A polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto de gastos chegou ao Senado no dia 26 de outubro. Agora numerada como PEC 55/2016, a PEC 241/2016 (como era conhecida na Câmara) tem provocado intensos debates na Casa. Só que nem sempre as informações usadas pelos parlamentares estão corretas. A matéria teve o parecer do relator, Eunício Oliveira (PMDB-CE) lido na Comissão de Constituição e Justiça na terça-feira (1º), e o governo corre para aprová-la em duas votações no plenário até o fim do ano.
Senadores têm ocupado a tribuna para defender ou criticar a proposta. Alguns analisam o cenário das contas brasileiras, enquanto outros se concentram nas medidas tomadas pelo governo Dilma Rousseff e em seus resultados econômicos. O Truco no Congresso – projeto de checagem da Agência Pública, feito em parceria com o Congresso em Foco – selecionou quatro frases de parlamentares favoráveis ou contrários à PEC para analisar a precisão das informações ditas no plenário. Veja, a seguir, o que descobrimos.
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“O déficit, volto a dizer, de 2015, de 10,34% [do PIB], 8,5% foram de pagamento de juros para o sistema financeiro, para os grandes rentistas do país.” – Lindbergh Farias (PT-RJ), em 25 de outubro
Um dos pontos que têm causado polêmica nos debates sobre a PEC 55 é a exclusão do pagamento de juros no teto de despesas. A proposta não define nenhum limite para esses desembolsos, que poderão crescer acima da inflação, ao contrário da maioria dos gastos do governo.
Na sua frase, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) acertou tanto o valor do rombo do governo federal em 2015 em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) como o índice correspondente aos juros da dívida pública. Não é possível, entretanto, saber quem são os destinatários dos recursos do pagamento de juros – que incluem pessoas físicas e jurídicas de fora do Brasil, não somente o “sistema financeiro” e os “grandes rentistas do país”.
Segundo o Relatório Anual 2015 do Banco Central, o déficit do ano passado foi de R$ 613 bilhões, ou 10,38% dos R$ 5,9 trilhões de Produto Interno Bruto (PIB) de 2015. Do total, R$ 501,79 bilhões foram para o pagamento de juros, ou 8,5% do PIB. Estão corretos esses dados mencionados por Lindbergh.
Quanto aos destinatários dos pagamentos de juros, um relatório mensal publicado pelo Tesouro Nacional indica sete categorias de detentores dos títulos da dívida pública federal, que em setembro atingiu R$ 3,05 trilhões. Os credores dividem-se entre instituições financeiras (24,1%), fundos de investimentos (21,4%), previdência (24,3%), não-residentes (15%), governo (5,5%), seguradoras (4,5%) e “outros” (5,3%).
Lindbergh exagerou ao dizer que o dinheiro é revertido ao “sistema financeiro”. A categoria “não-residentes” engloba pessoas físicas ou jurídicas, fundos ou outras entidades de investimento coletivo com residência, sede ou domicílio fora do Brasil. Também se equivocou ao falar que o pagamento de juros da dívida contempla somente “grandes rentistas do país”.
O Truco no Congresso procurou o Ministério da Fazenda para que fossem detalhadas as pessoas físicas e jurídicas que compõem cada um dos sete grupos de credores da dívida pública federal. A pasta limitou-se a responder que os dados são protegidos por sigilo bancário. Em 2012, a Auditoria Cidadã da Dívida fez o mesmo pedido, via Lei de Acesso à Informação, e também teve resposta negativa, com a mesma justificativa.
Embora tenha acertado o valor do déficit de 2015 em relação ao PIB e a parcela do rombo relativa aos juros da dívida pública federal, Lindbergh Farias usou um dado incorreto ao dizer que “grandes rentistas do país” são os destinatários dos pagamentos dos juros. Pessoas físicas e jurídicas estrangeiras são credoras de 15% do total devido pelo Brasil. Por esse motivo, o parlamentar recebe a carta “Não é bem assim”.
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“[O governo Temer] não pode repetir a política de desonerações tributárias e de renúncia fiscal bilionária, que foi praticada pelo governo anterior. Foram R$ 229 bilhões que deixaram de ser arrecadados de 2012 a 2014, o que contribuiu sobremaneira para o desequilíbrio das contas públicas.” – Alvaro Dias (PV-PR), em 26 de outubro
A desoneração para determinados setores produtivos foi uma das alternativas adotadas na segunda metade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010) e no primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014) para tentar contornar a crise financeira internacional e manter o ritmo de crescimento da economia. A “brincadeira” da desoneração – como classificou o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy – custou caro aos cofres públicos. Deixou-se de arrecadar impostos e não houve retomada do crescimento. O governo acabou revertendo parte das medidas no ano passado.
O valor que deixou de ser arrecadado pelo governo federal com as desonerações é diferente, no entanto, daquele informado pelo senador. Segundo dados dos Relatórios do Resultado da Arrecadação, elaborados pela Receita Federal, o valor da renúncia fiscal em 2012 foi de R$ 46,46 bilhões; em 2013, o montante atingiu R$ 78,59 bilhões e chegou a R$ 99,42 bilhões em 2014. Nos três anos, as medidas resultaram em uma queda da receita de R$ 224,47 bilhões.
Por mais que Dilma Rousseff tenha reduzido parte dos benefícios concedidos em anos anteriores, a renúncia fiscal em 2015 ainda foi elevada, de R$ 103,26 bilhões. O impacto das desonerações também continuou em 2016. De janeiro a julho deste ano, a perda de arrecadação alcançou R$ 52,84 bilhões.
