Essa é a pergunta que me veio à cabeça ao assistir ao desfecho do desconcertante depoimento da influencer nesta quarta-feira à CPI das bets no Senado: uma foto de Virginia ao lado da relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), e do presidente da CPI, senador Dr. Hiram (PP-RR), postada junto com um agradecimento em letras cor de rosa “pelo respeito e acolhimento” no Senado.
Os dois senadores reproduziram o post de Virginia em seus perfis e passaram a segui-la, o que foi retribuído pela influenciadora, que acumula contratos publicitários milionários com uma clientela que inclui uma grande empresa de bets, a Esportes da Sorte. De acordo com a revista Piauí, ao assinar o contrato, em 2022, a influencer recebeu 50 milhões de reais só de adiantamento.
O depoimento de Virginia, assim como os de outros influenciadores convocados pela CPI nos últimos dias, deveria esclarecer detalhes desses contratos com as empresas de bets, cassinos e jogos de azar online, que colocam em risco a renda e a saúde de pelo menos 20 milhões de brasileiros, apostadores regulares dessas plataformas.
A avalanche publicitária das bets, que traz um retorno de 20 a 30 bilhões de reais por mês em apostas, de acordo com dados apresentados na mesma CPI pelo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, está por toda parte – de mensagens no celular a camisas de times de futebol, dos anúncios no Jornal Nacional ao nome do campeonato brasileiro, mas é nas redes sociais que a conversão é maior. Ou seja, a publicidade vira aposta em um clique.
Como vocês sabem, os influenciadores fazem mais do que anunciar os produtos, eles os “recomendam” e os apresentam como ingredientes de sua própria fórmula do sucesso. Um apelo irresistível para aqueles que, como os seguidores de Virginia, sonham com uma vida perfeita como parece ser a dela, exibida em posts no Instagram.
A loira de cabelos lisos e beleza padrão, com três filhinhos fofos, casada com o filho de Leonardo, o milionário astro sertanejo, é, ao mesmo tempo, a mãe perfeita, a esposa sexy e a empresária de sucesso, com um patrimônio de 400 milhões de reais, construído a partir de sua potência na Internet. Isso, aos 26 anos de idade.
Nada mais convincente do que esse conto de fadas para vender um conto do vigário, que apresenta as bets como distração inocente ou mesmo investimento (!), quando na real as apostas ameaçam orçamentos familiares com muitos zeros a menos que o de Virginia e sua frota de jatinhos. Dinheiro que seria gasto com alimentação, educação, cultura, moradia, lazer vira bet e, muitas vezes, vira também vício, sofrimento mental, inadimplência.
De acordo com uma pesquisa da CNC (Confederação Nacional de Comércio de Bens e Serviços), divulgada no início deste ano, os brasileiros desviaram para as bets mais de 100 bilhões de reais que seriam gastos em bens e serviços em 2024. Entre os beneficiários do Bolsa Família, o dinheiro para as apostas representou 3 bilhões dos 14,1 bilhões de reais destinados pelo programa.
Esse, aliás, é um dos argumentos apresentados no requerimento de abertura da CPI, instalada em novembro do ano passado, pela própria senadora Soraya. Depois de tantos selfies e posts, vale lembrar que o objetivo da CPI é “investigar a crescente influência dos jogos virtuais de apostas online no orçamento das famílias brasileiras, além da possível associação com organizações criminosas envolvidas em práticas de lavagem de dinheiro, bem como o uso de influenciadores digitais na promoção e divulgação dessas atividades.”
Mas o que se viu ali foram perguntas subservientes ou simplesmente desinformadas que a comunicadora talentosa tirou de letra. Desde o momento em que se apresentou ali, vestida como menina, com detalhes em cor-de-rosa e quase sem maquiagem, Virginia sabia como tinha que agir, o que falar e, principalmente, o que não falar. Quando perguntada sobre o valor máximo que recebeu das bets, invocou o direito ao silêncio e não revelou nenhum detalhe sobre seus contratos financeiros, que deveria ser o fulcro do interesse dos senadores.
De óculos da moda e com a foto da filha do meio estampada na camiseta, alegou que faz o que todo mundo faz, e que cumpre à risca a legislação. Só saiu um pouco do figurino e se irritou, quando se sentiu ameaçada pela inquirição de Soraya, que anunciou que exibiria um vídeo para mostrar como a influencer vende as bets na Internet.
Nada que, afinal, não fosse resolvido com um “eu não te conhecia, vou te seguir nas redes”, disparado pela senadora ao final do embate, prontamente retribuído pela influencer.
Quantos novos seguidores ganhou Soraya depois do post carinhoso de Virgínia? E o que ganhou Virginia publicando a foto com a relatora e o presidente da CPI?
Tudo indica que a CPI das bets vai se encerrar em junho, como o previsto, sem avançar em nenhum dos pontos que teria como missão investigar. Para quem quer respostas para as questões levantadas – e ignoradas – pela própria CPI, a esperança está no jornalismo investigativo independente, ou seja, aquele que não recebe verbas publicitárias das bets.
Nossa missão, como jornalistas, é trazer a real dimensão do impacto das apostas sobre o bem estar da população e a economia do país, investigar a atuação dessas empresas opacas, sobre as quais pairam suspeitas até de ligações com o crime organizado, segundo o próprio Congresso, e tentar jogar alguma luz sobre os acordos e contratos obscuros com influencers, lobistas, plataformas e empresas de comunicação.
Foi com esse objetivo que lançamos, nesta semana, uma campanha de financiamento coletivo para investigar o império das bets no Brasil. Precisamos da ajuda de leitores como você para arrecadar R$ 100 mil até o dia 30 de junho e viabilizar uma série de reportagens investigativas inéditas sobre o tema. É esse o compromisso da Agência Pública, pode apostar!