequente sobre o tema até mesmo pela imprensa, que tem o dever de divulgar informação de qualidade de interesse público. 

Posso apostar com vocês que um jovem que tem, por exemplo, acesso à informação sobre a (má) qualidade da maconha que circula no país – revelada em detalhes na reportagem “Como nasce o prensado”, publicada há mais de seis anos na Agência Pública e até hoje uma das mais lidas – tem mais motivos para tomar cuidado com o que consome do que aqueles sujeitos à pregação moralista de adultos desinformados, não raro abusivos em relação ao álcool e aos medicamentos de tarja preta. 

Informação sem preconceito e debate baseado em informação de qualidade são os melhores antídotos à adicção ou abuso de drogas lícitas e ilícitas. 

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