Buscar
Nota

Kids pretos, 8/1 e mais: MPM não está investigando crimes militares em tentativas de golpe

19 de dezembro de 2024
14:00

No último dia 16 de dezembro, a defesa do “kid preto” e tenente-coronel do Exército Rodrigo Bezerra de Azevedo, um dos indiciados pela Polícia Federal (PF) por suposto envolvimento na trama golpista que previa até mesmo o assassinato do presidente Lula, pediu ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes o envio da investigação completa para a Justiça Militar. A justificativa seria que “a competência para analisar e julgar o caso pertence à Justiça Castrense”. Moraes ainda não respondeu ao pedido.

A Agência Pública apurou que, na prática, o Ministério Público Militar (MPM) ainda não está envolvido no caso e, até segunda ordem, não conduzirá investigação própria para elucidar o papel dos 27 militares da ativa e da reserva das Forças Armadas indiciados pela PF no último dia 21 de novembro por atuarem na tentativa de golpe de Estado. A Procuradoria-Geral de Justiça Militar (PGJM), que coordena o MPM, afirmou que não pediu o compartilhamento das provas já reunidas pela PF contra os militares indiciados. A Justiça Militar só pode julgar o caso, por meio do Superior Tribunal Militar (STM), se houver provocação da PGJM ou do MPM.

À Pública, o procurador-geral de Justiça Militar, Clauro Roberto de Bortolli, afirmou que as investigações da PF revelaram até o momento “crimes da alçada do Supremo Tribunal Federal, de acordo com o entendimento que prevalece naquela Corte” e que caberia à Justiça Civil, por meio do STF, PF ou Procuradoria-Geral da República (PGR), avisar a PGJM sobre eventuais crimes militares. “Dessa maneira, cabe àquelas instituições a eventual comunicação ao Ministério Público Militar quanto à existência de infrações penais de competência da Justiça Militar da União, o que não ocorreu até o momento.”

Até o momento, o único caso ligado à tentativa de golpe sob análise do MPM é o da carta redigida por oficiais de alta patente para pressionarem o então comandante do Exército general Marco Antônio Freire Gomes a aderir ao plano golpista. A investigação da PF aponta que militares se reuniram na noite de 28 de novembro de 2022 em Brasília para discutir o teor do documento, escrito conjuntamente por tenentes-coronéis e outros militares de alta patente.

Em agosto de 2024, o Exército abriu uma sindicância interna contra 37 oficiais que assinaram a carta. O Inquérito Policial Militar (IPM) tramita em sigilo na 2ª Auditoria da 11ª Circunscrição Judiciária Militar em Brasília, segundo informado pela PGJM. Conforme o previsto no Código Penal Militar, a elaboração do documento pode vir a ser enquadrada como “conspiração” (artigo 152 do código), “aliciação para motim ou revolta” (artigo 154), “incitamento” (artigo 155) e “reunião ilícita” (artigo 165). 

À Pública, a PGJM afirmou que o MPM pediu a “quebra dos sigilos telefônico e telemático” dos militares acusados de elaborar a carta, mas que houve “decisão judicial pelo declínio de competência em favor do Supremo Tribunal Federal”. Segundo o órgão, a decisão que passaria esse caso para o STF ainda está “sob análise do órgão do Ministério Público Militar atuante no feito”, sem prazo para resposta definitiva.

Silêncio sobre possíveis crimes militares em tentativa de golpe

A Pública perguntou também à PGJM quais seriam os crimes militares relacionados à tentativa de golpe, considerando-se o que já foi revelado pelas investigações, mas não houve resposta.

O Código Penal Militar lista uma série de delitos compatíveis com as condutas atribuídas aos militares suspeitos de envolvimento. No caso dos “kids pretos” ligados ao plano “Punhal Verde e Amarelo” e à formação do grupo “Copa 2022”, responsável por planejar uma operação com o objetivo de prender e possivelmente assassinar o ministro do STF Alexandre de Moraes, podem vir a ser imputados aos autores crimes que iriam de “organização de grupo para a prática de violência” (artigo 150) e “operação militar sem ordem superior” (artigo 169) até a tentativas de “sequestro ou cárcere privado” (artigo 225) e de “homicídio qualificado” (artigo 205). A operação foi cancelada na noite de 15 de dezembro de 2022, sem que os militares envolvidos executassem o golpe planejado.

Para o advogado e diretor do Instituto Brasileiro de Análise de Legislações Militares (IBALM) Cláudio Lino, mesmo com o enquadramento da tentativa de golpe em crimes militares é improvável que o MPM se envolva. “Se as investigações estivessem sendo conduzidas no meio militar, eu duvido que estes oficiais estariam presos”, opinou.

Para Lino, a estrutura e as relações de poder internas ao próprio meio militar influenciam a atuação do MPM, que, segundo o advogado, trabalharia para amenizar tensões e eximir culpados de crimes militares. “A tendência é que a Justiça Militar tome atitudes somente após o julgamento do STF, restringindo-se a analisar os casos daqueles oficiais que sejam condenados a penas maiores que dois anos de reclusão, por meio de Conselhos de Justificação – que decidem pela perda ou não de patentes e pela exclusão do quadro das Forças Armadas”, afirmou.

Edição:
MPM/divulgação
Geraldo Magela/Agência Senado

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Notas mais recentes

COP30: Decisão de Lula para presidência da cúpula reforça aposta no clima frente a Trump


Semana tem posse de Trump e AGU se posicionando quanto à mudança de política da Meta


Lula sanciona restrição a celulares nas escolas e governo começa a promover mudanças


Sem anistia: em ato de 2 anos do 8/1, militância pede responsabilização de golpistas


Secretaria de Gandra em SP fortalece diplomacia paralela do bolsonarismo, diz pesquisador


Leia de graça, retribua com uma doação

Na Pública, somos livres para investigar e denunciar o que outros não ousam, porque não somos bancados por anunciantes ou acionistas ricos.

É por isso que seu apoio é essencial. Com ele, podemos continuar enfrentando poderosos e defendendo os direitos humanos. Escolha como contribuir e seja parte dessa mudança.

Junte-se agora a essa luta!

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes