Sob a batuta do ex-juiz espanhol Baltazar Garzón, a equipe legal de Julian Assange tem feito malabarismos para seguir atuante na defesa do fundador do WikiLeaks. Depois de seis anos confinado na embaixada equatoriana em Londres, Julian está sem comunicação e sem poder receber visitas desde o final de março por ordens do governo equatoriano, comandado por Lenín Moreno desde maio de 2017.
O novo presidente, que foi apontado pelo seu antecessor Rafael Correa, mas rompeu com ele, determinou a suspensão da internet e demais comunicações depois que o hacker criticou a atuação do governo alemão ao prender o líder catalão Lluís Companys, que era procurado pela Espanha após a revolta separatista de 2017. “É uma transgressão ao seu direito civil e laboral”, diz o advogado Carlos Poveda Moreno, que atua na defesa de Assange desde o Equador.
Em entrevista à Pública, Poveda comenta a reportagem publicada pelo The Intercept citando uma fonte anônima do governo equatoriano, que diz haver uma negociação em curso com as autoridades britânicas para entregar o australiano.
Leia a entrevista:
Como a equipe legal recebeu a notícia sobre uma possível negociação para entregar Assange ao governo britânico?
Bem, para além das conjecturas, o que nós fizemos foi buscar respostas oficiais. Entre 1o e 18 de julho, Garzón enviou cartas ao chanceler José Valencia. Na primeira, ele tratava da situação de Julian, do isolamento e da suspensão de uso da internet. No dia 18 de julho, enviamos outra carta, sobre a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos a respeito do sistema de asilo diplomático, emitida em 30 de maio de 2018.
O que diz essa decisão?
A opinião consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos foi solicitada pelo Estado equatoriano quando era o governo do presidente Rafael Correa. A Opinião Consultiva 25/2018 manifesta determinados status jurídicos para os asilados e refugiados, sobretudo os que conseguiram asilo diplomático. O que estabelece a decisão da Corte é vinculante para todos os Estados do sistema interamericano. O primeiro ponto é que a jurisdição onde deveria desenvolver-se qualquer tipo de processo contra ou a favor dos refugiados é a do Estado que concedeu o asilo. Segundo, que o asilado não pode ser objeto de nenhum tipo de violação de direitos, sobretudo quando pode afetar a integridade física ou psicológica do asilado. Ele tem que gozar dos mesmos direitos dos cidadãos nacionais. Então há uma responsabilidade internacional. E nós consideramos que existe essa discriminação de direitos porque neste momento Julian Assange está privado de internet e qualquer tipo de comunicação, e de ter visitas –inclusive visitas da equipe legal.
E, também, a Corte estabelece e obriga cada Estado a, antes de terminar qualquer tipo de asilo, fazer uma entrevista com a pessoa que está asilada para avaliar os riscos que poderiam afetar a sua integridade física.
Assange segue sem comunicações na embaixada?
Assange está “incomunicado” desde quase final de março. O governo do Equador colocou-o em isolamento em virtude das denúncias de que ele havia feito contra os Estados Unidos e também contra a Espanha. No primeiro caso, por suposta ingerência nas eleições presidenciais que elegeram Trump, e na Espanha pelo tema independentista da Catalunha. Diante disso e das contínuas reclamações feitas por esses dois governos, decidiram isolá-lo. Devemos lembrar que Assange é um jornalista, e sua fonte de trabalho é precisamente os critérios de opinião e liberdade de informação. Essa é uma transgressão ao seu direito civil e laboral, e ainda se mantém. No mês de janeiro se fizeram vários exames psicológicos e médicos, e evidentemente o que eles ressaltam é que ele foi afetado pela situação. Inclusive, ele está tendo problemas odontológicos que não puderam ser atendidos.
Como a equipe legal está se comunicando com ele?
É bastante complicado. Temos uma pessoa que tem servido de interlocutor, mas não é um acesso por 24 horas, que é o que precisaríamos para irmos conhecendo quais são as vicissitudes que ele enfrenta. Sobre tudo isso já comunicamos ao senhor presidente Lenín Moreno, e por carta também questionamos determinadas notícias que não conseguimos comprovar e sobre as quais necessitamos de uma posição direta.
Qual é a sua avaliação sobre a postura do novo governo equatoriano?
Obviamente, a vontade política é diferente. Apesar de o asilo diplomático ser uma responsabilidade e um direito próprio de cada Estado, temos que levar muito em conta a direção política. A posição do governo anterior era muito mais favorável em termos jurídicos e, sobretudo, de respeito ao direito de asilo diplomático. Recordemos que Lenín Moreno tem sinalizado com abertura econômica para os Estados Unidos e também para a União Europeia. E há que ser consciente de que não é somente um tema econômico, mas que, por detrás do tema econômico, há determinadas exigências que não são desnudadas, mas que se fazem sentir aos governos. A visita do vice-presidente norte-americano, Mike Pence, a Lenín Moreno em junho foi um sinal muito importante, inclusive houve cartas de congressistas americanos pedindo o fim do asilo diplomático. Portanto há, sim, uma mudança, uma situação que, vemos, é de muita instabilidade e mais fragilidade em termos do asilo diplomático.
O que pode acontecer se o governo de Lenín Moreno entregar Assange para as autoridades britânicas?
No momento em que Lenín Moreno terminasse com o asilo diplomático a Julian Assange, a responsabilidade recairia sobre o Estado equatoriano. E isso já é uma advertência da opinião consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Sobretudo através da extradição, que poderia levá-lo a ser enviado aos Estados Unidos, o que poria em perigo a integridade física e psicológica de Assange. Portanto, isso seria muito grave para o Estado equatoriano, independentemente de qual governo.