Segundo a assessoria do parlamentar, os R$ 229 bilhões citados por Alvaro Dias foram divulgados pelo ex-ministro Joaquim Levy, durante audiência pública no Senado. De acordo com uma apresentação exibida em março de 2015, na Comissão de Assuntos Econômicos da Casa, teriam sido R$ 238,2 bilhões entre 2012 e 2014, o que também é diferente do mencionado pelo senador.
A divergência entre os números apresentados pelo ministro e aqueles disponíveis no site da Receita, segundo o próprio órgão, podem ser explicadas por atualizações na consolidação dos dados. O Relatório do Resultado da Arrecadação de 2013, por exemplo, traz informações não só daquele exercício, mas também de 2012, já revisadas. De toda forma, Alvaro Dias não utilizou um número que já tenha sido divulgado sobre o tema. Além disso, as informações mais recentes já estavam disponíveis quando o parlamentar subiu à tribuna. Pela imprecisão no dado mencionado, o Truco classifica a fala do senador com a carta “Não é bem assim”.
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“Esse teto que está sendo estabelecido – o teto de gastos no orçamento – só serve para os gastos primários, ou seja, aquilo que se gasta com saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia, segurança, agricultura, pagamento de pessoal, programas sociais. Os gastos financeiros estão fora, estão fora desse limite de gastos.” – Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), em 25 de outubro
A PEC 55 estabelece um teto para o aumento das despesas públicas, que não poderão crescer acima da inflação durante duas décadas. Mas a proposta não inclui todos os gastos federais, como apontou a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). O texto aprovado na Câmara que chegou ao Senado diz que “ficam estabelecidos, para cada exercício, limites individualizados para as despesas primárias” dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público e da Defensoria Pública.
Também conhecidas como despesas não-financeiras, as despesas primárias correspondem justamente aos tipos de gastos citados pela senadora, como investimentos e custeio da máquina e das políticas públicas, além da folha de pagamento.
A possibilidade de revisão do teto, a partir do décimo ano da proposta, servirá apenas para mudar o índice de correção. Não será permitido incluir ou excluir itens. As despesas financeiras, que correspondem ao pagamento de juros da dívida, entre outros tipo de gastos, não terão limites para desembolso durante 20 anos, caso a PEC seja aprovada. A senadora acertou e, por isso, recebe a carta “Zap”.
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“Eles [PT] se esquecem de que deixaram o País devendo 80% do PIB, de dívida bruta, e que se nada for feito essa dívida poderá chegar a 100% do Produto Interno Bruto em 2024, em 2025.” – Ricardo Ferraço (PSDB-ES), em 25 de outubro
Um dos argumentos utilizados pelos defensores da PEC 55 é que, sem ela, a dívida do país, que cresceu durante a atual crise, continuaria a se elevar de maneira descontrolada. Em maio de 2016, quando Michel Temer (PMDB) assumiu a Presidência interinamente e o PT deixou o Palácio do Planalto, a dívida bruta brasileira era de R$ 4,11 trilhões, ou 68,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Por isso, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) exagerou ao afirmar que o porcentual chegou a 80% do PIB. O dado mais recente sobre a dívida bruta, de setembro, mostra que somou R$ 4,33 trilhões, maior valor da série histórica e equivalente a 70,7% do PIB, segundo o Banco Central.
O combate a esse crescimento já era visto como algo necessário durante a gestão petista. “A projeção da relação dívida bruta do governo geral sobre PIB aproximando-se de 70% demonstra a necessidade de se perseverar nas medidas de consolidação fiscal”, diz nota técnica do Tesouro Nacional de julho de 2015.
A assessoria do senador não soube informar a fonte utilizada para a projeção da dívida bruta, respondendo apenas que seriam “dados do governo”. Michel Temer citou o mesmo índice que Ferraço, no final de setembro: “Se a PEC [do teto de gastos] não for aprovada, a dívida bruta poderá chegar a 100% do PIB em 2024 – ou mesmo antes”.
Segundo o Palácio do Planalto, a projeção de Temer foi feita pelo Ministério do Planejamento. A pasta encaminhou à reportagem uma estimativa do crescimento da dívida bruta para diferentes cenários de despesas. Caso elas cresçam anualmente 6% acima da inflação – aumento que, segundo o Ministério da Fazenda, aconteceu entre 1997 e 2015 –, a dívida bruta deve atingir 100,1% do PIB em 2024.
O cálculo leva em conta estimativas de crescimento do PIB projetadas na Lei Orçamentária Anual de 2017 e na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2018 e 2019, e de 2% para os anos seguintes (2020-2024). “Em caso de menor crescimento do PIB, mais rapidamente a dívida bruta atingirá 100% do PIB”, diz nota do Planejamento. Caso o crescimento das despesas não ultrapasse a inflação, como propõe a PEC 55, a pasta estima que a dívida chegará a 2024 em cerca de 83% do PIB.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) também estimou a elevação do índice, sem considerar eventuais impactos da PEC 55. Em abril, a instituição anunciou que a dívida bruta poderia atingir 91,7% do PIB em 2021. Em outubro, uma atualização do estudo já apontava que, também em cinco anos, o índice chegará a 93,6% do PIB. O FMI não efetuou cálculos para anos posteriores. Em agosto, a consultoria 4E estimou em 87,3% o percentual para 2022.
Ferraço usou uma estimativa oficial ao dizer que, “se nada for feito”, a dívida bruta poderá chegar a 100% do PIB em 2024 ou 2025. Mas o senador recebe a carta “Não é bem assim” por ter errado o porcentual da dívida bruta em relação ao PIB deixado pelo governo de Dilma Rousseff – que foi de 68,6%, não 80%.