O presidente Michel Temer (MDB) tem comemorado a recuperação da economia, embora os dados mostrem que o processo ocorre de forma muito mais lenta do que o esperado. Um dos números recentes que frustram essa tendência otimista foi a taxa de desocupação para o primeiro trimestre deste ano (janeiro, fevereiro e março), medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O desemprego subiu para 13,1%, mantendo uma tendência de alta registrada desde o quarto trimestre de 2017, quando ficou em 11,8%.
Em entrevista dada para a edição de estreia no programa Poder em Foco, no SBT, em 6 de maio, Temer usou dados sobre criação de vagas e desocupação para defender a ideia de que esses números mostram que a economia está melhorando. O Truco – projeto de fact-checking da Agência Pública – analisou três das afirmações do presidente sobre esse tema. A checagem descobriu que Temer usou dados falsos e sem contexto para minimizar os problemas que persistem no mercado de trabalho. Procurada, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República preferiu não se pronunciar.
“O emprego com carteira registrada em janeiro chegou a 79 mil carteiras registradas, mais ou menos por aí. No mês de fevereiro, 66 mil, 67 mil. No mês de março, 57, 58 mil carteiras assinadas. Estou falando de empregos formais.”
Ao mencionar os números sobre criação de vagas com carteira assinada entre janeiro e março deste ano, o presidente Michel Temer citou como fonte o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mantido pelo Ministério do Trabalho. Os números mostram o saldo entre contratações e demissões para cada mês analisado. Temer usou valores muito próximos dos apurados para esse período. Em janeiro, o saldo foi positivo em 82.855 postos de trabalho com carteira assinada. Já em fevereiro, ficou em 65.058 e, em março, em 56.151 vagas.
Apesar de serem resultados bons para o ano, em dezembro o Caged registrou uma enorme retração. O saldo ficou negativo em 339.648 vagas. Como esse número não foi mencionado pelo presidente, faltou contexto à informação. A criação de empregos formais também não significa que houve ampliação do mercado de trabalho, ou seja, de que há mais vagas do que antes para quem deseja trabalhar. De acordo com a Pnad Contínua, a população ocupada caiu 1,7% no primeiro trimestre de 2018, em relação ao trimestre anterior. O número de empregos com carteira assinada também caiu, segundo o IBGE. Foram fechados 402 mil postos na comparação com o trimestre anterior.
“Nesses cinco meses, houve a retomada de cerca de 1,5 milhão de postos de trabalho.”
Temer defendeu que houve a criação de 1,5 milhão de postos de trabalho, formais ou informais, nos últimos meses durante a entrevista ao SBT. Novamente, ele citou como fonte o Caged, do Ministério do Trabalho. “Nesses quatro ou cinco meses, (…) [houve] abertura de postos de trabalho – postos de trabalho significam emprego formal ou atividade retomada, como, por exemplo, venda de hambúrguer, cabeleireiro, etc, que as pessoas começaram a retomar porque houve consumo”, disse. O número é falso.
Os dados do Caged medem apenas a criação de vagas formais. Logo, não servem como referência para o valor citado, de 1,5 milhão de postos de trabalho. A Pnad Contínua, do IBGE, mostra, no entanto, que o que ocorreu foi exatamente o contrário. Na comparação entre o primeiro trimestre de 2018 e o quarto trimestre de 2017, houve a redução de 1,528 milhão de vagas no mercado formal ou informal. Isso porque o total da população ocupada caiu de 92,1 milhões para 90,6 milhões.
“O IBGE, quando faz o levantamento e indica que o desemprego aumentou, sabe por que aumentou? Por um dado positivo. É que, como a economia cresceu, as pessoas desalentadas, que não procuravam emprego, começaram, alentadas que ficaram, a procurar emprego.”
Momentos de retomada econômica costumam registrar inicialmente aumento do desemprego, pelos motivos citados por Temer. Há um contingente da população que não procura se recolocar no mercado de trabalho, por acreditar que não haverá vagas. Essas pessoas são classificadas como desalentadas pelo IBGE e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que também faz levantamentos regulares sobre esse tema. Elas não são consideradas desocupadas – uma vez que não procuram emprego, embora sejam capazes de trabalhar – e não entram no cálculo da taxa de desemprego.
Quando há sinais positivos após um período de recessão, uma parte desse contingente sai às ruas em busca de uma recolocação. Esse movimento tende a fazer o índice do desemprego crescer, porque essas pessoas se juntam às outras que já estão em busca de um posto de trabalho. A taxa de desocupação verifica quem não trabalhou e está em busca de uma vaga, tanto no mercado formal como no informal, no período do levantamento. O problema da declaração de Temer é que os números disponíveis hoje não mostram que está ocorrendo essa movimentação. “Isso é algo que provavelmente vai acontecer no momento em que a economia voltar a gerar empregos”, afirma Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese. Por isso, a frase é falsa.
Até a publicação desta checagem, não havia dados do IBGE sobre o contingente de desalentados no primeiro trimestre de 2018. No último trimestre do ano passado, contudo, essa taxa foi a maior da série histórica e ficou em 3,9%, correspondentes a 4,3 milhões de pessoas. Essas pessoas entram no grupo classificado como “fora da força de trabalho”. De acordo com a Pnad Contínua, do IBGE, o tamanho desse contingente ficou estável (variou 0,4%) entre o primeiro trimestre deste ano (64,8 milhões) e o último trimestre do ano passado (64,6 milhões). Isso mostra que não houve uma mudança de comportamento dos desalentados, como disse Temer.
Outro indicativo importante de que os desalentados não mudaram de comportamento está na demora para achar vagas. “O tempo de procura de emprego é muito alto hoje no Brasil. Para procurar emprego, as pessoas têm um custo e um investimento. Elas observam que não conseguem encontrar um posto de trabalho e provavelmente muitas vão, nessa situação, para o desalento. Os números do desalento crescem nas pesquisas do Dieese, porque as pessoas desistem de procurar emprego, apesar de precisarem”, destaca Clemente Lúcio, do Dieese. Levantamento feito pelo órgão constatou que, em março, a média em São Paulo era de 47 semanas, uma queda de apenas 2,1% em relação a fevereiro.