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Da Redação

Bets e influenciadores: “Não podemos brincar com o sonho dessas pessoas”

Carolline Sardá fala sobre a responsabilização dos influenciadores e os limites éticos das propagandas de apostas online

Da Redação
18 de junho de 2025
12:00
Arquivo pessoal

Nos últimos anos, as propagandas de apostas online, as chamadas bets, deixaram os sites clandestinos da internet e passaram a fazer parte do cotidiano. Hoje, estão nas camisetas dos times, patrocinam eventos culturais e invadem os lares brasileiros por meio de influenciadores digitais.

Contratos milionários colocaram nomes como Virgínia Fonseca, Deolane Bezerra e Gkay no centro da publicidade de plataformas de apostas. Prometidas como uma forma de “dinheiro fácil e rápido”, as bets são promovidas para milhões de seguidores nas redes sociais.

Para Carolline Sardá, publicitária, criadora de conteúdo e crítica das propagandas de apostas, essa estratégia de aliar o marketing das plataformas a influenciadores digitais serve para legitimar e dar autoridade ao que, na prática, promove a ludopatia (vício em jogos) como estilo de vida.

Em uma live no Instagram da Agência Pública, Sardá discutiu o papel dos influenciadores na epidemia das apostas nas redes. A conversa é uma ação da campanha de financiamento coletivo da Pública, que busca arrecadar recursos para realizar uma investigação aprofundada sobre o império das bets no Brasil.

A publicitária compara a publicidade das bets com a das antigas campanhas de cigarro. “Os publicitários sabiam que o cigarro matava, e mesmo assim sentaram à mesa para pensar em como esconder isso. A mesma coisa aconteceu com as plataformas de apostas. Em sites piratas, as pessoas não confiam. Mas quando veem um influenciador que seguem, que acompanham, que se parece com elas, aí confiam.”

Em 2024, 23 milhões de pessoas fizeram alguma aposta nas bets, o que representa 15% da população acima de 16 anos, de acordo com o Raio-X do Investidor Brasileiro. Para Sardá, os influenciadores têm responsabilidade direta nessa epidemia das apostas. “Influenciar no tempo em que nós estamos, das redes sociais, onde você precisa ter uma grande audiência, precisa saber de engajamento, de alcance, é uma forma de poder. E você utilizar esse poder, que poderia influenciar as pessoas positivamente, e direcionar para um vício é muito complicado. […] A gente tem que ter essa influência responsável.”

“Quando nós alcançamos um grupo grande de pessoas que nos seguem, não são números: são seres humanos. Essas pessoas têm vida, têm trabalho, têm família, têm sonhos. E nós, como influenciadores, não podemos brincar com o sonho dessas pessoas. Principalmente com o salário que está na conta delas, um salário contadinho”, defende.

Regulação das propagandas e responsabilização dos influencers

Em 2024, o setor de apostas online se tornou o mais punido pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Segundo levantamento do Meio & Mensagem, 43 marcas de apostas foram alvo de sanções, representando 22,3% de todas as punições aplicadas pelo órgão no período.

O CONAR estabelece regras específicas para a publicidade de apostas. Os anúncios devem deixar claro que se trata de uma atividade paga, que envolve riscos e é permitida apenas para maiores de 18 anos. É proibido associar as apostas a promessas de ganhos fáceis, sucesso pessoal ou ascensão social. Também não se pode usar linguagem imperativa — como “jogue agora” — nem sugerir que apostar seja uma forma segura de ganhar dinheiro. Celebridades e influenciadores não podem induzir o público a acreditar que jogam ou ganham com frequência, e precisam sinalizar claramente quando o conteúdo é patrocinado. Além disso, as peças devem conter alertas de responsabilidade, como o incentivo ao jogo consciente e o respeito aos limites financeiros de cada usuário.

Mas a ausência de regulamentação da profissão de influenciador contribui para um cenário ainda de impunidade, onde a responsabilização é rara — mesmo diante de abusos recorrentes.

Esse descompasso entre regras e fiscalização também ficou evidente na CPI das Bets, encerrada recentemente no Senado. Na quarta-feira (12), os senadores rejeitaram, por 4 votos a 3, o relatório final da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), que recomendava o indiciamento de influenciadores, como Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra, e empresários do setor por indícios de lavagem de dinheiro, propaganda enganosa e outros crimes. O texto ainda propunha 20 medidas para conter o avanço das apostas online no país. Com a rejeição, a CPI terminou sem qualquer encaminhamento prático aos órgãos competentes.

Para Carolline Sardá, além da responsabilização dos influenciadores, é essencial que as plataformas digitais também sejam cobradas. Segundo ela, as redes sociais deveriam ter mecanismos mais eficazes para monitorar, restringir e derrubar conteúdos e perfis que descumprem as regras de publicidade de apostas.

A urgência dessa regulação fica ainda mais clara diante de um problema crescente: o impacto da publicidade de apostas em crianças e adolescentes. De acordo com um estudo do Unicef, 22% dos adolescentes entrevistados disseram ter feito sua primeira aposta antes dos 11 anos de idade. A maioria (78%) começou aos 12 anos ou mais — ainda assim, dentro de uma faixa etária proibida por lei para esse tipo de atividade.

“A questão do vício não dá para a gente brincar na publicidade”, afirma Sardá. “Envolve princípios éticos, o limite da publicidade”. E completa: “É importante que os influenciadores se responsabilizem pelo que fazem, principalmente pelo que divulgam. Nós precisamos de regulação, de educação midiática, mas principalmente de uma resposta coletiva e organizada, porque o que está em jogo aqui é saúde mental, financeira, social e pública. Se eles não forem responsabilizados, que olhem para si e entendam o poder da influência que têm: de levar as pessoas para algo bom, mas também para o abismo.”

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