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Big Techs se unem a cartões de crédito pra assaltar o Pix

Visa, Apple, Meta e Google criaram narrativa pra atacarem essa política pública de sucesso, o “Pix para todos”

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28 de julho de 2025
17:00

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Quando eu morava nos Estados Unidos em 2022, fiquei bastante chocada com o sistema de pagamentos digitais implementado no país. Ter dólares na carteira já era quase inútil, pois poucos estabelecimentos aceitavam e meus colegas sempre me olhavam com aquela cara de “lá vem ela com papel”. O problema é que a alternativa digital era péssima: existem vários sistemas diferentes, todos privados, e eles não se comunicam entre si. Assim, se você é cliente do Zelle, por exemplo, não consegue enviar dinheiro para o Venmo, e vice-versa. Quando saíamos para restaurante, por exemplo, era uma briga sobre quem pagaria a conta e como os demais poderiam transferir o resto. Não existe nos EUA um sistema de pagamento público, universal e gratuito, como o Pix. 

É isso que acontece quando um governo deixa as empresas assumirem controle da sociedade. 

Agora, as Big Techs parecem querer ampliar a pressão sobre o Pix, para eliminar essa política pública de sucesso, da maneira como a conhecemos hoje. Não está escrito na carta de Donald Trump, nem no relatório da CCIA que revelamos aqui há algumas semanas, mas esse foi claramente o tema central da reunião feita na semana passada com o vice-presidente e Ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin. Para começar, a reunião contou não apenas com as Big Techs mais conhecidas e ativas no Brasil – Meta, Google, Apple – mas também reuniu dois executivos da Visa, e o um da Expedia.  

Alckmin saiu dizendo que as empresas vieram com um papo de “Pix para todos”. “Nada impede que outras empresas participem da forma de pagamento. Elas falaram que defendem o Pix para todos. O que é importante? É que tem que ser de graça”, disse o ministro, segundo a Agência Brasil.

O que se lê nas entrelinhas é que as empresas querem participar do Pix, rompendo o monopólio do Banco Central, mas também querem arrumar um jeito de cobrar pelo serviço

Sabe-se muito pouco o que querem de fato essas empresas americanas. Embora haja notícias de que a criação do Pix irritou principalmente a Meta, que esperava que o WhatsApp Pay fosse dominar o mercado brasileiro antes de uma política pública, agora que o Pix domina o mercado – e é usado por bancos, inclusive para fazer empréstimos – não está claro o que as empresas querem que o governo faça para “reduzir” a vantagem competitiva do Pix. 

A narrativa de “pixa para todos” já foi aventada pelo vice-presidente executivo da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) em um artigo no Uol em abril deste ano. O lobby das empresas de cartão de crédito quer, em suma, limitar os poderes do Bacen, separando as funções de regulação e supervisão, o fim de desenvolvimentos obrigatórios e prioritários, ou seja, regras universalizantes, e a possibilidade de “interoperabilidade” – ou seja, que o PIX possa ser usado desde um cartão de crédito, por exemplo.

A grande questao é que o PIX é uma tecnologia do Banco Central, então as financeiras não querem ter que obedecer as regras do BC. Um exemplo, hoje, se o Banco determina que tem que ter Pix por aproximacao, todo mundo tem que fazer.

Na semana passada, o economista americano Paul Krugman escreveu em um artigo que o Brasil pode ter inventado o dinheiro do futuro, justamente pela facilidade de usar e pela centralização no Banco Central. “Mas o Pix é muito mais fácil de usar. E, embora o Zelle seja grande, o Pix se tornou simplesmente enorme, sendo usado por 93% dos adultos brasileiros. Parece estar rapidamente substituindo dinheiro em espécie e cartões”, diz.

O que está claro é que o Pix, desde o governo Bolsonaro, tem sido usado como um dos poucos avanços tecnológicos do bem que o Brasil tem compartilhado amplamente com outros países. “É um sucesso, um exemplo para o mundo. Muita gente vem para o Brasil para ver como fazer”, afirmou Alckmin. 

É fato. Em 2022, o então presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que o banco iria abrir os protocolos do Pix para quaisquer bancos centrais copiarem de graça. O Pix já é aceito na Argentina, no México, e em outros países vizinhos, e existem startups regionais trabalhando para fazer a ligação entre sistemas de pagamentos locais e o Pix.

Internamente, além da frustração dos planos da meta de adotar o velho “winner takes all”, controlando o mercado de pagamentos instantâneos com o WhatsApp Pay, o Pix causou dor de cabeças para as empresas de cartões do crédito, que perderam a liderança de dos pagamentos para compras pela internet, por exemplo. No ano passado, as transações em Pix ultrapassaram pagamentos em boleto, cartões e cheques. Em todas essas modalidades, os bancos e operadoras ganhavam uma porcentagem da transação. 

Mas, como sempre, o buraco é mais embaixo. 

Assim como o UPI (Unified Payments Interface), sistema de pagamento desenvolvido pela Corporação Nacional da Índia, que hoje é aceito em dezenas de países e tem mais de meio bilhão de usuários, o Pix tem grande potencial para se tornar um modo de pagamento regional – ampliando a influência brasileira, algo que, como sabemos, sempre incomodou os Estados Unidos.

Trata-se de mais um capítulo na frente de batalha que tem as criptomoedas como componente importante nas ações do governo Trump: o futuro do dinheiro no mundo digital, e quem vai mandar nele. 

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